Em aldeia, Tereza Cristina defende que índios tenham direito de produzir em larga escala em suas terras

Publicado em 13/02/2019 17:30 e atualizado em 13/02/2019 18:01
Para ministra, é preciso acabar com “a miséria e a manipulação que existe hoje em torno dos povos indígenas”

A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, declarou nesta quarta-feira (13) que é possível mudar a legislação para que os agricultores indígenas possam produzir em larga escala em suas terras. Em discurso durante o 1º Encontro Nacional dos Agricultores Indígenas, realizado na aldeia Matsene, no município de Campo Novo dos Parecis (MT), a ministra disse ser possível produzir para gerar renda ao mesmo tempo em que se preserva a cultura e as tradições indígenas. 

“A lei pode ser mudada, é para isso que nós estamos lá no Congresso Nacional. As coisas evoluem, as coisas mudam, a vontade de vocês é soberana. Isso está na normativa da OIT (Organização Internacional do Trabalho), vocês têm de decidir o que vocês querem fazer, qual a vontade dos povos indígenas”, afirmou Tereza Cristina, que visitou a aldeia na companhia do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles; do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes; e do secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia.

Na região do Campo Novo dos Parecis, índios das etnias Paresi, Nambiquara e Manoki se destacam pela produção em larga escala de soja, milho e feijão. A produção é autorizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ibama. Nesta safra, os produtores indígenas plantaram cerca de 18 mil hectares de grãos. 

A ministra ganhou de presente uma tiara de guerreira, e visitou a lavoura plantada pelos indígenas e as cooperativas que administram a produção local. Ela disse que considera o trabalho uma “revolução na agricultura, na agropecuária e na tradição indígena, podendo mostrar para o Brasil e para o mundo que é possível ser indígena, cultivar a cultura, mas também produzir”.

Ao líder indígena Ronaldo Zokezomaiake, presidente da cooperativa Coopihabnama, Tereza Cristina reafirmou que os indígenas merecem o mesmo apoio do governo para o plantio dado aos demais produtores rurais. A ministra afirmou que este é um momento de renascimento, e que o exemplo do povo Paresi pode contribuir para “mudar a miséria e a manipulação que existe hoje em torno dos povos indígenas do Brasil”.

Os indígenas entregaram uma carta de reivindicações às autoridades pedindo uma linha específica de crédito para que possam adquirir insumos e maquinário, além de mudanças na lei que impede a comercialização do que é produzido nas terras da União, entre outras demandas. Tereza Cristina disse concordar com as reivindicações: “Quando eu entrei na estrada aqui, eu logo vi na entrada duas ocas e um barracão de máquinas. Esse é o símbolo! Vocês podem cultivar a cultura, mas também cultivam a tecnologia, a prosperidade”, comentou ela.

A ministra disse ainda que a Funai deve trabalhar com um novo olhar, cuidando dos direitos indígenas, sem considerá-los “coitadinhos”, mas dando condições de garantir que os indígenas tenham autonomia para produzir e ter qualidade de vida. “Está aqui a prova para o Brasil e para o mundo do que vocês são capazes”.

A ministra estava acompanhada de outras autoridades do governo federal, do Legislativo e do governo de Mato Grosso. O encontro indígena teve início na última segunda-feira (11) para discutir os principais desafios que os povos tradicionais enfrentam para produzir em larga escala.

Em entrevista à imprensa, a ministra defendeu que os índios consigam produzir como qualquer produtor brasileiro, e que eles tenham as mesmas facilidades dos demais agricultores. “Temos que mudar algumas coisas na legislação para que eles possam produzir de maneira mais efetiva, para que eles possam ter renda, ter dignidade e trabalhar”.

Tereza Cristina falou sobre a situação dos índios que visitou nesta quarta-feira: “Aqui nesta reserva indígena, com um milhão de hectares, por que eles não podem produzir em 20, 30 mil hectares? Eles têm que ter as mesmas políticas e facilidades que têm os produtores rurais brasileiros, em termos de crédito, licenças, sementes apropriadas, assistência técnica, infraestrutura, armazéns, enfim, tudo o que os produtores almejam eles também podem ter aqui nesta cooperativa, que é um modelo, um início, mas que já é um modelo pelas dificuldades que eles encontraram para chegar até aqui”.

A ministra voltou a explicar que a matéria tem que ser levada ao Congresso Nacional, porque atualmente os índios estão proibidos de produzir em suas aldeias, que são terras da União.

“A Comissão de Agricultura (da Câmara dos Deputados) pode começar a discutir este assunto, para achar uma solução de médio prazo”, defendeu a ministra.

Agricultores indígenas plantam quase 18 mil hectares de grãos em Mato Grosso

Agricultores indígenas de três etnias plantaram para safra de 2018/2019 cerca de 18 mil hectares de grãos no entorno do município de Campo Novo dos Parecis (MT). Só a etnia Paresi plantou 10 mil hectares, sendo que o maior cultivo é de soja, com extensão de 8,7 mil hectares, seguida do milho, com mil hectares, e do arroz com 300 hectares.

Os povos Nambiquara e Manoki também plantaram mil hectares cada um. Para a safrinha deste ano, a expectativa é que sejam plantados 7,7 mil hectares de milho convencional, 6 mil de feijão, 1,4 mil de girassol e 500 de milho branco, totalizando quase 18 mil hectares.

Os dados são da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Coopihanama, cooperativa responsável pela gestão administrativa e operacional da produção. O plano de gestão desenvolvido pela cooperativa, em parceria com a Opan (Operação Amazônia Nativa), projeta que nos próximos 50 anos o plantio na comunidade dos Paresi pode chegar a 30 mil hectares.

Encontro

O resultado da produção agrícola dos índios será apresentado durante o 1º Encontro Nacional do Grupo de Agricultores Indígenas, que está sendo realizado nas aldeias Bacaval e Matsene Kalore, do povo Paresi, em Mato Grosso. A programação desta quarta-feira (13) contará com a presença da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e de outras autoridades dos governos federal e estadual. Representantes da Embrapa e da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), entre outras instituições, também participam.

Desde a última segunda-feira (11), quando teve início o encontro, representantes de mais de 30 etnias de diferentes estados do país, como Rondônia, Sergipe, Alagoas, debateram sobre a regulamentação das atividades agrícolas em terras indígenas, os entraves da atual legislação ambiental e mecanismos para sistema de financiamento, comércio e produção.

Os indígenas também discutiram projetos de agricultura familiar, produção de peixes, gado, frango e plantio de mandioca. Uma carta com as reinvindicações dos indígenas será entregue às autoridades nesta quarta-feira (13).

“Há vários pontos que preocupam. Um deles é ter uma linha de crédito específica para os povos indígenas que querem desenvolver essa atividade dentro do território. Tem que ter também o licenciamento dessa terra que é trabalhada. Você cria peixe, camarão, outros tipos de coisa, mas quando você vai comercializar, tem que ter a origem do produto”, afirmou Adilson Muduywane Paresi, diretor-secretário da Coopihanama.

Os Paresi e a agricultura

Dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o povo Paresi reúne mais de dois mil integrantes em Mato Grosso. O estado tem 43 etnias indígenas e três delas têm se destacado na produção agrícola de larga escala. Outras etnias, como Umutina e Bakairi, tem demonstrado interesse em ampliar a produção de outras culturas, inclusive na pecuária.

No caso das comunidades dos Paresi, também conhecidos como Haliti, a mecanização da lavoura se intensificou nos últimos 16 anos. O povo ocupa nove territórios que somam 1,5 milhão de hectares. As comunidades se dividem em 63 aldeias, situadas em cinco municípios: Campo Novo do Parecis, Sapezal, Tangará da Serra, Conquista do Oeste e Nova Lacerda.

Segundo Adilson Paresi, a lavoura foi desenvolvida aos poucos pelos próprios indígenas. Por cerca de 12 anos, eles fizeram parceria com produtores rurais da região oferecendo a terra e mão de obra em troca de insumos e maquinário.

Safra legalizada

Como os territórios indígenas pertencem à União, os povos não são autorizados a produzir monocultura para comercialização nem para arrendamento. A restrição constitucional levou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a aplicar, no passado, 36 multas e a embargar mais de 20 mil hectares.

Uma das autuações ocorreu pelo plantio de produtos transgênicos no território indígena, o que é proibido pela legislação ambiental brasileira. “Uma das condições para poder plantar é continuar trabalhando sem transgênico no território. Então, estamos trabalhando 100% convencional”, explica Adilson.

A produção da safra atual foi possível depois de um acordo firmado entre o Ibama, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal. O acordo definiu que os Paresi poderiam plantar somente 10 mil hectares e os outros povos outros dois mil hectares. Foram estabelecidos também limites para a safrinha, totalizando os 18 mil hectares plantados atualmente.

O contrato com os agricultores não indígenas foi encerrado na safra passada e os indígenas criaram duas cooperativas (Nahama e Matsene) para administrar a produção, viabilizar a aquisição de insumos e distribuir a renda para as comunidades. Cerca de 2.600 pessoas são beneficiadas pelas duas associações.
“No arrendamento você paga e não precisa trabalhar, e não era isso que os índios queriam. Eles querem trabalhar, porque através do trabalho tem a renda deles. E essa lavoura emprega muita gente”, comenta Adilson.

Os dados da produção deste ano ainda não estão prontos, porque a colheita está em andamento, mas os indígenas estimam que a plantação renderá uma média 53 sacas de soja por hectare. Se a estimativa se confirmar, a safra poderá gerar pelo menos R$ 1,3 milhão para a comunidade, já descontados o custo da lavoura e a diferença que é dividida com o fornecedor de insumo.

Direitos da OIT

A Funai ressalta que os indígenas têm o direito de escolher seu modelo de desenvolvimento econômico, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para os povos indígenas e tribais.

“O povo Paresi vê esse projeto com olhos diferentes. Vê como uma oportunidade do povo ter uma vida digna por meio do trabalho desenvolvido dentro do próprio território”, defende Adilson. “Nós temos praticamente 18 mil hectares de lavoura mecanizada, que perto da quantidade de terra que nós temos, significa 0,7% do nosso território”, completa.

Com o lucro gerado na produção, as aldeias desenvolvem projetos de geração de renda, como turismo, piscicultura, entre outros. O objetivo é manter os jovens na comunidade.

“Tudo o que gera renda dentro do território indígena tem que ser acessado por todos que vivem ali dentro e respeitando a cultura, mantendo os costumes, as tradições, porque isso é o que nos torna diferente. Somos cidadãos, temos os mesmos direitos de desenvolver, mas com equilíbrio e responsabilidade”, comenta. Mas, para algumas comunidades indígenas, o modelo de produção em grande escala pode prejudicar a autonomia dos povos tradicionais e trazer prejuízos para o meio ambiente.

Os indígenas realizam rotação de culturas de feijão, milho vermelho, milho pipoca, painço, e outros, para manter a qualidade do solo e em dois mil hectares da área estão desenvolvendo experiência com controle biológico de pragas. Em parceria com uma empresa da região, os agricultores indígenas aplicam fungos e vírus na lavoura para diminuir o uso de agrotóxicos.

A estimativa mais recente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) para a safra 2018/2019 é de 9,62 milhões de hectares semeados para soja. Para o milho, a previsão de área cultivada é de 4,69 milhões de hectares. O instituto não tem dados específicos da produção indígena.

Fonte: Mapa

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