Com sonda, Temer cumpriu agenda pública nesta quinta (Demonstração de força, editorial do ESTADÃO)

Publicado em 26/10/2017 17:27 e atualizado em 27/10/2017 02:29

Contrariando recomendação médica de repouso, o presidente Michel Temer, mesmo com uma sonda, cumpriu meio expediente nesta quinta-feira, 26, no Palácio do Planalto. Submetido na véspera a um procedimento para desobstrução do canal da bexiga, Temer chegou a ensaiar a gravação de um vídeo para falar de seu estado de saúde, mas optou apenas por uma postagem nas redes sociais agradecendo à equipe médica que o atendeu.

“Agradeço aos militares da equipe médica e integrantes do HMAB (Hospital Militar de Área de Brasília) pela dedicação e atenção que tiveram enquanto estive no hospital”, escreveu. “Os médicos me recomendaram desacelerar, mas temos muito o que fazer. Já estou no Planalto, cumprindo agenda. Vamos em frente”, completou Temer.

O presidente foi internado na quarta-feira, 25, após mal-estar e teve alta no mesmo dia. Segundo auxiliares, apesar de não ter acompanhado a votação que derrubou a denúncia por obstrução da Justiça e organização criminosa, Temer foi informado do resultado. Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, disse que conversou diversas vezes com o presidente ao longo da sessão, que ele estava bem, mas o descanso era necessário. O presidente, de 77 anos, ficou em casa pela manhã, embora sem o descanso recomendado. Recebeu assessores e gravou um vídeo comentando o resultado da votação da Câmara.

Por volta do meio-dia o presidente chegou ao Planalto e permaneceu até as 17 horas. Antes de retornar ao Jaburu, ele teve sete compromissos. Hoje, o presidente não tem compromissos agendados, apenas a previsão de despachos internos pela manhã. Ele cancelou uma viagem que faria ao Acre para debater projetos de segurança pública. A expectativa é de que Temer viaje a São Paulo para, possivelmente, passar por exames no Hospital Sírio-Libanês e ter avaliada a retirada da sonda.

Demonstração de força, editorial do ESTADÃO

A única oposição de fato ao presidente Michel Temer se limita hoje às redes sociais e aos partidos desalojados do poder depois do impeachment de Dilma Rousseff 

Após a rejeição pela Câmara dos Deputados da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer, não faltaram análises segundo as quais a perda de 12 votos em relação à votação que derrubou a primeira denúncia expressa o enfraquecimento do presidente nos 14 meses que lhe restam de mandato. Comentários semelhantes também foram feitos depois que a primeira denúncia foi rejeitada. Na ocasião, dizia-se que a votação obtida por Temer seria insuficiente para conseguir aprovar mais reformas e medidas de ajuste fiscal. Temer teria se transformado, em resumo, em um “pato manco”, expressão importada da política norte-americana que designa o presidente que não é candidato à reeleição e perde importância nos meses finais de seu mandato.

Se esse tipo de análise tivesse alguma conexão com os fatos concretos, e não com os imaginados (ou desejados, em alguns casos), o presidente estaria, a esta altura, esvaziando as gavetas no Palácio do Planalto. Há quem acredite que a política nacional realmente se deixe pautar pela lógica das redes sociais, cujo norte são a histeria e a produção profícua das famosas fake news, e pelo messianismo de alguns procuradores da República, que parecem dispostos a denunciar todos os políticos como corruptos.

Quando a realidade da natural negociação política entre governo e Congresso Nacional se impõe, como no caso das articulações para rejeitar as denúncias contra Temer, essa lógica singela entra em parafuso. O resultado é uma indisfarçável decepção de quem presumia que o presidente fosse refém dos parlamentares e que estes, premidos pelo calendário eleitoral, deixariam em algum momento de apoiar um governo impopular e acusado de corrupção.

O fato incontestável é que a única oposição de fato ao presidente Temer se limita hoje às redes sociais e aos partidos desalojados do poder depois do impeachment de Dilma Rousseff. Nenhuma análise séria pode se deixar impressionar por pesquisas que mostram uma alta rejeição a Temer, pois o presidente nunca foi realmente popular. Em forte contraste com as manifestações virtuais de artistas e intelectuais que pedem “fora Temer” e com o falatório mendaz do chefão petista Lula da Silva e de seus adoradores, as ruas estão silenciosas e os brasileiros tocam a vida na esperança de que o País volte de vez aos eixos, esperança que cresce à medida que a economia mostra sinais objetivos de recuperação.

Nada disso garante, é claro, que Temer terá êxito total na imensa tarefa de aprovar as prometidas medidas ainda pendentes, em especial a reforma da Previdência. Infelizmente, alguns partidos que formalmente ainda são governistas – contando inclusive com vistosos Ministérios – não garantem os votos necessários para fazer passar essas mudanças cruciais para o saneamento das contas públicas.

Mas o regime de governo brasileiro ainda é presidencialista, e Michel Temer demonstrou que sabe como usar o poder da Presidência na negociação com o Congresso, com quem, aliás, desde o primeiro dia, prometeu governar. Foi dessa maneira que o presidente, mesmo sem ter popularidade, em meio a uma gravíssima crise política e econômica, conseguiu fazer aprovar o teto para os gastos públicos, a reforma trabalhista e a reforma do ensino médio, entre outros temas naturalmente polêmicos.

A rejeição das denúncias ineptas contra Temer pela Câmara deve finalmente encerrar o lamentável capítulo de irresponsabilidade protagonizado pela Procuradoria-Geral da República, ao tempo de Rodrigo Janot, abrindo caminho para o retorno à tão desejada normalidade. O fim da paralisia do governo deve recolocar na pauta da política o que realmente interessa aos brasileiros. Há muito trabalho pela frente.

O que se espera é que os grandes partidos da base aliada, seja lá quais forem seus dilemas internos e seus objetivos eleitorais, ajam como sustentáculos reais de uma administração que até aqui foi bem-sucedida na hercúlea tarefa de recuperar um país arruinado pelo pesadelo lulopetista – façanha que, por si só, merece respeito.

Procurando no lugar errado (por *Fernão Lara Mesquita)

A imprensa brasileira só se permite difundir, quando não festejar, aquilo que fracassou

A capa de anteontem, 25/10, deste jornal é uma síntese perfeita do drama brasileiro. Sob a manchete Itália faz alerta para a Lava Jato, uma foto ocupando 80% da largura da primeira página por metade de sua altura mostrava Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, respectivamente promotor e juiz envolvidos na “Mãos Limpas”, a operação de combate à corrupção que, encerrada há 25 anos, tinha chacoalhado a Itália pelos 13 anos anteriores, e Deltan Dallagnol e Sergio Moro, promotor e juiz à frente da nossa Lava Jato, em campo já há quatro anos.

A primeira frase da reportagem que resumia o que se apurou no evento que reuniu os quatro na sede do jornal era: “A corrupção na Itália, 25 anos depois, voltou ao mesmo nível de antes das investigações”. E seguia o texto relatando que os protagonistas da operação brasileira estão cientes de que ela não basta para salvar o País e cobram “a aprovação de reformas políticas, estruturais e de educação” para chegarmos a resultados concretos no campo do combate à corrupção.

Mas aí começa o problema. Que reformas, exatamente?

Por baixo de cada personagem na foto havia uma frase destacada. Gherardo Colombo dizia que “não é que faltavam provas, é que o sistema de corrupção era muito forte a ponto de proteger-se”. Relacionando Brasil e Itália, Piercamillo Davigo registrava: “Todos sabem que quem faz as listas eleitorais controla os partidos. Há filiações compradas”. Deltan Dallagnol emendava que “o Parlamento continua legislando em causa própria; ministros do STF soltam e ressoltam presos”. A Sergio Moro, mais pé no chão, atribuíam um “claro que como cidadão há tensão sobre a eleição se aproximando, mas eu vou seguir fazendo o meu trabalho”.

A frase que primeiro chamou minha atenção foi a de Piercamillo. E, dentro dela, aquele “todos sabem”. Quando a Mãos Limpas chegou ao esgotamento pelo cansaço da plateia com a falta de resultados concretos, já fazia quase 80 anos que a primeira grande operação de sucesso de uma nação unida contra a corrupção tinha terminado nos Estados Unidos. E a primeira bandeira dela, na longínqua virada do século 19 para o século 20, foi precisamente a da adoção da reforma sem a qual “todos sabiam” já àquela altura que nenhuma outra poderia chegar a bom termo no campo da política: a despartidarização das eleições municipais de modo a abrir o sistema à irrigação permanente de sangue novo e a instituição de eleições primárias diretas em todas as demais para tomar dos velhos caciques corruptos o controle da porta de entrada na política.

Daí saltei para a frase de Gherardo, da qual a de Deltan é praticamente um complemento. As duas são meras constatações de uma realidade que nos agride em plena face de forma cada vez mais violenta diariamente. Mas nenhuma aponta o que interessa, que é de onde vem, essencialmente, essa força que permite aos políticos “proteger-se” e “legislar em causa própria” e aos juízes “soltar e ressoltar presos” impunemente. Foi essa a segunda bandeira da reforma americana. É de velho como ela que se sabe que essa força decorre, antes de mais nada, da intocabilidade de seus mandatos, problema que se remediou pra lá de satisfatoriamente dando poder aos eleitores para retomá-los a qualquer momento, com o “recall”, e livrar-se dos juízes que “soltam e ressoltam presos”, desconfirmando-os na primeira ação imprópria, com a instituição de eleições diretas para a confirmação ou não de juízes em suas funções (“retention election”) a cada quatro anos. A receita tem-se mostrado infalível para agilizar a prestação de justiça e fazer esses servidores calçarem as sandálias da humildade e esquecerem para sempre o hábito de se autoatribuírem privilégios, como convém às democracias. Quanto aos promotores, assim como todo funcionário envolvido com prestação de serviços diretos ao público ou, sobretudo, com fiscalização do sistema e com segurança, tais como xerifes e até policiais num grande número de cidades e Estados americanos, esses só chegam ao cargo por eleição direta. Um santo remédio para coibir abuso de poder e violência policial e para incentivar a aplicação da firmeza necessária contra o crime.

Não sei quanto aos italianos, mas Deltan Dallagnol e Sergio Moro, ambos ex-alunos de Harvard, certamente conhecem essas soluções e já ouviram pelo menos alguma coisa sobre a história da sua implantação. E, no entanto, quando chega a hora de propor remédios para o Brasil, ficam só no mais do mesmo, com dezenas de medidas que reforçam os seus próprios poderes, quando o argumento indiscutível do resultado, que eles chegaram pessoalmente a viver e experimentar, diz claramente que a resposta não está em reforçar os poderes estabelecidos, já pra lá de excessivos no Brasil, mas, ao contrário, em fragilizá-los para aumentar os do eleitor.

O problema que matou a “Mani Puliti”, como poderá matar a Lava Jato, é, portanto, o pouco que ela se propôs ser em face do muito que poderia e deveria ter desencadeado.

Cabe, finalmente, examinar a posição do próprio jornal nessa discussão. Ainda que se destaque pelo esforço para não se submeter à “patrulha” que zurra e escoiceia ante qualquer esboço de argumento crítico racional, com o que ameaça matar não só a Lava Jato, mas todo o ensaio brasileiro de democracia, também O Estado não ultrapassa o limite que a latinidade daqui ou de além-mar se impôs.

O brasileiro não sabe o que são primárias diretas, “recall”, “retention election” de juízes, federalismo, referendo e iniciativas legislativas não golpistas. Nunca viu uma cédula de eleição americana com as dezenas de decisões que se submetem diretamente ao eleitorado na carona de cada eleição. Não sabe o que é o sistema de City Manager e por que esse é o modelo de gestão municipal que se generalizou no país que, por dispor desses instrumentos, se tornou o mais próspero, o mais inovador e o mais livre que a humanidade já juntou sob uma única bandeira.

*Jornalista, escreve em www.vespeiro,com

 

 
Fonte: O Estado de S. Paulo

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