A SOLUÇÃO DE ISRAEL PARA A FALTA DE ÁGUA, por Rodrigo Constantino (na Gazeta do Povo)

Publicado em 10/08/2018 08:09
Corrida ao ônibus elétrico, por CELSO MING, no ESTADÃO
      • Muitos consideram que a escassez de água será o grande problema desse século. Secas que impõem racionamento em seu consumo não são coisas apenas do sertão brasileiro, mas também de locais ricos como a Califórnia. Como cerca de 70% do uso da água vai para a agricultura, isso pode significar alta no preço dos alimentos, algo temerário quando pensamos na quantidade de miseráveis no mundo. O que fazer? Como garantir um suprimento mais estável desse fundamental recurso que tomamos como garantido?

        Em Let There Be Water, Seth Siegel conta a fascinante história de como Israel, um pequeno país cercado de deserto árido, conseguiu atingir uma condição de excesso de água, a ponto de permitir sua exportação por meio de uma farta agricultura. O livro foi best-seller do NYT e foi recebido com muita empolgação por inúmeros políticos e cientistas. Michael Bloomberg o considerou leitura essencial, e nomes que vão da esquerda à direita, como Tony Blair e George W. Bush, reconheceram sua importância para o debate.

        Não é para menos. O livro conta como, no meio do deserto e numa das regiões mais secas do planeta, Israel foi capaz de inovar no setor, conquistando não só autonomia, como excedente de água. A receita que surge por meio desse relato, repleto de casos interessantes, não se encaixa em ideologias “puristas”, e não vai agradar nem fundamentalistas de mercado, nem estatizantes. O que importa para os israelenses é o resultado, e isso eles conseguiram.

        Forças de mercado foram parte essencial do sucesso. Todos são cobrados por aquilo que efetivamente usam de água no país, e por um preço real, o que encoraja um uso racional do recurso escasso. Mas a participação do Estado também foi crucial, a ponto de o autor reconhecer que, numa nação que endossou o livre mercado, esse setor específico flertou com uma solução “socialista”, ou ao menos centralizadora por meio do governo.

        O que Israel tem a ensinar pode não ser motivo de muita atenção hoje, mas seria um grande erro. Segundo o autor, dificilmente alguém ficará imune ao problema da falta de água no futuro, especialmente se nada for feito agora. A crise da água é iminente, e algo como 600 milhões de pessoas já sofrem com ela. A estimativa é que 1,5 bilhão de pessoas sejam afetadas em breve. E, se quisermos uma alimentação rica em proteína para a maioria, o desafio se torna ainda maior: produzir uma libra de bife consome 17 vezes mais água do que produzir uma libra de milho.

        Como foi, então, que Israel, cujo território é 60% deserto e o restante semiárido, conseguiu deixar para trás o risco da seca? A primeira parte da resposta começa na cultura. O povo de Israel é imbuído desde cedo dos cuidados necessários no uso da água. Não são fanáticos, mas aprendem a respeitar com consciência o fato de que recurso tão fundamental é escasso e jamais pode ser tratado como abundante e certo. Há intensa campanha de educação quanto a isso, sem falar que a própria Bíblia judaica oferece um guia de como pensar sobre água: ela nunca é tida como um maná, mas sim algo que precisa ser buscado com esforço e engenhosidade.

        E criatividade é com os israelenses mesmo. Uma cultura aberta ao empreendedorismo, com ampla tolerância ao erro, desde que sirva como lição, gera um ambiente propício para inovações tecnológicas. Esse é o maior segredo de Israel. Um setor normalmente tratado como entediante atraiu, no país, diversas empresas inovadoras, que desenvolveram vários métodos novos para aumentar a produção ou reduzir o desperdício da água.

        As técnicas desenvolvidas no país, normalmente em parcerias público-privadas, permitiram um aumento incrível da produtividade. Incubadoras incentivadas pelo governo, com pouca burocracia e ajuda financeira, possibilitaram o surgimento de mais de 200 empresas nesse setor, algumas delas se alastrando pelo mundo e exportando serviços para mais de 100 países.

        Foi essa combinação exótica de centralismo estatal no planejamento, alocação do recurso com base em prioridades nacionais e funcionamento dinâmico do mercado inovador que fez com que Israel se tornasse um exemplo ao mundo quando o tema é uso da água. Seu método de gotejamento na agricultura, a reutilização quase total do esgoto e a técnica de dessalinização são modelos para vários países, inclusive o Brasil. Projetos ambiciosos de infraestrutura bancados pelo governo, de olho no futuro distante e não apenas nas próximas eleições, fizeram a diferença. Isso foi possível tanto pela obsessão de Israel com a água, o fator cultural, como pela blindagem do quadro técnico de reguladores da politicagem, o fator institucional.

        Havia um forte interesse nacional em jogo: a própria sobrevivência da nação em meio a um cenário extremamente hostil e desafiador, o que ajudou a unir a população em torno de um projeto comum. Essas características peculiares podem dificultar a simples cópia do modelo israelense pelos demais países, mas mesmo assim há muito a ser aprendido com seu sucesso.

        A lição mais óbvia é a necessidade de se cobrar o preço real pelo uso da água, o que cria o incentivo correto para um consumo mais consciente. Subsídios que mascaram o custo efetivo, especialmente na agricultura, ou soluções comunitárias que impedem o conhecimento do consumo individual prejudicam a racionalidade e incentivam o desperdício. Todos devem saber exatamente quanto estão pagando pelo uso da água, pois somente assim vão pensar duas vezes antes de tratá-la como um bem infinito.

        O preço da água chegou a aumentar 40% para as famílias israelenses quando o mecanismo de cobrança individual foi adotado, mas quase da noite para o dia os consumidores encontraram maneiras de dobrar a economia de água em casa. Campanhas podem ajudar, mas não bastam. É preciso sentir no bolso o impacto.

        A “revolução aquática” de Israel ajuda não só comercialmente, mas também na diplomacia. Israel ajuda seus vizinhos, e vem fazendo isso há décadas. Infelizmente, quando os aiatolás fanáticos e os terroristas do Hamas assumiram o poder no Irã e em Gaza, respectivamente, a ajuda a esses locais foi interrompida e o enorme custo é pago por sua população, refém de seus governos enquanto aprende a odiar Israel. Mas não só esses povos, como o mundo todo tem muito a aprender com Israel, especialmente quando o assunto é cuidar da água, preciosa e escassa.

        (Por RODRIGO CONSTANTINO, Artigo originalmente publicado pela Gazeta do Povo)

        Corrida ao ônibus elétrico, por CELSO MING, no ESTADÃO

        O mundo está se encaminhando para uma rápida revolução da matriz energética, não só na substituição de energia de fonte fóssil por energia renovável, mas sobretudo na substituição dos combustíveis que movem os transportes urbanos.

        Em abril, a Bloomberg publicou matéria que nos dá conta de que a China está substituindo rapidamente seus ônibus urbanos movidos a diesel por veículos a bateria elétrica. Lá, em apenas cinco anos, nada menos que 385 mil ônibus elétricos, 17% da frota nacional, vêm substituindo os ônibus convencionais a óleo diesel. A troca está sendo feita à proporção de 9,5 mil unidades a cada cinco semanas, o equivalente a toda a frota de ônibus de Londres.

        A dispensa de queima de óleo diesel na China já sobe a 279 mil barris diários, incluído nessa conta o consumo da frota ainda incipiente de veículos elétricos. Esses 279 mil barris diários correspondem, anota a matéria da Bloomberg, ao consumo total de óleo diesel da Grécia ao longo de um ano.

        Mas a China não está só. Neste ano, 40% dos veículos novos vendidos na Noruega são elétricos. A meta é venda zero de carros a gasolina ou diesel em 2025.

        O governo do Reino Unido já avisou que até 2040 estará proibida a venda de carros zero a gasolina ou óleo diesel. Esse objetivo, também nessa data, foi anunciado pela França. A Índia tomou decisão ainda mais radical. A partir de 2030, não poderá ser mais vendido carro novo movido por combustível fóssil.

        Relatório da Agência Internacional de Energia dá conta de que outros nove países passaram a adotar políticas de substituição de veículos de combustão convencional por energia elétrica: Áustria, Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Japão, Holanda, Portugal, Coreia do Sul e Espanha.

        As montadoras começam a tocar a mesma partitura. Scania, Mercedes- Benz, Volvo, Volkswagen e Fiat já anunciaram investimentos bilionários para desenvolver veículos elétricos e híbridos como resposta à nova demanda.

        Os objetivos imediatos são dois: correr para redução da poluição do ar e redução substancial da emissão de CO2 na atmosfera e, assim, tentar reverter o aquecimento global.

        A consequência prática é a rápida redução do consumo de combustíveis fósseis. Os analistas já preveem que, entre 2030 e 2040, o consumo de derivados de petróleo, hoje de 100 milhões de barris diários, começará a diminuir. Ou seja, o fim da era do petróleo está à vista.

        E agora vêm as consequências para o Brasil. Primeira, será inevitável a substituição também por aqui da frota de ônibus urbanos a óleo diesel por ônibus elétricos. A China está mostrando a direção. Isso implica completa revisão das políticas de mobilidade urbana, especialmente nas metrópoles.

        Segunda consequência, não dá mais para perder tempo na área do petróleo. Se é para garantir a produção da riqueza do pré-sal, é inevitável apressar os leilões de área. O programa do governo PT quer o contrário. Quer diminuir a velocidade dos leilões, supostamente para dar tempo para que a indústria nacional de equipamentos para petróleo e gás consiga se desenvolver.

        Esta é mais uma grande mudança a que o Brasil chega tarde demais, sob o risco de ficar definitivamente para trás. 

        Um país com a nona maior economia não pode ser coadjuvante no comércio global (por PEDRO LUIZ PASSOS, na FOLHA)

        Menos por nossas virtudes e mais por nossas carências, a guerra comercial desencadeada pelas medidas protecionistas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ter impactos reduzidos na economia brasileira. 

        A pífia presença brasileira no comércio exterior não permitirá que o país ocupe os eventuais espaços que se abrirão com o redesenho do mapa geoeconômico previsto por alguns analistas. 

        Por outro lado, o Brasil não ficaria imune à possível redução no fluxo de comércio, já que os efeitos deletérios decorrentes de seu isolamento se acentuariam.

        A paralisia à qual o país mais uma vez se submete é a pior posição diante das iniciativas de Trump, cujos objetivos ainda são nebulosos, assim como são incertas as dimensões que podem adquirir. 

        As dúvidas, porém, não impedem que economias mais dinâmicas se movimentem em defesa de seus interesses —e, importante notar, isso nada tem a ver com protecionismo. 

        Em julho, a União Europeia e o Japão firmaram um acordo de livre-comércio. Pouco antes, 11 países de três continentes assinaram o termo de criação do TPP11, a despeito da desistência dos Estados Unidos em participar do tratado. 

        Semanas atrás foi a vez de a Aliança do Pacífico e do Mercosultornarem público um compromisso em defesa do livre-comércio.

        O Brasil continua tímido diante de tal movimentação, e os raros sinais de reação apontam no rumo equivocado. Para parcela do empresariado e de certos segmentos políticos, a guerra comercial justificaria prolongar indefinidamente as atuais barreiras protecionistas. 

        Insistir no protecionismo é fazer mais do mesmo, cristalizando os resultados adversos que temos colecionado há pelo menos 25 anos e se tornaram nossos velhos conhecidos.

        Ostentamos o posto de uma das economias mais fechadas do planeta e nossa participação nas exportações globais mal supera 1%. 

        Mais: como reflexo da baixa integração internacional do país, o peso da indústria brasileira na produção global de manufaturados caiu para menos de 2% pela primeira vez em quase três décadas. 

        A nona maior economia do mundo não pode se conformar com esse papel de coadjuvante, e sim almejar o estrelato no comércio global.

        Abrir a economia e romper o isolamento é a escolha certa para aumentar a produtividade, estimular o crescimento e gerar empregos. 

        Falta-nos uma atitude mais ousada, seja promovendo a redução unilateral das tarifas de importação, como proposto pela SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), seja estreitando laços com parceiros comerciais. A conclusão do acordo do Mercosul com a União Europeia é um passo que adquire ainda mais urgência.

        Não podemos mais postergar a definição de políticas e iniciativas que levem o Brasil a uma inserção mais profunda na economia global. A experiência de diversos países indica que os benefícios colhidos numa abertura comercial superam amplamente seus custos. E existem trabalhos que mostram que esse ciclo virtuoso se repetiria no Brasil.

        Mais importações significariam acesso a bens e serviços com preços menores e tecnologia superior, acirrando o ambiente de concorrência e, por tabela, reduzindo a ineficiência empresarial e incrementando a produtividade. Esse seria o melhor escudo contra eventuais balas perdidas da guerra comercial ora em curso.
        (Pedro Luiz Passos, Empresário, conselheiro da Natura).

Fonte: Gazeta do Povo/Folha/Estadão

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