Turbulências comerciais na visita de Temer à China, por MARCOS SAWAYA YANK

Publicado em 02/09/2017 05:58
Relação Brasil-China ganha estatura, mas a agenda comercial ainda é dominada por interesses protecionistas imediatos (por Marcos Sawaya Jank, especialista em questões globais do agronegócio, na “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 02/09/2017)

Michel Temer desembarcou na quinta (31) em Pequim para sua primeira visita de Estado à China e participar da 9ª Cúpula dos Brics, que começa neste domingo (3), em Xiamen.

O presidente se encontrou com grandes empresários e com os três homens mais importantes da China. Assinou 25 memorandos de entendimento e acordos bilaterais e ofereceu mais de 50 projetos de investimento no Brasil, em áreas como privatização de aeroportos e empresas elétricas, linhas de transmissão e terminais portuários. Houve ainda avanços em temas como facilitação de vistos e cooperação em futebol, audiovisual, comércio eletrônico e outros.

A visita marca também o forte crescimento do comércio, dos investimentos e das relações pessoais entre os países. A China já é nosso principal parceiro comercial. Em breve será o maior investidor no Brasil, com grandes interesses em energia, transportes, agronegócio, telecomunicações, setor financeiro e infraestrutura.

Mas nem tudo é "céu de brigadeiro". Turbulências e choques têm sido cada vez mais frequentes, principalmente na área comercial.

O Departamento de Defesa Comercial do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do Brasil impôs centenas de direitos antidumping e compromissos de preços em 57 processos recentes aplicados contra a China, sendo o aço o mais sensível de todos.

Do outro lado, a China recentemente impôs salvaguarda contra o açúcar de países que representam mais de 3% das importações do produto, atingindo em cheio o Brasil. No ano passado, o Brasil respondeu por quase metade das importações chinesas e vinha conseguindo exportar apesar da indecente tarifa extracota de 50%. O processo impôs uma tarifa adicional de 45%, levando a proteção chinesa a 95%, o que barrou de vez a entrada do nosso açúcar bruto (VHP) na China.

Uma semana antes de Temer chegar Pequim, o Ministério do Comércio da China anunciou o início de investigação antidumping contra a carne de frango brasileira. A indústria chinesa alega que o Brasil venderia frango na China a preço 40% inferior ao do mercado brasileiro. Não há nenhuma evidência nesse sentido, até porque boa parte das exportações é composta por patas de frango, cujo valor é irrisório no Brasil.

Açúcar e frango ocupam a 5ª e a 6ª posições nas exportações brasileiras para a China, com um volume total de comércio de quase US$ 2 bilhões por ano, ou 5% das vendas do Brasil para aquele país.

Infelizmente tem ocorrido uma escalada de conflitos entre os dois países, liderada por grupos protecionistas dos dois lados. Isso acaba reduzindo as agendas presidenciais e ministeriais a temas emergenciais e imediatistas, como pedidos de habilitação de unidades produtivas para exportar, reclamações mútuas sobre processos de defesa comercial, excesso de burocracias e falta de transparência, além da solução de questões que continuam há anos pendentes na agenda bilateral.

Reuniões de chefes de Estado como aquelas de que o Brasil participa neste momento deveriam olhar para os grandes desafios de longo prazo e para as oportunidades que eles geram para países continentais como o Brasil e a China. A solução de boa parte dos problemas que esses países enfrentam encontra-se exatamente na intensificação das relações, não apenas as comerciais e de investimento mas principalmente as pessoais e de confiança entre os países.

Em vez de alimentar setores protecionistas, no prato principal da agenda do presidente na visita de Estado deveriam estar segurança alimentar e energética, sustentabilidade, sanidade e qualidade dos alimentos e integração efetiva de cadeias de valor com a China, o Brics e o mundo.

 

Consumo dá impulso a recuperação do PIB no segundo trimestre (na FOLHA)

O consumo voltou a crescer após mais de dois anos de retração, levando o PIB (Produto Interno Bruto) a uma alta de 0,2% no segundo trimestre deste ano. O resultado reforça sinais de que a economia brasileira começa a se recuperar da recessão, puxada pelos gastos das famílias.

A queda da inflação e das taxas de juros, além da interrupção das demissões, ajudaram a criar um ambiente positivo, apesar do desemprego continuar em nível elevado.

O efeito prático é o aumento da renda de consumidores, amplificado pelos R$ 44 bilhões liberados de contas inativas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Segundo os dados divulgados nesta sexta (1) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o consumo aumentou 1,4% no segundo trimestre, em relação aos primeiros três meses do ano. Foi o primeiro sinal positivo desde o fim de 2014, o ano em que a recessão começou.

Segundo o Bradesco, o dinheiro do FGTS foi responsável por dois terços da alta do consumo. O benefício teve caráter temporário, mas outros fatores poderão puxar o consumo nos próximos meses.

Para José Marcio Camargo, sócio da Opus Investimentos, as famílias se beneficiarão de condições melhores no crédito e no mercado de trabalho.

"O desemprego começou a cair antes do previsto. Isso deverá melhorar ainda mais a confiança e gerará mais consumo", afirma o economista.

O bom resultado das vendas de automóveis em julho e agosto indicou que o dinamismo do consumo continua.

Marcelo Caparoz, analista da RC Consultores, credita esse efeito ainda aos saques do FGTS e aponta riscos como a precariedade das novas vagas de emprego criadas nos últimos meses. Assim, as compras que dependem de crédito poderão arrefecer, diz ele.

No longo prazo, um fator de preocupação são os investimentos, em contração desde 2013. A taxa de investimento da economia está em 15,5%, a mais baixa desde 1996, início da atual série do IBGE. O risco é o consumo ser limitado à frente, reduzindo o potencial de crescimento da economia.

Há muita ociosidade nas fábricas e os investimentos em obras seguem deprimidos, por causa dos efeitos da Operação Lava Jato e do corte de investimentos públicos.

As concessões e privatizações prometidas pelo governo têm potencial para reanimar o setor privado, mas ainda sobram incertezas na política, que se estenderão em 2018.

Mesmo assim, as expectativas de que o PIB fique perto de zero neste ano ficaram para trás, e os economistas começaram a rever suas previsões. Para Sérgio Vale, da MB Consultores, a economia pode crescer 0,7% neste ano e estará rodando a um ritmo de 3% às vésperas da eleição.

Zeina Latif, da XP Investimentos, acha que neste cenário candidatos com uma agenda de reformas econômicas terão boas chances. "Candidatos populistas não serão competitivos depois das consequências geradas pela negação dos problemas econômicos da eleição de 2014", diz. 

 

Recessão no retrovisor, EDITORIAL DA FOLHA

Há bons motivos para acreditar que o país tenha, enfim, superado uma de suas mais longas e profundas recessões econômicas.

Não se pode afirmá-lo com segurança, contudo, porque remanesce grande fragilidade nos setores produtivos, após quase três anos de crise ininterrupta.

De todo modo, foi sem dúvida favorável o resultado, divulgado nesta sexta-feira (1º) do Produto Interno Bruto brasileiro no segundo trimestre do ano.

Nem tanto pela taxa de expansão —de apenas 0,2% em relação aos três meses anteriores, levando a alta acumulada no ano a 1,3%. Mais relevantes são os sinais de melhora encontrados agora em um número maior de setores e atividades.

Notou-se, em especial, um aumento alentador, de 1,4%, do consumo das famílias, que responde por dois terços da demanda pela produção nacional (o restante é comprado para investimentos e para o custeio governamental).

Os motivos são a queda rápida da inflação, dos juros e do endividamento doméstico, além da liberação de contas inativas do FGTS. Associada à retomada das compras de bens e serviços está a recuperação paulatina do mercado de trabalho —uma alimenta a outra.

A volta do emprego, aliás, tem sido a principal surpresa positiva dos últimos meses, embora a desocupação permaneça elevada. Desde o início do ano já se criaram 415 mil novas vagas —ainda que a maior parte seja informal, este não deixa de ser padrão esperado na saída de uma recessão.

As piores notícias continuaram concentradas nos investimentos públicos e privados, com recuo de 0,7% no trimestre —dando prosseguimento a uma assustadora trajetória de encolhimento iniciada ao final de 2013.

Há indicações preliminares de alguma reversão do quadro até o final do ano. Voos mais ambiciosos dependem, no entanto, da ocupação da capacidade ociosa nas empresas, da continuidade da queda dos juros e, principalmente, da restauração da confiança no país.

Com os novos dados, analistas começam a elevar as estimativas e já não descartam uma alta de 1% para o PIB de 2017 —até então, eram raras apostas superiores a 0,5%. Se o cenário mais otimista se confirmar, a economia nacional estará crescendo em um ritmo próximo de 2,5% na entrada do ano eleitoral de 2018.

São índices decerto insatisfatórios, mas que serão comemorados após uma retração de 8% no biênio 2015-2016. A recuperação é lenta, e o país se mantém vulnerável aos solavancos da política. A recessão está no retrovisor: ao que tudo indica, ficou para trás, mas ainda continua perigosamente visível.

Fonte: Folha de S. Paulo

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