Por que a sociedade se cala diante de tantos PMs mortos no Rio de Janeiro? (na Gazeta do Povo)

Publicado em 30/10/2017 18:02
A cidade concentra mais de 40% das mortes de policiais militares no Brasil, e os índices de 2017 se mantêm assustadores desde, pelo menos, a década de 1990 (por Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo)

O coronel da PM Luiz Gustavo Teixeira, de 48 anos, morreu no dia 26 de outubro depois que a viatura onde ele estava foi atingida por pelo menos 17 disparos. A artéria aorta, a traqueia e o pulmão esquerdo foram atingidos. O suspeito, Matheus do Espírito Santo, já havia sido preso em dezembro do ano passado, durante um confronto de traficantes com a polícia, e foi solto em junho. Casado e com dois filhos, Luiz Gustavo estava na corporação fazia 26 anos. Ao ser baleado, virou estatística: é o 112o policial militar assassinado no Rio de Janeiro em 2017. 

Nos últimos meses, também perdeu a vida o cabo Thiago Rodrigues da Silva, de 32 anos. Ele saía de casa quando seu carro foi cercado por 10 pessoas, que o raptaram e o mataram. O soldado Antônio Nunes, de 34 anos, morreu durante um confronto perto da Favela de Manguinhos, na Zona Norte, logo no primeiro dia de janeiro. O cadáver do sargento reformado Marcondes José Meireles, de 57 anos, foi encontrado com um corte profundo no pescoço, em Itaboraí, região metropolitana da cidade. A cabo Elisângela Bessa Cordeiro, de 41 anos, estava no carro com o marido, na Avenida Brasil, quando assaltantes abordaram o veículo. Ela foi ferida na cabeça e não resistiu. 

Esse massacre vem acontecendo há décadas. Todos os anos, desde 1995, são mais de 100 mortos anuais – com a única exceção de 2015, quando 91 pessoas foram assassinadas. Na soma de 1995 a 2017, morreram mais de 3 mil policiais militares, ou 3,52% dos 90 mil homens que, nesse período, formaram a corporação na cidade. Entre os soldados americanos que lutaram a Segunda Guerra, o índice de mortalidade foi menor: 2,52% da tropa perdeu a vida entre 1942 e 1945. 

Fora de serviço 

Ao todo, segundo Polícia Militar do estado, morreram na capital carioca, em 2017, 23 policiais em serviço, 69 durante a folga e 20 reformados. Mas salta à vista o total de agentes que perderam a vida fora do expediente. Não é um número casual – nos últimos 22 anos, 80% dos PMs mortos de forma violenta estavam de folga. O que eles estavam fazendo? 

Bicos, muitas vezes. Os trabalhos fora do expediente ajudam a explicar por que a maior parte das mortes acontece entre quinta-feira e domingo. Atuar como segurança, num desses dias, representa risco de vida. Principalmente se o bico acontece na Baixada Fluminense e na Zona Norte, que concentram 60% dos homicídios de policiais deste ano. Era na Baixada que estava o segundo sargento Fábio Cavalcante e Sá, a vítima número 100 deste ano, alvejado com um tiro de fuzil na cabeça. Tinha 39 anos, 18 deles na corporação. 

No Brasil como um todo, em 2016, morreram 335 policiais militares – com 146 assassinatos, a cidade do Rio respondeu por 43% desse total. Num distante segundo lugar, no ranking dos estados, vem São Paulo, seguido pela Bahia. O Paraná fica em sétimo. A diferença é muito grande: o Paraná precisou de 8 meses do ano para registrar 11 PMs mortos. No Rio, esse número foi alcançado na primeira quinzena de janeiro. 

Caçada a policiais

Mas também há os casos em que assaltos comuns acabam em homicídio porque a vítima foi identificada como policial. Sobre esse problema, o comandante-geral da Polícia Militar do Rio, o coronel Wolney Dias, escreveu em agosto uma nota em que argumenta que o que está acontecendo na cidade é uma caçada a policiais. Quando eles são identificados na rua, não sobrevivem: “O policial é vítima da violência com uma desvantagem adicional: ao ser identificado como agente de segurança pública num assalto ou qualquer situação de confronto será executado sumariamente”. 

Das 112 mortes desse ano, 35 foram tratados pelos investigadores, ao menos num primeiro momento, como execução premeditada. E 48 como assaltos – situações em que, se o bandido não identificasse a vítima como policial, talvez não a tivesse matado. Se ele é identificado, é porque costuma andar armado, como já apontou o diretor da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa. “Se os policiais assaltados não usassem armas, 80% deles não teriam morrido”, ele declarou numa entrevista há algumas semanas. 

Ainda assim, por que essa raiva contra os PMs? Por que eles são assassinados quando os bandidos percebem que eles são agentes da lei? Talvez o número de pessoas mortas pela Polícia Militar ajude a entender. Dados do Instituto de Segurança Pública, uma organização da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, foram registrados, em 2016, 463 casos do chamado homicídio proveniente de oposição à intervenção policial. 

Esse tipo de incidente matou 7,1 pessoas por 100 mil habitantes, contra 4,7 no ano anterior.  Um relatório da ONG Human Rights Watch, publicado em 2016, apontou que PMs cariocas mataram mais de 8 mil pessoas no período de uma década, entre 2005 e 2015. É o equivalente a 20% de todos os homicídios registrados no Rio

No Brasil, em 2015 policiais militares mataram 3285 pessoas durante o expediente. São 9 assassinatos por dia, segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A Anistia Internacional critica a instituição constantemente; considera que ela pratica, com frequência, execuções extrajudiciais. 

Pouca comoção 

Em sua nota, o coronel Wolney Dias lembrou do sofrimento dos familiares. “Reescrevo hoje o mesmo desabafo, recheado de tristeza e revolta. Tristeza pela perda irreparável de cada companheiro que se vai, deixando para trás sonhos e o sofrimento da família e amigos. Revolta, pela omissão de grande parte da sociedade que se nega a discutir com profundidade um tema de tamanha relevância”. 

De fato, boa parte dos PMs que morrem tem de 31 a 41 anos. Deixam pais, mães, esposas e filhos. São milhares de pessoas que, todos os anos, perdem um ente querido.

“As famílias são completamente abandonadas, não contam com apoio psicológico. Imagine uma criança que perde o pai dessa forma violenta, enterrado com caixão lacrado porque geralmente morreu com tiro no rosto”, diz Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz. 

A organização mantém, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cartazes com os rostos e nomes dos PMs assassinados e também faz manifestações pelo fim dessa violência – a mais recente foi realizada na última sexta-feira. 

Antônio Carlos diz que os policiais são vítimas porque estão na linha de frente da uma verdadeira guerra. 

“Você não tem 112 médicos assassinados num ano, não tem 112 engenheiros. A sociedade e o poder público colocaram sobre os ombros da PM a responsabilidade de dar conta da segurança pública”, ele argumenta. 

“A polícia está sozinha, trabalhando em condições desumanas, mal treinada, mal remunerada, com policiais altamente desencorajados, que enfrentam o crime organizado e seu arsenal. É uma batalha que estamos perdendo, enquanto a sociedade assiste de braços cruzados.”

O FRACASSO DO DESARMAMENTO: MORTES VIOLENTAS ATINGEM RECORDE NO PAÍS (por RODRIGO CONSTANTINO)

Chegou a 61.619 o número de mortes violentasintencionais registradas no Brasil em 2016, crescimento de 3,8% em relação ao ano anterior. Significa sete pessoas assassinadas por hora, segundo dados inéditos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados nesta segunda-feira (30).

A taxa de mortes violentas foi de 29,9 assassinatos por 100 mil habitantes. No Nordeste, ainda maior. Os três Estados com maiores taxas são Sergipe (64), Rio Grande do Norte (56,9) e Alagoas (55,9).

“61 mil mortos é o que a gente tem de mais obsceno”, na avaliação da diretora do Fórum Samira Bueno. “É muito sofrimento para uma nação isso estar em segundo plano. Como a gente não priorizou essa agenda com tanta gente morrendo?”

Várias teses podem ser apresentadas como causa do fenômeno: a impunidade, a crise econômica, a redução dos investimentos em segurança pública, a queda no número de armas apreendidas etc. Quando se trata de um fenômeno complexo, normalmente não existe uma única causa, tampouco uma só solução.

Dito isso, parece evidente que a política do desarmamento foi um fiasco. Não impediu os assassinatos. Diante desse fracasso evidente, o que alegam os desarmamentistas? Apelam para um “argumento contrafactual”, que não tem como ser refutado. Dizem que sem o desarmamento estaríamos ainda piores!

É a típica rota de fuga de quem defende algo que deu errado, que não mostrou bons resultados. Ele sempre poderá repetir que a situação poderia estar ainda pior sem sua receita, que foi vendida, à época, como milagrosa, eficaz, uma panaceia.

Há desigualdade demais? Então vamos apostar pesado no “welfare state”. O resultado foi mais desigualdade ainda? A culpa é do capitalismo e precisamos de mais estado paternalista para resolver o problema. Há déficit habitacional? O estado precisa intervir e ajudar em políticas de casas populares. O resultado foi um aumento do déficit habitacional, casas caindo aos pedaços, guetos violentos e inflação ou especulação imobiliária que beneficiou os mais ricos? Então é preciso ter ainda mais estado cuidando da moradia dos mais pobres.

Reparem que é impossível debater direito com alguém assim, pois ele nunca estará disposto a comparar os resultados concretos com suas promessas antes do projeto ser adotado. No caso do desarmamento, os liberais falavam que ele não só não resolveria a questão da violência, como deveria aumentá-la, pois somente cidadãos de bem entregariam suas armas, enquanto os bandidos ficariam ainda mais ousados, cientes de que não há risco de reação.

Acontece exatamente isso, as taxas de homicídio disparam, atingem o recorde histórico, mas eis que os desarmamentistas sequer piscam, sequer consideram a hipótese de estarem equivocados. É preciso desarmar ainda mais! É preciso dobrar a aposta. Agora vai…

E não é essa a postura fanática de todo socialista, que ignora cada nova tentativa trágica para insistir em sua utopia?

Rodrigo Constantino

Guerra não declarada no Brasil mata quase o quádruplo do que mata a guerra civil na Síria (Reinaldo Azevedo)

Até março de 2017, desde o início da guerra civil na Síria, que completava, então, seis anos, eram 321.358 os mortos. Uma barbaridade? Sim! Uma barbaridade. Mas o Brasil matou mais nesse período: só em 2016, foram vítimas de mortes violentas 61.619 pessoas, um crescimento de 3,8% em relação ao ano anterior. Isso eleva a taxa nacional de mortos por 100 mil para 29,9 assassinatos por 100 mil habitantes, uma das mais altas do mundo.  Querem uma medida? Isso corresponde a 42,8 vezes o que se mata na Alemanha; 7,4 vezes, nos Estados Unidos ou 99,6 vezes, no Japão. Nota à margem: no Japão, armas portáteis são proibidas, incluindo as brancas. Permite-se a posse de armas de ar comprimido e de caça. Ainda assim, sob rigoroso controle. Quem dispuser de licença para portar um artefato desse segundo tipo só consegue comprar munição nova se apresentar o cartucho da usada. Nos EUA, a posse é livre. Os dois países são ricos e têm IDHs compatíveis. Os mortos nos EUA correspondem a 15 vezes os do Japão. Negar a influência da livre circulação de armas na taxa de homicídios é coisa de estúpidos, mensaleiros da indústria de armas ou de sociopatas. Adiante. Há uma quarta explicação possível? Não. Os dados sobre a situação do Brasil foram divulgados hoje pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

De volta ao Brasil e à Síria. 

A comparação do Brasil com a Síria em guerra sangrenta, vítima de uma miríade de grupos terroristas e de um governo compulsivamente homicida, ainda não diz tudo de nossa tragédia. Aqueles 321.358 mortos incluem todas as vítimas, incluindo soldados do Exército oficial e insurgentes. Estes estão em guerra. Os números que interessam na comparação são outros: nesse grupo, são 91 mil os realmente civis, como civis são os que morrem no Brasil. Assim, meus caros, em seis anos, os homicídios dolosos no país estão em torno de 320 mil pessoas. É correto dizer que a guerra civil não-declarada em nosso país mata quase o quádruplo do que mata o conflito armado na Síria. Sim, ainda há muito a comentar a respeito, e eu o farei. O detalhamento do levantamento indica alguns desatinos que o país está cometendo sem se dar conta.

O crescimento de uma candidatura como a de Jair Bolsonaro, por exemplo, também se explica por isso. A permanente sensação de insegurança —a literatura é farta a respeito— é um dos combustíveis da pregação fascistoide. A outra, como sabemos, é a depredação da política e o ataque generalizado aos políticos, como fazem os Deltans Dallagnois, Carlos Fernandos e demagogos associados. Por que trago a questão à tona? Há quase um mês, dia 05 de outubro, em Belém, não tendo nenhuma outra ideia com que seduzir o distinto público, a não ser a ignorância truculenta, o pré-candidato prometeu distribuir porte de armas a todos os brasileiros.

Ora vejam… Sim, parte considerável dessas mortes é obra de bandidos ilegalmente armados. Caso se vá analisar os números no detalhe, parte considerável dos mortos também é. Gênios da espécie como Bolsonaro acham que, se “as pessoas de bem” estiverem armadas, então poderão se defender. E, no caso, morre o bandido e sobrevive a pessoa honesta. A afirmação vai contra todas as evidências. A reação a uma abordagem violenta é, na esmagadora maioria das vezes, a pior escolha, mesmo para profissionais da área de segurança, como se viu recentemente no Rio. Policiais experientes foram assassinados ao tentar reagir a assaltos. Menos chance de ser bem-sucedido tem o homem comum.

“Então seremos todos vítimas passivas da violência?”, indaga o demagogo, como se tivesse encontrado o caminho retórico para escapar do óbvio. Não! É preciso não responder à questão complexa com a solução simples e errada, que só vai aumentar o número de vítimas. Ademais, a livre circulação de armas, legais ou ilegais, é apenas um dos fatores a ser levado em conta. Ou o tontolino de plantão logo dirá: “Nos EUA, onde não há restrições venda de armas, mata-se um quinto do que se mata no Brasil”. Comparar países de padrões sociais tão distintos — o que indica ignorar as outras variáveis — é de uma supina estupidez.

Voltamos ao começo.

Comparecem os EUA com o Japão, países de padrões semelhantes de desenvolvimento, onde as armas são proibidas. Morrem, por 100 mil habitantes, vítimas de violência, 14 vezes mais americanos do que japoneses. A influência da circulação de armas nos índices de violência não é mais matéria sujeita a controvérsias. Agora, o que se tem é questão ideológica, de fundo similar à religião. As pessoas têm todo o direito de achar que o Sol gira em torno da Terra e que, de fato, tudo começou com aquele trio: um Adão, uma Eva e uma serpente… Só não podem aspirar a que isso seja considerado um conhecimento científico.

E haveremos de combater, se combatermos, a explosão de violência no país com dados fornecidos pela análise racional dos números, não pela estupidez da demagogia e da ideologia, ainda que estas sejam apenas o verniz de algo bem mais prosaico: o velho e rentável lobby da indústria armamentista. (Reinaldo Azevedo)

Fonte: Gazeta do Povo /Reinaldo Azevedo

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