Bolsonaro é a expressão de quem "está de saco cheio com tudo o que está aí..."

Publicado em 25/12/2017 10:45
"Mal-estar", artigo de Denis Lerrer Rosenfield, em O Estado de S.Paulo.. "Se a moralidade pública se tornou uma bandeira política, é porque não faltaram razões que corroboram tal percepção..."

Há um profundo mal-estar na sociedade brasileira. As pessoas estão tomadas pelo desânimo e pela insegurança, portadoras de grande descrença nos políticos e nos partidos. Se a moralidade pública se tornou uma bandeira política, é porque não faltaram razões que corroboram tal percepção. É bem verdade que a economia voltou a crescer, criando novas condições sociais, graças às reformas realizadas pelo atual governo. Porém tais efeitos ainda não se fizeram sentir ou não são percebidos como tal.

Não deveria, portanto, causar estranheza o fortalecimento da candidatura do deputado Jair Bolsonaro, na medida em que ele consegue dar vazão ao sentimento de uma sociedade cansada de desmandos. Pretender desqualificá-lo como sendo de extrema direita nada mais é que uma reação de tipo ideológico, pois não leva em consideração que suas posições estão enraizadas na sociedade. Ele não é uma “bolha” que logo estourará, mas um fenômeno que expressa questões e posições de uma sociedade que está de saco cheio de tudo o que está aí.

A descrença da sociedade nos políticos e nos partidos em geral tem sérias razões. Não há praticamente nenhum grande partido que escape. O PT foi o grande mestre, com o mensalão e o petrolão. Nos governos petistas o País foi levado à ruína econômica e à falta completa de ética. Ex-membros do novo governo estão envolvidos na Lava Jato, como um ex-ministro com mais de R$ 50 milhões escondidos num apartamento. As imagens foram impactantes. O ex-presidente do PSDB também aparece envolvido com a JBS. A lista seria interminável. Fica, porém, a percepção de que todos os partidos estão podres, embora, evidentemente, haja pessoas sérias e honestas em todos eles. O que conta, todavia, é a percepção popular. Nesse sentido, a posição de um outsider tende a ser muito bem recebida.

As denominações de esquerda e de direita, em tal contexto, passam a não ter maior significação, porquanto a questão reside em como dar respostas aos problemas que são postos pela sociedade. Expressão desse deslocamento se encontra em recente entrevista do ex-presidente Fernando Henrique, ao declarar que tem “medo da direita”, em alusão indireta ao deputado Bolsonaro. Curioso. Não teria ele “medo da esquerda” petista lulista, que destruiu o País? Ou de Hugo Chávez e sucessores, que conduziram a Venezuela ao abismo?

A sociedade não tolera mais as invasões do MST e de seus assemelhados urbanos, como o MTST. Quer tranquilidade em sua vida e em seu trabalho. Note-se que o MST foi estimulado e acariciado tanto pelos tucanos quanto pelos petistas, com exceção da ex-presidente Dilma, que dele se demarcou, e do atual presidente, que tampouco compactua com a desordem. Acontece que o desrespeito à propriedade privada é condenado pela imensa maioria da população, que não mais embarca nos cantos românticos de uma esquerda irresponsável. Consequentemente, quando um outsider como o deputado Bolsonaro toma para si essa bandeira, ele não apenas se contrapõe a importantes partidos, como expressa o que é sentido e condenado pela sociedade.

Pegue-se, por exemplo, um projeto de lei hoje tramitando que permite aos proprietários rurais a autodefesa mediante autorização para registro e posse de armas. Alguns afoitos ou mal-intencionados já criticam tal lei como se ela viesse estabelecer o “faroeste no campo”. Como assim? Ele já não existe na forma de invasões violentas do MST, com uso de armas, sequestros, incêndios, destruição de propriedades, e assim por diante? E a prática do abigeato? E os simples roubos e assassinatos? Condenam-se os que procuram defender-se, e não os que usam da violência em suas invasões. Então, se um candidato dá voz aos que não conseguem fazer-se ouvir, qual seria o problema? Ser de direita? Santa paciência!

As pessoas não conseguem mais caminhar livremente nas cidades brasileiras. A insegurança impera, a violência está sempre à espreita. O automóvel é hoje utilizado para qualquer deslocamento, expressando um medo disseminado. Os mais ricos andam em carros blindados. O direito básico de livre circulação é simplesmente anulado pela insegurança física das pessoas e dos seus bens. Pais e mães ficam angustiados à espera de um filho ou filha que foi a uma festa noturna. Mães são assassinadas quando buscam filhos na escola. A situação é absolutamente intolerável e nenhum governo se ocupou seriamente da segurança pública. Tucanos e petistas nada fizeram e a nossa realidade, hoje, é produto de uma longa história de descaso pela coisa pública. Não deveria surpreender que um candidato que vocalize tal problema básico do Estado cresça na opinião pública. Se o deputado Bolsonaro cresce nas pesquisas, é por que os partidos tradicionais lhe abriram espaço ao não enfrentarem as questões por ele suscitadas.

Chegamos a uma situação assaz esquisita, em que bandidos circulam livremente com armas de restrito uso militar pelas favelas brasileiras, sem que nada seja efetivamente feito. Até posam para fotos, dada a total impunidade. Se um militar os enfrenta, da polícia, do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, logo se instaura um processo contra ele – agora, felizmente, sob os auspícios da Justiça Militar. Se for menor de idade, pior ainda, pois um “civil” indefeso é que teria sido morto. Os valores estão totalmente invertidos. Os ditos “direitos humanos” não deveriam ser utilizados para a proteção de criminosos, maiores ou menores. Menores matam livremente e depois de uma breve reclusão saem com ficha limpa. É um estímulo ao crime. Assim, se um candidato defende a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente é imediatamente estigmatizado como conservador e retrógrado. A perversão é completa.

* PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. 

"Se Lula ganhar a eleição, será um presidente com credibilidade comprometida"

"Precisamos falar sobre Lula", por Zeina Latif*, em O Estado de S.Paulo

A participação ou não do ex- presidente Lula nas eleições presidenciais poderá afetar profundamente o quadro eleitoral e as estratégias de partidos e candidatos, bem com o sentimento de investidores.

A avaliação de muitos analistas é que Lula será condenado em segunda instância. Sua inelegibilidade, no entanto, não é automática. Poucos arriscam o timing para isso, pois há muitas incertezas sobre os procedimentos judiciais. Ainda que muitos apontem o senso de urgência da Justiça para reduzir a incerteza eleitoral, haveria probabilidade relevante de Lula pelo menos participar da campanha eleitoral.

Ao menos na economia, não há sinais de discurso incendiário, ameaçando com retrocessos e guinadas bruscas na política econômica. Lula provavelmente reconhece que não há apelo para isso, uma vez que o País vem entrando nos trilhos. Ele afirma que Dilma errou (apesar de ser algo amplamente apontando, vindo de Lula, tem outro peso), questiona a legitimidade do presidente Michel Temer para conduzir reformas estruturais (muitos o fazem) e, ao defender seu legado, critica a agenda do governo, que supostamente teria perdido o foco no social. Nada muito além disso.

Lula é um político pragmático. A julgar por suas declarações e seu passado, ele reconhece que para ser competitivo precisará de discurso contundente (como tem feito na defesa de sua inocência), porém responsável na economia. Nada diferente, a propósito, do que vem sendo feito pela maioria dos candidatos.

Em 2002 a campanha gerou enorme volatilidade nos mercados, mas eram outras circunstâncias. O discurso de Lula foi mais ponderado do que nas campanhas anteriores, mas ele era considerado pouco crível, afinal, o passado o condenava. Lula venceu a desconfiança rapidamente, adotando discurso e política econômica ainda mais conservadores do que de FHC – elevou as metas fiscais e subiu os juros. Na área social, deixou de lado a cartilha petista e adotou políticas de cunho liberal. Na economia e no social, seu primeiro mandato teve muitos méritos. Inquestionável, contudo, a piora do segundo mandato, bem como os escândalos de corrupção.

Do ponto de vista institucional, a candidatura de Lula seria ruim para o País. Qualquer que seja seu envolvimento com os graves escândalos de corrupção (para alguns faltam provas, para outros, sobram), o ideal seria o ex-presidente enfrentar a Justiça e só depois de absolvido concorrer. Como explicar a quem quer produzir e investir no Brasil que um político com várias acusações contra ele, além de condenação na primeira (e talvez segunda) instância, poderá ser candidato?

Se Lula ganhar a eleição, mais complicado ainda. Será um presidente com credibilidade comprometida, o que poderá dificultar enormemente a construção de alianças no Congresso e o diálogo com o Judiciário. Essas pontes são hoje mais importantes do que nunca para o País avançar na urgente agenda estrutural. Lula buscará construir as pontes. Mas a desafiadora tarefa poderá gerar paralisia no governo por tempo demais, algo que custaria muito ao País. As alianças seriam também frágeis, limitando o alcance das reformas.

Além disso, Lula, como qualquer presidente, precisará de bons auxiliares. Time econômico, articuladores políticos e ministros competentes. A capacidade de atrair talentos está prejudicada.

O risco com Lula não é de colapso econômico, como foi com Dilma, e tampouco de um governo bolivariano. Nem Lula é ditador de esquerda, nem nossas instituições um desastre. E as instituições têm funcionado cada vez melhor. Hoje nem Dilma conseguiria repetir tantos erros.

Os riscos econômicos não são extremos, mas sim de mediocridade. De um país que avança tão lentamente que estará fadado a crescer pouco e com muitos solavancos, ao invés de ter crescimento mais acelerado e com ciclos mais suaves e longos.

Este risco não será só com Lula. Será com qualquer presidente que não consiga construir alianças na política e diálogo com as demais instituições, em torno de uma agenda republicana.

*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

Fonte: ESTADÃO

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