No ESTADÃO: Problemas internos são muito piores que Trump (por ROLF KUNTZ)

Publicado em 13/11/2016 17:26
Mesmo sem barreiras no exterior o Brasil já tem um poder de competição muito baixo (O ESTADO DE S. PAULO)

A primeira disputa entre o governo brasileiro e a administração do recém-eleito Donald Trump já está armada. Brasília começou na semana passada uma ação contra a nova barreira erguida nos Estados Unidos contra o aço fabricado no Brasil. A iniciativa foi do presidente Barack Obama, em mais uma tentativa de socorrer a enfraquecida siderurgia americana. O assunto ficará para o republicano, um autoproclamado protecionista. Se ele for fiel às promessas de campanha, poderá ir muito além de seu antecessor na criação de entraves ao comércio. Como candidato, anunciou até a disposição de rever acordos e de confrontar o sistema internacional de regras comerciais. Todos têm motivos para preocupação, mas no caso brasileiro é necessária uma ressalva. Barreiras no exterior são sempre ruins, ninguém pode negar, mas os principais obstáculos ao sucesso comercial das empresas brasileiras estão mesmo dentro do País.

Embora inquietante, o populismo protecionista do presidente eleito dos Estados Unidos é menos perigoso que as causas internas da baixa competitividade brasileira. Enfrentá-las deve ser prioridade do atual governo, com apenas mais dois anos de mandato, e de seu sucessor. Mesmo os setores e empresas mais competitivos do Brasil são prejudicados por um número enorme de problemas sistêmicos. A lista é fácil. Inclui pelo menos a infraestrutura deficiente, a tributação irracional, a burocracia excessiva, a insegurança jurídica, o peso de governo caro e improdutivo e, é claro, um dos piores sistemas educacionais do mundo emergente.

Não adianta confrontar as taxas nacionais de alfabetização de hoje com as de dez ou vinte anos atrás. As taxas podem ter melhorado, mas o analfabetismo funcional continua muito elevado. Pelos dados oficiais, deve estar pouco abaixo de 20% da população com idade a partir de 15 anos, mas os fatos observados no dia a dia parecem mostrar um quadro bem pior.

A formação oferecida até o curso médio é desastrosa, como comprovam, em primeiro lugar, as provas de redação zeradas no Enem. A mera perspectiva de provas com nota zero na redação é assustadora, mas esse é um dado rotineiro.

A catástrofe da educação fundamental é confirmada periodicamente nos testes internacionais. No mais famoso, o Pisa, mantido pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os estudantes brasileiros têm ficado regularmente entre os dez últimos, num conjunto de 65. Quem ainda tiver dúvidas sobre o assunto poderá eliminá-las consultando as associações industriais, como a CNI e a Fiesp, acerca da qualidade média da mão de obra encontrada no mercado.

No item educação primária, o Brasil ficou em 120.º lugar, pela qualidade, numa lista de 138 países, no último relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial, publicado em setembro. No quesito formação superior, o País ficou na 84.ª posição, no mesmo conjunto. Sempre no terço inferior, portanto, embora ainda seja uma das dez maiores economias, pelo tamanho do produto interno bruto (PIB).

Na classificação geral, o País caiu seis posições em um ano, passando ao 81.º lugar. A melhor colocação foi alcançada em 2012, quando o Brasil ocupou o 48.º posto. O recuo ocorreu muito rapidamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e ainda se acelerou na fase de recessão. As condições conjunturais pesaram na avaliação, mas os quesitos de longo prazo continuaram muito ruins. A educação é um exemplo importante, quando se trata de medir as desvantagens competitivas.

Mas a qualidade da administração, a inflação, o desarranjo fiscal, a segurança pública deficiente e as dificuldades para fazer negócios têm permanecido, ano após ano, como fatores de grande relevância. A lista de entraves aos negócios inclui tanto fatores institucionais, como a complicada regulação tributária, quanto – digamos – informais, como a corrupção. O combate à corrupção é elogiado, mas o problema permaneceu com destaque na lista dos entraves mencionados nas entrevistas da pesquisa.

A administração pública deficiente e o estado precário das finanças oficiais aparecem de forma recorrente nas pesquisas de competitividade, assim como os impostos pesados e de baixa qualidade e a complicada regulamentação tributária. O ajuste contábil das contas públicas é, portanto, apenas uma das tarefas necessárias, na área fiscal, para tornar a economia brasileira um pouco mais eficiente.

É preciso levar em conta, nesse tópico, uma agenda muito mais ambiciosa e politicamente complicada. Uma reforma tributária razoável deverá envolver o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cobrado pelos governos estaduais. Não bastará eliminar a guerra fiscal entre Estados. Será preciso, também, livrar totalmente as exportações e os investimentos produtivos do peso dos tributos. Será preciso negociar o assunto com 27 governadores.

No dia a dia, fala-se muito do câmbio quando se trata de competitividade, mas pouco se discutem os fatores estruturais, como sistema tributário, educação, pesquisa e tecnologia, eficiência do governo, inflação controlada e estabilidade fiscal. São fatores como esses as principais vantagens das economias mais competitivas e com maior potencial de geração de empregos.

Políticas industriais voluntaristas, baseadas no protecionismo e na distribuição de benefícios a grupos e setores, tendem a fracassar e – pior – produzir desastres. A Organização Mundial do Comércio (OMC) acaba de condenar políticas desse tipo, exploradas amplamente pelo governo anterior. A condenação nem é o pior detalhe dessa história. Pior foi o fracasso, acompanhado de custos fiscais e financeiros enormes e de uma recessão com 12 milhões de desempregados. Trump pode ser um perigo, mas nem de longe comparável com os problemas made in Brazil.

Aos sem-voto, resta a mazorca (EDITORIAL)

Bem que Guilherme Boulos, o notório líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), avisou que iriam “virar rotina” os bloqueios de avenidas e estradas como forma de protesto por parte dos “movimentos sociais” que perderam seus privilégios depois do impeachment da petista Dilma Rousseff.

É espantoso que sobre esses grupelhos, que agem evidentemente como marginais, ainda não tenha recaído o peso da lei. Em países onde vigora o Estado de Direito, o direito à manifestação é respeitado, mas a baderna e a desordem, não. A falta de pulso para lidar com delinquentes que decidem infernizar a vida dos cidadãos comuns quando lhes dá na veneta, sem que por isso sejam devida e legalmente reprimidos, alimenta a sensação de que tudo podem.

Portanto, o que aconteceu ontem em São Paulo e em diversas cidades do País, onde manifestantes impediram milhares de pessoas de chegar aonde pretendiam e atender a seus compromissos diários, vai mesmo “virar rotina” – pelo menos até que o poder público resolva cumprir seu papel de guardião da segurança e dos direitos de todos, sem concessões.

O mote do tumulto de ontem foi a chamada PEC do Teto, a Proposta de Emenda Constitucional que visa a colocar um fim na gastança desenfreada que quebrou o País durante o mandarinato lulopetista. O motivo, claro, é o de menos. Para a tigrada, o que importa é criar problemas para o governo de Michel Temer, na presunção de que, se as medidas tomadas pelo presidente fracassarem e se for criado um clima de confronto social, o eleitor voltará para os braços do PT e seus associados.

Feitas as contas, é apenas isso o que restou aos petistas e companhia: promover a mazorca. De uma hora para outra, o outrora robusto capital eleitoral do PT derreteu, em meio às evidências de envolvimento de seus principais dirigentes em cabeludos escândalos de corrupção e depois que o País afundou numa brutal crise econômica causada pelas irresponsabilidades de Dilma Rousseff, criatura inventada pela soberba do chefão Lula da Silva. O eleitor, enfim, cansou-se do engodo petista, negando-lhe os votos de que o partido se julgava dono e que pareciam lhe garantir o poder eterno.

É claro que, por não terem nenhuma vocação democrática, os petistas, em lugar de admitir seus erros, preferiram criar toda sorte de teorias para justificar sua queda. A principal delas é a de que existe um complô – ou um “pacto diabólico”, conforme definiu Lula – das “elites” para erradicar o PT e acabar com os direitos dos trabalhadores. Para denunciar essa tal conspiração, os petistas resolveram colocar a tropa na rua, prejudicando principalmente os trabalhadores que eles dizem defender.

O movimento de ontem, chamado de Dia Nacional de Greves e Paralisações, foi liderado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela Frente Povo Sem Medo, pela Frente Brasil Popular e outros tantos grupelhos inconformados com a democracia. Sem representarem nada além de seus chefetes e privados do acesso às tetas estatais em que mamaram durante os anos de bonança lulopetista, eles investem na confusão. Apresentam-se como defensores dos trabalhadores e atribuem ao governo Temer a pretensão de fazer o ajuste fiscal à custa dos mais pobres, o que tornaria legítimo o movimento paredista.

No entanto, como os eleitores deixaram claro nas urnas, essa patranha não cola mais. Mesmo os antigos simpatizantes do PT perceberam que a atual aflição dos trabalhadores resultou da funesta experiência desse partido no poder federal, replicada em maior ou menor grau em quase todos os Estados. Foi o gasto público irresponsável que condenou o País à recessão, ao desemprego e, pior, à falta de perspectiva. O mínimo a fazer, como esperam todos aqueles que têm de trabalhar para viver, é interromper essa sangria e recuperar as contas públicas, de cujo equilíbrio dependem a manutenção dos serviços essenciais para os mais pobres e a retomada da geração de empregos. E, não menos importante, é também obrigação dos governos, em todos os níveis, não permitir que os derrotados nas urnas se tornem senhores das ruas.

Entre festas e vendas

(Sinais de arrefecimento da inflação reforçam a expectativa de uma economia mais saudável no próximo ano)

Votos de boas-festas serão trocados, como sempre, no fim do ano, mas poucos poderão falar de boas vendas, segundo as projeções dos especialistas. Pela avaliação mais otimista, a economia brasileira chegou ao fundo do poço, mas ainda levará algum tempo para começar a subir de volta. As previsões de recuperação dos negócios estão focadas em 2017 - uma aposta vital para as empresas e para o governo. As vendas no período de Natal serão menores que as de 2015, de acordo com executivos de 53,4% das companhias consultadas em pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). 

A expectativa de vendas iguais às de um ano antes foi indicada por 28,6% dos consultados, enquanto 16,6% disseram prever um movimento maior. Mas esse levantamento, apesar dos números feios, pelo menos deixa entrever algum otimismo. Os mais pessimistas eram 62,1% em 2014 e 81% no ano seguinte, recordaram os condutores da sondagem.

As encomendas para o fim de ano estão mais fracas e, de acordo com 39,8% dos informantes, mais atrasadas que em 2015. As vendas devem ser em média 6,5% menores que as do ano passado, mas também essa previsão indica uma recuperação do otimismo. 

Em 2015, a expectativa era de queda de 14,1%. Em 2014, de 7,8%. A mudança nas previsões, nesse período, acompanhou, claramente, o agravamento da recessão de 2014 para 2015 e a mudança da política econômica a partir do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff. Embora a atividade continue reduzida e o desemprego permaneça elevado, com risco até de aumentar, a mudança de orientação pelo menos parece apontar um caminho de superação da crise.

Essa percepção tem sido indicada por várias pesquisas, nos últimos meses, sobre o nível de confiança dos empresários. Os indicadores de confiança têm oscilado, e até caído por causa da demora da recuperação, mas continuam claramente mais altos que nas piores fases da crise.

Apesar da melhora de humor de empresários e até de consumidores, os negócios continuaram fracos no terceiro trimestre. O grande acontecimento político do período foi a conclusão do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. A confirmação do presidente Michel Temer como titular do posto até o fim de 2018 deu mais segurança ao governo, até então provisório, para encaminhar medidas de ajuste das contas públicas e avançar em discussões mais complexas, como a da reforma da Previdência.

Mas o trimestre, segundo as informações setoriais divulgadas até agora, deve ter sido mais um período de contração do Produto Interno Bruto (PIB). O balanço trimestral deve ser publicado no fim do mês. Se o resultado for positivo, ou mesmo equilibrado, a maioria dos especialistas - talvez a totalidade - será com certeza surpreendida.

O mau desempenho da indústria no terceiro trimestre já é conhecido. Os dados mensais apontaram queda de 0,1% em julho e de 3,5% em agosto e um crescimento de 0,5% em setembro, insuficiente para compensar os números negativos dos dois meses anteriores.

Além disso, a retração do consumo continuou no período de julho a setembro. No mês final do período as vendas do varejo restrito diminuíram 1%. As do varejo ampliado (com inclusão de veículos e peças e também de material de construção) encolheram 0,1%.

Os primeiros dados de outubro também foram ruins. Mesmo com aumento de 2,3% na produção de veículos, as montadoras foram incapazes de retomar o nível de atividade perdido nos dois meses anteriores, quando houve quedas de 6,4% e de 3,9%.

Sinais de arrefecimento da inflação reforçam a expectativa de uma economia mais saudável no próximo ano, assim como o avanço, no Congresso, da proposta de criação de um limite para o aumento de gastos. A recuperação, tudo indica, deve ser lenta, especialmente por causa da provável demora na reabertura de postos de trabalho. Mas o cenário já deverá ser mais animador bem antes do Natal de 2017.

Responsabilidade é premissa

Em recente palestra, proferida em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso fez uma importante defesa da responsabilidade fiscal. “Eu considero que responsabilidade fiscal é uma premissa das economias saudáveis”, afirmou Barroso.

“A Lei de Responsabilidade Fiscal é um avanço porque diz o óbvio: não se pode gastar mais do que se arrecada e se endividar sem limites”, continuou o ministro. Certamente, um governo gastar mais do que arrecada é incompatível com um desenvolvimento econômico minimamente sustentável - e isso é um dado óbvio da vida econômica de qualquer país. No entanto, nos tempos que correm, com alguns partidos políticos insistindo em não ver os deletérios efeitos da irresponsabilidade fiscal e ainda posando de defensores do povo e dos avanços sociais, é muito bem-vinda a enfática defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Infelizmente, ainda há quem queira tirar proveito político da ignorância de parte da população e propague a equivocada ideia de que a responsabilidade fiscal seria uma opção ideológica de direita, para defender supostos interesses da elite econômica, como parte do “projeto neoliberal”. Como lembrou o ministro Barroso na mencionada palestra, não há responsabilidade fiscal de esquerda ou de direita.

As opções ideológicas podem e devem orientar as prioridades orçamentárias de cada governo, mas os gastos - sejam eles quais forem - devem necessariamente se sujeitar às receitas obtidas. É simplesmente inviável um governo contratar gastos públicos ignorando se há ou não recursos disponíveis. Em outras palavras, a responsabilidade fiscal não é - não deve ser - uma opção política. Ela é - deve ser - a premissa de toda e qualquer política econômica.

Promovem um grande mal ao País as pessoas e grupos políticos que difundem, por exemplo, a equivocada ideia de que é possível - e não causa efeitos colaterais - gastar mais do que se arrecada, ou ainda que a responsabilidade fiscal é um tema de interesse apenas dos ricos. Esse tipo de mensagem desinforma a população.

Na prática, constitui mentira com alto custo social. Basta ver a realidade econômica do País depois de anos de irresponsabilidade lulopetista: o desequilíbrio fiscal gerou perversos efeitos para a população, especialmente para as classes mais pobres, justamente aquelas que o discurso populista da irresponsabilidade fiscal prometia defender.

É fácil difundir que a PEC do Teto dos Gastos - que tenta colocar um mínimo de racionalidade nas finanças públicas, limitando o crescimento das despesas da União à variação da inflação do ano anterior - é a “PEC da Maldade, que prejudica os mais pobres”. Não é nada fácil, porém, desbastar a inflação que corrói a renda do trabalhador. Não é nada fácil trazer os juros para patamares civilizados sem provocar danos ainda mais sérios à economia. E todas essas distorções se devem ao descontrole dos gastos.

Se alguma serventia teve a passagem de Dilma Rousseff pela Presidência da República, foi a de colocar em evidência - sem qualquer margem para dúvida - o fato de que a realidade, também a econômica, tem suas regras e desprezá-las importa em enorme custo, também social. Quando um governo gasta mais do que tem, como insistiu teimosamente em fazer Dilma Rousseff, ele arruína a economia e, consequentemente, a vida social de todo o País.

Só faltava que, depois de toda a crise vivenciada pelos brasileiros, ainda houvesse quem defendesse a irresponsabilidade fiscal. Mas há. Por isso, é muito conveniente a célere aprovação pelo Senado da PEC do Teto.

Adequar os gastos públicos às receitas não é uma questão ideológica, e a irresponsabilidade não é uma opção. A política é território livre para o debate de ideias, mas isso não a transforma, como alguns desejam, em campo para a irresponsabilidade. Afinal, também faz parte da democracia assumir as consequências de suas posições. A isso se dá o nome de responsabilidade.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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