Brasil quer reforçar cadeia de suprimentos de energia renovável em nova política industrial
Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - O Brasil está mapeando oportunidades de fortalecer sua cadeia fornecedora do setor de energias renováveis, em um passo que visa estimular a reindustrialização nacional e também projetar o país como protagonista na transição energética mundial, disse à Reuters um secretário do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Os trabalhos, que fazem parte da proposta de uma nova política industrial do país, vão ao encontro de demandas da indústria, que vê a possibilidade de o Brasil se tornar um "hub" exportador de tecnologia para a transição energética, e ao mesmo tempo reduzir sua dependência de importações, segundo executivos consultados.
A fonte solar fotovoltaica, que cresce rapidamente no país, é um dos principais focos do eixo "energia e descarbonização" do plano em gestação, disse Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial.
Segundo ele, o governo está estudando toda a cadeia solar para identificar oportunidades, tanto no upstream, como fabricação de módulos e inversores solares, quanto no downstream, como serviços de engenharia e operação e manutenção.
"O grande desafio agora é avaliar onde o Brasil tem capacidade já construída e que pode ser fortalecida, adensada, e onde pode entrar, principalmente fazendo parcerias tecnológicas com países que já têm alguma expertise, principalmente no desenvolvimento de peças e componentes para energia solar", afirmou Moreira, em conversa com a Reuters.
O Brasil tem fabricação local de parte dos equipamentos utilizados na geração de energia solar, que já alcançou o posto de segunda maior fonte da matriz elétrica nacional, mas os painéis -- principal componente dos sistemas -- são majoritariamente importados da China.
A China domina o mercado mundial de módulos solares, situação que já suscitou alertas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e levou Europa e Estados Unidos a montarem planos para incentivar fabricação própria e reduzir a dependência de importações.
O Brasil pode seguir nessa mesma direção, a depender do que for definido na política industrial. Empresas como a italiana Enel estão expandindo sua produção de módulos solares mundialmente e já indicaram interesse em trazer fábrica ao Brasil, caso as condições para produção se mostrem favoráveis. Um passo importante já foi dado com a reedição do Padis, programa de incentivo fiscal a semicondutores. Em março, o governo emitiu decreto incluindo no Padis peças e equipamentos usados na fabricação de painéis solares, garantindo redução de impostos sobre matérias-primas como chapas e tiras de cobre e vidro temperado.
Moreira ressaltou que, no caso de desenvolvimento de novas tecnologias, a proximidade de relações do Brasil com a China é um diferencial e lembrou que, na última visita do presidente Lula ao país, foram assinados vários memorandos para parcerias com empresas e entidades chinesas.
EÓLICA
Além da solar, também serão discutidas iniciativas para incentivar a cadeia de suprimento de energia eólica, já consolidada localmente, e do hidrogênio verde, que tem atraído o interesse da União Europeia em investimentos no país.
Segundo Moreira, a proposta de nova política industrial brasileira, que contará com sete "missões", envolvendo áreas como agroindústria, saúde e moradia, deverá ser lançada até dezembro.
"Estamos trabalhando, tentando acelerar tudo, para que seja entregue antes desse prazo. Porque estamos falando de política industrial, exige um prazo de maturação de investimentos razoável".
O tema está sendo discutido no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), vinculado à presidência da República, composto por representantes dos 20 ministérios, além do BNDES, e mais 21 conselheiros representantes da sociedade civil.
VISÃO DA INDÚSTRIA
As diretrizes da nova política industrial são aguardadas ansiosamente por fabricantes e agentes do setor de energia, que enxergam, assim como o governo, uma janela de oportunidade para o Brasil se projetar mundialmente na agenda de sustentabilidade e descarbonização.
A Aeris, que hoje fabrica pás para geração eólica, vem estudando a diversificação dos negócios para materiais compostos da transição energética -- isto é, soluções que permitam a substituição de metálicos por materiais mais leves na indústria automotiva, aeronáutica e outras, visando reduzir o consumo de energia.
Para o diretor de Planejamento da Aeris, Bruno Lolli, é importante que o governo incentive essa indústria com linhas de financiamento dedicadas e "algum grau de protecionismo", com regras de conteúdo local.
"É bem pouco provável que outro país da América Latina atinja a escala que conseguimos atingir no Brasil. Se o governo ajudar a gente a nascer com esses produtos, em pouco tempo a gente ganha volume e escala suficiente para abastecer a América Latina", avaliou Lolli.
Na visão do vice-presidente sênior da Siemens Energy para a América Latina, André Clark, o Brasil tem a oportunidade de se projetar em energia como fez no passado com a indústria aeronáutica, em uma política que incentivou o desenvolvimento de produtos altamente tecnológicos e que colocou a Embraer entre as principais fabricantes de aeronaves do mundo.
Clark ressaltou, porém, a importância de que essa reindustrialização venha atrelada à reforma tributária.
"Qualquer política industrial nasce frágil, ela depende de o investimento acontecer e os mercados comprarem. Não pode nascer uma planta frágil no mundo adverso dos nossos impostos e de 'framing' dos gastos públicos", ponderou.
Já a associação de energia solar Absolar aponta que será necessário garantir demanda para que fabricantes, como os de módulos solares, realmente decidam se instalar no Brasil.
"O governo pode usar o poder de compra do Estado para comprar produtos fotovoltaicos feitos no Brasil, para colocar energia solar em prédios públicos, escolas, hospitais", notou o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia.
Segundo ele, o governo poderia, por exemplo, conceder algum tipo de incentivo a quem adquirir equipamentos de procedência nacional em programas como o Minha Casa, Minha Vida e aqueles voltados à universalização de energia e a soluções de descarbonização na Amazônia.
(Por Letícia Fucuchima)