Soja: Entre financeiro e fundamentos, há muitos sinais e oportunidades. Chicago sobe mais de 40 pts
A volatilidade no mercado da soja continua e tende a se intensificar. O recente andamento das cotações prova esse movimento e reflete a interferência forte do quadro macroeconômico sobre o caminho trilhado não só pela oleaginosa, mas pelas commodities de uma forma geral. E bem como os futuros da soja perderam 70 cents de dólar no contrato novembro na semana passada em função das notícias vindas do mercado financeiro, parte das altas de mais de 40 pontos registradas no pregão desta terça-feira (24) na Bolsa de Chicago se deve ao mesmo motivo.
"O governo americano compra toda semana US$ 120 bilhões em ativos nas bolsas, então ele injeta (na economia) US$ 120 bilhões de dólares. E na semana passada, o mercado leu a ata (da última reunião do Federal Reserve) e entendeu que isso poderia ser diminuído e começou a assustar o mercado. Se ele diminui (o estímulo) agora, ele vai cortar os juros lá na frente. Vendo ameaça, o mercado saiu de petróleo, saiu das commodities agrícolas, dos equities, as bolsas do mundo inteiro derreteram até que um dos presidentes regionais do banco central americano disse que talvez ainda não fosse momento dessa retirada e o mercado começa a reagir. Então, foi um movimento muito mais financeiro do que fundamentalista", explica Ênio Fernandes, consultor da Terra Agronegócios, em uma live no perfil Jornalista da Soja, no Instagram.
Abaixo, confira a íntegra da conversa com o consultor:
As novas sinalizações do Federal Reserve dão conta de que essas mudanças poderiam começar a aparecer efetivamente a partir do ano que vem. Assim, caso isso venha criando rumores mais fortes ou sinalizações mais assertivas, com um aumento das taxas de juros nos EUA em 2023, as cotações poderiam passar por uma acomodação neste período. Esta acomodação, todavia, ainda deverá seguir encontrando limitação nos fundamentos, principalmente da demanda maior por soja e milho, além de outras commodities, acompanhando a retomada e o crescimento econômico global.
"O conselho para o produtor brasileiro é: preste extrema atenção nos comunicados do Federal Reserve. O Federal Reserve é o banco central do mundo, o que ele faz sobre as taxas de juros nos EUA os demais países têm que se adaptar. Quando assistirmos à diminuição da compra de ativos mensais nas bolsas americanas e as taxas de juros subirem nos EUA, os mercados vão sofrer, porque eles irão correr para juros e para dólar. Os mercados estão muito líquidos. De maio de 2022 em diante, luz amarela, calma, precisamos trabalhar muito protegidos", orienta Fernandes.
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O cenário macroeconômico internacional ainda vai impactar diretamente sobre o andamento do dólar frente ao real - e claro, demais moedas - o que também terá influência direta na formação das cotações das commodities agrícolas no mercado nacional. E toda essa intensidade será catalisada pelo quadro político doméstico já que 2022 é ano de eleições presidenciais no Brasil. "Estaremos na colheita e os partidos políticos estarão se definindo. A tensão política vai estar muito grande e podemos ter o dólar em uma posição mais robusta do que hoje. Pode ser uma oportunidade de venda muito grande", complementa o consultor. "E volatilidade alta é insegurança de ambos os lados, tanto dos altistas, quanto dos baixistas, estão inseguros de tomar posições".
MERCADO FINANCEIRO X MERCADO FUNDAMENTAL
Oferta - A nova safra brasileira de soja está prestes a começar e na visão de Fernandes o mercado está subestimando a área de cultivo da temporada 2021/22, principalmente no Goiás, Mato Grosso e Matopiba."O Brasil ainda é um país pobre de dados e isso nos prejudica bastante", diz.
Ainda assim, a projeção da Terra Agronegócios é de uma colheita entre 145 e 146 milhões de toneladas. E além de olhar para estes números, o mercado vai contabilizar ainda as safras da Argentina e do Paraguai, onde os três juntos cultivam mais de metade da soja do mundo. Estas estimativas serão cruzadas com o real tamanho da safra norte-americana e o entendimento dos traders sobre os estoques de soja dos EUAm, atualmente estimados pelo USDA em pouco mais de 4 milhões de toneladas - o que é um número bastante ajustado diante da força da demanda e dos atuais estoques globais da oleaginosa.
Fernandes, entretanto, lembra ainda que a safra 2021/22 dos Estados Unidos está em seu momento mais crítico para a definição da produtividade, sofre ainda com alguns locais por conta do clima e pode ainda trazer uma surpresa ou outra ao mercado. Na última semana o Pro Farmer Crop Tour chegou com projeções bem acima das últimas do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) e colocou um ponto de interrogação no mercado. Afinal, nesta segunda-feira (23), uma nova piora sobre as condições das lavouras americanas foi apontada pela instituição.
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"O foco central dessa nova safra é o Brasil. Precisamos de uma safra brasileira muito boa, precisamos plantar no momento ideal até mesmo para dar início ao plantio da segunda safra de milho também no momento ideal. Assim, a situação para os demandadores não é fácil. Se atrasar a safra no Brasil, a tensão no mercado será muito alta, então estamos em um momento muito grave. Só vejo um pouco mais de tranquilidade no mercado, os preços se acalmando, em março do ano que vem, e ainda vai depender muito de como vai estar nossa situação política", alerta o consultor da Terra Agronegócios.
Demanda - De outro lado, a demanda mundial por soja encontra espaço de crescimento, principalmente diante do crescimento estimado para a economia chinesa, a qual puxa toda a Ásia junto dela, ainda segundo o consultor. "A demanda é real, é palpável. Quando a China cresce, ela tem uma força motora muito grande e puxa toda a Ásia. E onde a renda per capita é menor e aumenta, aumenta também a demanda por alimentos. Então, vejo uma demanda por soja robusta".
E buscando reestabelecer o fluxo adequado de seu mercado interno, a China aproveitou algumas baixas que Chicago sinalizou para comprar soja nos Estados Unidos por 11 dias úteis consecutivos, deu dois dias de intervalo, e voltou às compras nesta terça-feira.
"Manda quem paga a conta. O poder do chinês é muito alto, veja o que ele fez nos mercados de minério de ferro, de petróleo", diz Fernandes. E essas compras consecutivas, aproveitando as oportunidades dadas pelo mercado, mostraram a força e a eficácia da estratégia do maior demandador de soja do mundo. "Os preços altos têm uma função que é conter a demanda".
No mercado interno brasileiro, a demanda também é ponto importante de atenção. O setor de proteínas animais segue expondo o bom desempenho das exportações, demandando mais ração e, consequentemente, dando oportunidades melhores, inclusive, de comercialização da soja - e também do milho - internamente, ao invés da exportação.
COMERCIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Em comparação à safras anteriores, o percentual de soja 2021/22 do Brasil já comprometido com a comercialização é menor e isso mostra alguma reticência do produtor em avançar com as vendas e "perder" preços mais agressivos que podem aparecer mais adiante. Ênio Fernandes, porém, afirma que os preços seguem entregando ao sojicultor brasileiros margens importantes e que permitem que "eles negociem muito bem".
"Temos alguns produtores que estão muito capitalizados, crescendo com solidez. E temos uma outra parte que, infelizmente, está muito otimista", relata. E infelizmente diante dos elevados custos de produção - com destaque para fertilizantes, valor do arrendamento e máquinas agrícolas, para exemplificar alguns itens - o que exige uma gestão eficiente o bastante para que os níveis de risco adotados possam ser sustentáveis.
O mercado em Chicago tem buscado manter-se em um patamar próximo dos US$ 13,00 por bushel na Bolsa de Chicago, o que é de fato um nível importante para a formação dos preços no Brasil, mas não mais do que o câmbio, que dá uma competitividade grande ao sojicultor brasileiro. E além do dólar, os prêmios. "É muita informação para acertar, então o melhor é o produtor pensar na sua margem. Se a margem está alta, comece a participar. É difícil recomendarmos vendas de mais de 35% antes da safra pelos riscos", diz Fernandes.
Com exportações no Brasil que podem alcançar 86 milhões de toneladas e esmagamento na casa das 45 milhões, o novo ano começa com estoques muito apertados e com uma tensão ainda maior sobre um possível atraso do plantio 2021/22.
"Quanto mais atrasar o plantio, mais demora a soja a sair do campo e esse ano, quando houve esse atraso, o Brasil não teve soja para atender ao mercado em janeiro, os chineses foram comprar dos EUA e os preços continuaram subindo. Assim, o cenário é de certa segurança para o produtor, mas ele não pode ficar esperando ad eternum e tem que ficar atento aos sinais", afirma Ênio Fernandes.
O perfil Jornalista da Soja recebeu também o CEO da Academia da Soja, Claudeir Pires, em uma live trazendo as primeiras perspectivas para a nova safra brasileira da ótica agronômica. E além do clima, as atenções precisam estar voltadas para as variedades que serão escolhidas pelos produtores, o período de início de plantio, bem como seu escalonamento, além do momento ideal para os tratos culturais.
Acompanhe a íntegra: