Na Folha: Vamos acertar a microeconomia?, por Marcos Lisboa

Publicado em 05/03/2017 13:14
Na Folha deste domingo, 5 de março

A economia apresenta importantes sinais de melhora. Existem, porém, obstáculos para a retomada sustentável do crescimento, sobretudo na indústria.

No começo de 2016, a crise fiscal, o forte crescimento da dívida pública, a trajetória dos gastos com Previdência e a agenda ambígua do governo anterior resultaram na maior probabilidade de insolvência do setor público em alguns anos.

A consequência foi o aumento das taxas de inflação, juros e câmbio.

O novo governo tem demonstrado seu compromisso com as reformas. A agenda será longa, afinal foram muitos os equívocos desde 2009, além dos problemas estruturais que postergamos enfrentar, como as regras da Previdência.

A mudança na política econômica reduziu a probabilidade de insolvência. A consequência tem sido a redução da taxa neutra de juros, aquela associada à estabilidade da inflação.

Zeina Latif tem apontado que a taxa neutra pode apresentar uma queda similar à observada no primeiro mandato do governo Lula e pode cair para cerca de 8%. Isso permitiria uma redução acentuada da Selic em simultâneo à queda da taxa de inflação.

A macroeconomia conspira para que o país venha a recuperar ao menos parte da queda de quase 10% da renda per capita nos últimos anos.

Existem, porém, obstáculos a serem superados para que a melhora da macroeconomia resulte na retomada do crescimento nos anos à frente.

Primeiro, a agenda fiscal apenas se inicia. Além da reforma da Previdência, existem outros desafios, como o difícil e grave problema dos Estados.

Segundo, as intervenções setoriais do governo anterior resultaram em empresas pouco competitivas em vários setores. Muitas, talvez, não sobrevivam.

Paradoxalmente, setores que tiveram seus pedidos de incentivo e proteção atendidos pelo antigo governo agora enfrentam severas dificuldades. Deve-se ter cuidado com o que se deseja. Afinal, os pedidos podem ser atendidos.

Terceiro, diversas decisões judiciais têm protegido as empresas em dificuldades em detrimento das garantias previstas nos contratos de crédito. A consequência será o menor, e mais caro, crédito para as demais empresas no futuro.

Por fim, a estrutura tributária, que já não era boa, piorou significativamente. As seguidas alterações nas normas e a sua complexidade crescente geram insegurança sobre as regras do jogo, consomem recursos impensáveis nos demais países e resultam em um contencioso tributário que prejudica a retomada do investimento, sobretudo na indústria.

A melhor trajetória da macroeconomia se beneficiaria de uma agenda microeconômica que reduza distorções, simplifique as regras e garanta maior segurança jurídica.

 

Transposição de águas está em curso, falta transpor a intolerância (ELIO GASPARI)

Lalo de Almeida/ Folhapress
 

Durante o consulado petista, Lula encantou-se com a ideia de transposição das águas do rio São Francisco e transformou-a numa das joias de sua coroa. A obra demorou dez anos e custou o dobro do que se previa, salpicada por mordidas de empreiteiras. Apesar de tudo isso, uma parte do projeto está ficando pronta. As coisas boas também acontecem.

Desde janeiro, as águas do São Francisco saem do lago da barragem de Itaparica, em Pernambuco, percorrem 222 quilômetros pelo chamado Eixo Leste e entram na Paraíba. Na próxima quinta-feira (9), elas chegarão ao açude de Poções, no município de Monteiro, de onde descerão por gravidade para o reservatório de Boqueirão, que abastece Campina Grande e outras 18 cidades.

Ao contrário do que diziam os adversários do projeto, a transposição das águas do São Francisco não foi "a Transamazônica do Lula". A ideia foi vista com um certo preconceito regional e uma greve de fome de um bispo transformou em problema algo que era solução. No capítulo dos grandes projetos petistas, o do trem-bala, que ligaria o Rio a São Paulo apanhou muito menos que o da transposição. Com uma diferença: a velha ideia das águas do São Francisco era boa e deu certo. Felizmente, o trem-bala ficou no papel.

Os quilômetros de canais que atravessam o semiárido estarão para Lula assim como Brasília está para Juscelino Kubitschek. (Também vai para a conta do estilo petista de operar, a transposição de R$ 200 milhões para o bolso de maganos metidos na obra do Eixo Leste.)

Em janeiro passado, quando inaugurou uma estação de bombeamento no município de Floresta, em Pernambuco, o presidente Michel Temer pareceu generoso: "Quero render homenagens aos governos anteriores que tiveram a ideia, desde 15 anos atrás, de fazer a transposição". Deu também uma aula de ciência política: "Aqui no Brasil é assim, quando você faz uma obra o sujeito esquece quem começou".

Temer esqueceu o nome de Lula e fez uma conta astuciosa. O primeiro projeto de transposição de águas do São Francisco para terras do semiárido é de 1847. Há "15 anos" (portanto, em 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso), continuava-se no mundo dos debates e dos projetos centenários. Quem transpôs a ideia para a vida real, arrostando anos de críticas, foi a jararaca petista. Temer tem o mérito de estar concluindo uma obra que estava encalhada no final do governo de Dilma Rousseff. Tendo seu quinhão no êxito, não deve fazer com Lula o que ele fez com Fernando Henrique, jamais reconhecendo o valor da moeda estável que lhe entregou em 2003.

Leia outros textos da coluna deste domingo:
Odebrecht nunca foi um bobo qualquer; é o rei dos malandros
Palácio da Alvorada é casa onde se pode ir, mas não se deve morar
Padilha ainda dirá se foi fritado ou se atuou para salvar Temer 

 

É 'verdade alternativa' fingir que só Temer é inocente no caso Odebrecht

  Alan Marques - 21.fev.2017/Folhapress  
O presidente Michel Temer participa da reunião da Comissão da Reforma da Previdência em Brasília
 
O então presidente do PMDB, um certo Michel Temer, admite publicamente ter pedido contribuição de campanha a Marcelo Odebrecht, presidente de uma empreiteira atolada no maior esquema de corrupção jamais revelado neste país.

A empreiteira, como era inevitável, aceitou contribuir, conforme vazou, com abundância de detalhes.

Temer defende-se dizendo que a "contribuição" foi legal, devidamente declarada e não parte de um esquema de propina e/ou caixa 2.

Dá para acreditar? Claro que não, se se considerar nota oficial da Odebrecht, em que ela "reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial. (...) Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética".

Mais: afirma também que o sistema partidário-eleitoral do Brasil é "ilegal e ilegítimo".

Só mesmo o mais rematado tolo acreditaria que, com todos os outros políticos, a empreiteira cometeu uma agressão à honestidade e à ética, mas não com Temer, certo?

No entanto, a maior parte do mundo político e empresarial se finge de tolo rematado, assobia e olha para o lado, em vez de armar o escândalo correspondente à revelação pública de uma inaceitável promiscuidade entre uma autoridade e uma empresa privada que faz negócios com o governo.

Nem mesmo o PT grita com a força com que gritou quando surgiram as primeiras suspeitas a respeito de Fernando Collor de Mello. Não tem moral para se fingir indignado porque lambuzou-se ferozmente com a mesma promiscuidade.

É, de resto, situação idêntica à do PSDB e de um mundo de outros partidos. Afinal, como lembrou a Transparência Brasil para o "The New York Times", 60% dos congressistas brasileiros enfrentam sérias acusações, como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal e até sequestro e homicídio.

É inevitável concluir que "o sistema político-partidário está apodrecido", como disse tempos atrás o procurador Carlos Fernando Santos Lima, que é um dos investigadores da Lava Jato.

Era natural, embora lamentável, que surgissem vozes cavernárias pedindo um regime militar, como se na ditadura a corrupção tivesse sido eliminada.

O grande nó da República é que, se a política está podre, a solução sempre estará na política, até que alguém invente algum modelo melhor de intermediação entre Estado e sociedade.

O que é inadmissível é o silêncio sobre as ligações do presidente da República e de todo o seu círculo íntimo com escândalos.

É de um cinismo intolerável o raciocínio que se ouve em certos círculos no sentido de "deixa o Temer p'ra lá, afinal ele mudou as expectativas e está fazendo ou tentando fazer as reformas".

Por enquanto, aliás, as expectativas que mudaram foram as do tal de mercado, assim como "reformas" é a palavra-muleta à qual se recorre sempre quando há uma crise qualquer.

A grande reforma, na verdade, é a do sistema político, que, de resto, está em crise em boa parte do mundo. Essa, convenhamos, ninguém sabe bem como fazer, o que só acrescenta sombras ao nó em que vive a República. 

Fonte: Folha de S. Paulo

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