Produtores do Pará querem plantar soja em áreas de capoeira, para proteger a floresta
Os solos férteis do norte do Pará (região de Dom Eliseu, cortada pelo eixo da Belém-Brasília) são considerados como os melhores do País para a produção de soja. Rivalizam-se em fertilidade com as terras roxas do Paraná, onde as médias de produtividade ultrapassam 70 sacas por hectare.
Diferentes, porém, das regiões Sul e Sudeste, as terras amazonicas tem cor de um amarelo intenso, resultante da composição do latossolo argiloso, que gruda nas botinas dos agricultores (a maioria sulistas) que vieram para a região quando da abertura da Transamazonia, na década de 50, atraidos pelos preços baratos das glebas.
Naquela época o governo brasileiro estimulou os agricultores a derrubarem as matas, para, no lugar, produzirem grãos em quantidade suficiente para modificar a realidade cruel do povoados amazonicos, onde se registravam (e ainda registram) os piores índices de desenvolvimento do País.
O avanço foi lento, com muita dificuldade. Até hoje os agricultores paraenses não contam, por exemplo, com sementes adaptadas ao latossolo amarelo que possibilitem extrair a máxima produtividade dos solos férteis. Pior barreira, no entanto, vem da ignorância e do desconhecimento.
Por estarem enfiados no eixo da Belém-Brasília, esses agricultores (cerca de 1.200 famílias proprietárias de áreas acima de 500 hectares cada) são olhados com deconfiança pelos organismos de defesa do meio-ambiente. Apesar de a floresta amazonica estar longe dali, nas imediações da rodovia Trasamazonia (a 200 quilometros distante da regiao de Dom Eliseu), para os ambientalistas o norte do Pará é considerado "bioma amazônico".
Com isso, mesmo não tendo mais nenhum resquicio das grandes matas da década de 50, o eixo da Belém-Brasília está interditado para a produção de soja.
A vigilancia é feita do espaço. Satelites europeus rastreiam continuadamente a área e os dados são enviados pera o INPE, em S. José dos Campos (SP), que reenviam as informações para o Ibama.
Assim, qualquer atividade agrícola na região é motivo de pesadas multas e, pior, a fazenda entra no index da Abiove (associação formada por 13 traders internacionais que negociam soja no Brasil), que não mais compram grãos daquela propriedade em nome de um acordo estabelecido com compradores de grãos da Europa - a temida Maratória da Soja.
Esse é o motivo da movimentaçao dos agricultores do Norte do Pará, que prometem uma grande manifestação de protesto em Dom Eliseu (domingo, dia 10). Eles querem que os órgãos ambientais (o Ibama, a Sema - Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará -, e principalmente o temido Ministério Público Federal) retirem o bloqueio e aceitem as definições do Código Florestal.
Desde 2008, com a aprovação da nova Lei Ambiental brasileira, foi definido que no bioma amazonico os proprietários de terras particulares só poderiam utilizar 20% da sua área com lavouras, ficando os restantes 80% intocados, destinados à preservação. E a mesma Lei, objetivando proteger as grandes florestas existentes nos 20% que poderiam ser derrubados, criou um mecanismo de compensação. Ou seja, que o direito sobre esses 20% fossem usado em áreas já abertas anteriormente (como as terras da Belém-Brasilia).
Mas aí surgiu uma dificuldade dificil de superar... o olho do satélite. Denominado de sistema Prodes, a maquina faz leituras de cores da vegetação. Ou seja, para o satélite toda a floresta apresenta a cor verde das folhas. Assim, caso a coloração seja modificada (por desmate ou queimadas) o olho do satélite aponta a diferença.
No entanto, a máquina não foi "ensinada" a identificar a diferença existente entre a floresta fechada e as "juquiras", nome que os amazônidas dão às capoeiras formadas por arbustos compostos de cipós e trepadeiras que sufocam as árvores remanescentes dos dematamentos de 70 anos atrás.
O olho do Prodes identifica até mesmo as pastagens já abertas anteriormente (e que são vigiadas para não aumentarem de tamanho), mas não sabe diferenciar a capoeira. E assim, os agricultores ficam impedidos de fazer a compensação sobre os pastos degradados e as juquiras.
Qualquer tentiva de limpeza de área, com o "enleiramento" e queimadas dessas juquiras, é punida com multas que ultrapassam Um milhão de Reais. Foi o que aconteceu com Rodrigo Turquino, um jovem pastor evangelico, que veio com a familia do sul do Mato Grosso do Sul para produzir nos ricos solos do norte do Pará.
Com o aumento dos debates em torno do ambientalismo nos países europeus, e com as notícias de queimadas nas bordas da floresta amazonica ocorridas em outubro passado, a vida dos agricultores paraenses virou um inferno. Junto com o olho cego do satélite, entrou em campo a desinformação e a burocracia dos órgãos ambientais.
Assim, é quase impossivel um agricultor conseguir uma autorização de limpeza de terreno. Muito menos fazer a conversão de floresta em lavoura,
Ali, no eixo da Belém-Brasília, não basta estar dentro das condicionantes do Código Florestal, manter a Reserva Legal, as APPs, se inscrever no CAR e conseguir a muito custo o licenciamento ambiental. Nada disso adianta. Para o olho cego do satelite do Inpe-Ibama, e para os ricos consumidores europeus, que imaginam que ali, em Dom Eliseu ainda existam grandes árvores a serem preservadas, a realidade é outra.
Já para os agricultores paraenses, que querem eliminar a miséria de seus cidadãos, só resta a briga politica e a informação correta à sociedade. Para isso eles vão se reunir domingo no parque de exposições de Dom Eliseu para chamarem atenção dos brasileiros sobre o mesmo direito que eles também tem, que é o de viver a mesma vida de dignidade e de prosperidade do restante do País.
O depoimento do pastor Rodrigo Turquino retrata bem essa angustia e determinação de luta. Confira a entrevista no video acima. (por João Batista Olivi)
Dom Eliseu tem solo amarelo, com alto teor de argila, ótimo para a lavoura. Mas os produtores não podem fazer a compensação nas juquiras para preservarem a floresta