Trigo perde produtividade no Sul do Brasil e produtores veem dificuldade para cobrir custos

Publicado em 03/10/2024 15:14 e atualizado em 03/10/2024 16:37
Segundo analista, preços devem continuar pressionados, mas têm viés de alta para período de entressafra

Eventos climáticos tiraram a produtividade da safra de trigo no Sul do Brasil. Seja por seca, granizo ou excesso de chuvas, sobretudo no Paraná e no Rio Grande do Sul, produtores viram a qualidade das lavouras piorar durante o desenvolvimento das plantas e, agora, mais próximo da colheita, têm pela frente uma redução de preços e estão preocupados com como cobrirão os custos de produção.

Mais recentemente, na última semana fortes chuvas atingiram o estado do Rio Grande do Sul. No município de Fortaleza dos Valos-RS, o produtor Volnei Kriese contou que durante a madrugada entre os dias 25 e 26 uma forte chuva de granizo atingiu o trigo que já estava em estágio final de desenvolvimento.

Segundo ele, dois terços da produção, que vinha com boas perspectivas, foi perdida. “Deu um estrago bem grande. Estimava uma um trigo muito bom, daria 70 a 80 sacas por hectare. Hoje se colher é 10 sacas, mas nem produz isso”, lamentou o agricultor. Kriese registrou um vídeos durante a chuva de granizo e como ficou a lavoura em seguida: 

Kriese ressaltou também que como essa quebra aconteceu já no estágio final da lavoura, grande parte do investimento foi perdido. O agricultor afirmou que não tem seguro, porque é muito caro e não tem a proteção ideal, e não tem Proagro, o que segundo ele seria a melhor alternativa, pois está difícil acessar o programa.

“A dificuldade foi depois que entrou o governo novo, foi mais difícil acessar essas linhas de seguro. Na verdade, o Proagro que seria interessante. O seguro não protege muito, é muito caro e não faz o serviço dele. Mas o Proagro mesmo ficou bem difícil de acessar”, protestou Kriese.

Em Ijuí-RS, o produtor César Marcio contou que na sua lavoura de trigo tinha uma expectativa de produtividade em 120 sacas de hectare e previsão de início da colheita por volta do dia 25 de outubro. Contudo, as chuvas fortes na fase final de desenvolvimento estão tirando produtividade das plantas, reduzindo o pH.

Como afirmou Marcio, a maior preocupação para ele é o preço do trigo, que está na faixa de R$ 65/saca no noroeste do Rio Grande do Sul. “Os agricultores aqui do RS estão desanimados com   esse preço   do  trigo. Se o tempo  não   colaborar  na  colheita, baixando o pH do trigo, não vamos   conseguir honrar as dívidas”, declarou.

“Esclarecendo bem a situação aqui do trigo aqui no Rio Grande do Sul, porque não vai ser fácil não. Se o clima não colaborar, nós provavelmente não vamos pagar as contas, os custos do trigo”, reforçou o produtor rural.

Caso condições climáticas colaborem, Rio Grande do Sul terá excedente de produção

Élcio Bento, analista da Safras & Mercado, entretanto, afirmou que no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina a situação ainda é melhor do que comparado com o Paraná. Segundo ele, o atraso do plantio, porém ainda dentro da janela ideal, fez com que as lavouras não fossem prejudicadas pelas geadas, pois não estavam em fases sensíveis.

Como ele explicou, as lavouras vêm se encaminhando bem e os episódios de chuvas foram pontuais e nada que irá comprometer o potencial de produção do estado. Segundo Bento, o alerta fica para possibilidade de chuvas em outubro, mas ainda fica a dúvida se essa precipitação trará prejuízos às qualidades das lavouras ou se será uma safra cheia e de boa qualidade.

“Se for uma safra cheia de boa qualidade, há um potencial de produção de 4 milhões de toneladas, para um consumo gaúcho de cerca de 2 milhões de toneladas. Ou seja, tem 2 milhões de toneladas para vender além das fronteiras”, apontou o analista.

De acordo com Bento, as possibilidades para esse excedente são a venda no mercado internacional, vendas para o Nordeste ou atender à necessidade de estados brasileiros, sobretudo o Paraná, que deve ter déficit. O que irá definir esse destino será qual das alternativas terá preços melhores para a venda.

Condição das lavouras de trigo segundo a Emater/RS-Ascar

De acordo com informações da a Emater/RS-Ascar, a situação é pior na parte sul do Rio Grande do Sul. “Chuvas na Campanha e no Extremo Sul tem gerado dificuldades no manejo cultural, resultando em adiamentos ou até suspensão de operações, incluindo adubações e pulverizações”, informou no boletim conjuntural da última sexta-feira (27) .

Além disso, no Panalto Médio do estado, a Emater afirmou que “a incidência de ventos fortes  provocou o acamamento em algumas lavouras, mas houve uma recuperação quase total dos danos observados”.

“O ciclo produtivo está em evolução, e 4% das lavouras alcançaram o processo de maturação; 42% estão em fase de enchimento de grãos; 38% em floração; e restam 16% em desenvolvimento vegetativo”, detalhou o órgão.

Quebra no Paraná levará à maior necessidade de compra para suprir demanda do estado

Como contou o produtor Laércio Dalla Vecchia, de Mangueirinha/PR, na região sudoeste do Paraná, a maior parte do trigo que começou a ser colhido está muito ruim. Por lá, o maior problema foram as geadas em sequência no mês de agosto, que provocaram danos severos.

“Dizimou o trigo, sabe? Está um cenário muito preocupante. Eu até estava conversando com o pessoal aqui de outras região que estão colhendo agora. Produção muito baixa, perdas generalizadas devido principalmente à geada aqui na nossa região” relatou Dalla Vecchia.

“Os que foram plantados mais tarde, que vão ser colhidos em novembro, esses estão melhores, mas estão à mercê do tempo. Esses, escaparam um pouco mais das geadas, os que serão colhidos final de novembro, só que daí já perde a melhor janela pra plantar o soja, né?”, completou o produtor rural.  

Mas a oeste do estado, Dalla Vecchia afirmou que a colheita do trigo já terminou, mas com baixas produtividade, pois as lavoura foram afetadas pela falta de chuvas: “Mais no oeste do Paraná, lá já finalizou a colheita de trigo. Lá foi muito mal por causa da seca”.

Por fim, o produtor rural expressou sua preocupação quanto a condição financeira para os agricultores após essas perdas. “Este ano na cultura do trigo dá para contar nos dedos quem conseguiu colher o bem e quem conseguiu pagar as contas. A grande maioria não paga os custos”, alertou.

O analista Élcio Bento ressaltou que neste ano o Paraná já teve uma área de plantio menor em relação ao ano passado por conta da seca. Até o mês de agosto, o estado tinha uma produção que poderia ser 3,8 milhões toneladas. Porém, ele também destaca que as geadas atingiram muitas lavouras em fases sensíveis.

“Aquele potencial inicial, hoje, está em 2,6 milhões de toneladas. A safra despencou. Pela conta para formação de preços, os moinhos paranaenses consomes 3,8 milhões de toneladas, ou seja, terá um déficit grande e terá que buscar em outros locais”, apontou o analista.

“Uma safra muito pequena que levará a uma necessidade do Paraná comprar trigo  além de suas fronteiras. A maior necessidade de compra que o Paraná já teve em termos de volume para suprir a demanda interna paranaense”, acrescentou Bento.  

Deral aponta 62% do trigo do Paraná colhido e perdas calculadas em 32%

Na última terça-feira (01), o Departamento de Economia Rural (Deral), do Paraná, informou que a colheita do trigo no Paraná está em 62% da área plantada, com 21% das lavouras em condição ruim, 39% média e 40% boa.

Situação de lavouras no Paraná no dia 30/09/24. Fonte: Deral

Durante a última semana, quando o departamento já havia informa que a colheita estava se aproximando da metade da área de trigo semeada, os dados projetavam perdas médias no estado em 32%, decorrentes especialmente da seca severa que atingiu o estado ao longo do Inverno, mas também por conta das geadas.

Nesta semana, o Deral informou que a  colheita chegou às áreas afetadas pelas geadas, que apresentaram forte queda na produtividade e na qualidade, com pH médio abaixo do padrão e cargas de triguilho e, além disso, continuam também sendo colhidas algumas áreas prejudicadas pela seca.

De forma geral, em Santa Catarina lavouras têm bom desenvolvimento

Como apontou Bento, as condições das lavouras de trigo em Santa Catarina são positivas. De acordo informações da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), a  produtividade  média está estimada em 3.563kg/ha, o que representa um aumento de 59,3% em relação ao último ano.

“Essa maior produtividade média já era esperada, já que a safra passada foi marcada pelo excesso de chuvas,  fator  que  prejudicou  a  qualidade  do produto  colhido,  reduzindo  a  rentabilidade  das lavouras.  Até  o  momento,  a estimativa  é  que produção estadual deverá crescer 40,7%, chegando a 432 mil de toneladas”, afirmou o Epagri no Boletim Agropecuário do mês de setembro.

Nesta semana, a Conab também divulgou sua estimativa de safra e mostrou em Santa Catarina as lavouras com bom desenvolvimento e qualidade considerada boa, com algumas exceções devido à incidência de pragas.  

De acordo com a Conab, até a segunda-feira (30), a colheita do trigo em Santa Catarina estaca em 3%. Com relação à condição de lavoura, em 95% das áreas avaliadas a condição era boa; em 3% a condição era média e em 2% era ruim.

Preços seguem pressionados, mas têm tendência de alta na entressefra

Segundo Bento, seguindo a lógica de formação de preço pelo quadro de abastecimento, os próximos meses ainda serão com com tendência de baixa, talvez encontrando já um ponto de fundo. “A gente fala de preço no Rio Grande do Sul em torno de R$ 1.100/tonelada e no Paraná indo para o patamar de R$ 1.400/tonelada. Então, as contas começam a ser feitas. Se no Paraná está R$ 1.400/tonelada, acaba fechando compra de trigo gaúcho. Se for safra cheia no Rio Grande do Sul, pode levar trigo gaúcho para o Paraná. É uma possibilidade”, apontou o analista

Outro ponto que pode ter reflexo sobre a formação de preços, conforme afirmou Bento, é a questão internacional. De acordo com o analista, para próxima safra de inverno há seca nos Estados Unidos e na Rússia, sendo que esta não tem uma safra tão grande e está vendendo bem. Por esse motivo, ele espera que os preços internacionais tendam a uma recuperação, o que pode abrir espaço para exportação de trigo gaúcho.

Bento também soma a isso a incerteza para a safra da Argentina. Ele explica que uma quebra da produção argentina, que é um grande exportador, fará com que haja menos trigo disponível no mundo, o que abre espaço para venda para o Brasil, pois o país vizinho pode vender mais caro por ser mais competitivo em relação aos outros exportadores. Segundo ele, isso é mais um fator de alta.

“A gente pode ter nessa questão internacional uma atratividade para compras de trigo gaúcho no mercado internacional. Então, mesmo com uma safra cheia no Rio Grande do Sul, a potencial demanda do mercado internacional e o mercado paranaense tendem a gerar essa demanda”, explicou Bento.

“A grande pergunta é: a que preços essa demanda irá buscar. Com preços ainda baixos no mercado internacional e com dólar até com viés de baixa, a gente tem preços ainda achatados nos atuais patamares. Mas a percepção é que, mesmo a gente tendo um período agora de colheita com preços mais baixos, porque a safra está entrando, na entressafra teremos preços bem mais firmes no mercado do Sul como um todo”, completou o analista.

Por: Igor Batista
Fonte: Notícias Agrícolas

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