Alimentar o mundo (por EVARISTO DE MIRANDA, no ESTADÃO)
Divida a produção de grãos de um país pelo seu número de habitantes. Se o resultado ficar abaixo de 250 kg/pessoa/ano, isso significa insegurança alimentar. Países nessa situação importam alimentos, obrigatoriamente. E são muitos os importadores de alimentos vegetais e animais em todos os continentes, sem exceção. O crescimento da população, da classe média e da renda, sobretudo nos países asiáticos, amplia anualmente a demanda por alimentos diversificados e de qualidade, como as proteínas de origem animal.
O mais vendido refrigerante do mundo define sua missão como a de “saciar a sede do planeta”. A missão do Brasil já pode ser: saciar a fome do planeta. E com os aplausos dos nutricionistas.
Em 2015 o Brasil produziu 207 milhões de toneladas de grãos para uma população de 206 milhões de habitantes. Ou seja, uma tonelada de grãos por habitante. Só a produção de grãos do Brasil é suficiente para alimentar quatro vezes sua população, ou mais de 850 milhões de pessoas. Além de grãos, o Brasil produz por ano cerca de 35 milhões de toneladas de tubérculos e raízes (mandioca, batata, inhame, batata doce, cará, etc.). Comida básica para mais de 100 milhões de pessoas.
A agricultura brasileira produz, ainda, mais de 40 milhões de toneladas de frutas, em cerca de 3 milhões de hectares. São 7 milhões de toneladas de banana, uma fruta por habitante por dia. O mesmo se dá com a laranja e outros citros, que totalizam 19 milhões de toneladas por ano. Cresce todo ano a produção de uva, abacate, goiaba, abacaxi, melancia, maçã, coco... Às frutas tropicais e temperadas se juntam 10 milhões de toneladas de hortaliças, cultivadas em 800 mil hectares e com uma diversidade impressionante, resultado do encontro da biodiversidade nativa com os aportes de verduras, legumes e temperos trazidos por portugueses, espanhóis, italianos, árabes, japoneses, teutônicos e por aí vai, longe.
À produção anual de alimentos se agrega cerca de 1 milhão de toneladas de castanhas, amêndoas, pinhões e nozes, além dos óleos comestíveis – da palma ao girassol – e de uma grande diversidade de palmitos. Não menos relevante é a produção de 34 milhões de toneladas de açúcar/ano, onipresente em todos os lares, restaurantes e bares. A produção vegetal do Brasil já alimenta mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, usando para isso apenas 8% do território nacional.
E a tudo isso se adiciona a produção animal. Em 2015 o País abateu 30,6 milhões de bovinos, 39,3 milhões de suínos e quase 6 bilhões de frangos. É muita carne. Coisa de 25 milhões de toneladas! O consumo médio de carne pelos brasileiros é da ordem de 120 kg/habitante/ano ou 2,5 kg por pessoa por semana. A estimativa de consumo médio de carne bovina é da ordem de 42 kg/habitante/ano; a de frango, de 45 kg; e a de suínos, de 17 kg; além do consumo de ovinos e caprinos (muito expressivo no Nordeste e no Sul), de coelhos, de outras aves (perus, angolas, codornas...), peixes, camarões e crustáceos (cada vez mais produzidos em fazendas) e outros animais.
O País produziu 35,2 bilhões de litros de leite (ante 31 bilhões de litros de etanol), 4,1 bilhões de dúzias de ovos e 38,5 milhões de toneladas de mel, em 2015. É leite, laticínios, ovos e mel para fazer muitos bolos, massas e doces nas casas do maior produtor de açúcar.
Em 50 anos, de importador de alimentos o Brasil tornou-se uma potência agrícola. Nesse período, o preço dos alimentos caiu pela metade e permitiu à maioria da população o acesso a uma alimentação saudável e diversificada e a erradicação da fome. Esse é o maior ganho social da modernização agrícola e beneficiou, sobretudo, a população urbana. O Brasil saiu do mapa dos países com insegurança alimentar.
Com o crescimento da população e das demandas urbanas, o que teria acontecido na economia e na sociedade sem esse desenvolvimento da agricultura? Certamente, uma sucessão de crises intermináveis. Era para a sociedade brasileira agradecer todo dia aos agricultores por seu esforço de modernização e por tudo o que fazem pelo País. A Nação deve assumir a promoção e a defesa da agricultura e dos agricultores, com racionalidade e visando ao interesse nacional.
De 1990 a 2015 o total das exportações agrícolas superou US$ 1 trilhão e ajudou a garantir saldos comerciais positivos. A Ásia responde hoje por 45% das exportações do agronegócio brasileiro e a China, sozinha, por um quarto desse montante. Com a China, um parceiro estratégico para o futuro da agropecuária brasileira, criaram-se perspectivas novas e mútuas para indústrias de processamento, tradings e para investimentos em infraestrutura de transporte, armazenagem e indústrias de base.
A recém-concluída missão de prospecção e negócios de quase um mês por sete países da Ásia, liderada pelo ministro Blairo Maggi, buscou um novo patamar de inserção da agropecuária no comércio internacional. Acompanhado por uma equipe ministerial e por cerca de 35 empresários de 12 setores do agro, essa missão histórica percorreu China, Coreia do Sul, Hong Kong, Tailândia, Mianmar, Vietnã, Malásia e Índia. Alimentar o mundo é sinônimo de alimentar a Ásia. Isso exige empreendedorismo, inovação, coordenação público-privada e parcerias de curto e de longo prazos.
Mas o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, juntamente com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, tem uma meta ambiciosa: passar de uma participação decrescente de 6,9% no comércio agrícola internacional para 10%. E ser capaz, em breve, com tecnologia, sustentabilidade, competência e competitividade, de alimentar mais de 2 bilhões de pessoas.
A sustentabilidade da energia, EVARISTO DE MIRANDA (no ESTADÃO)
A fonte de 68% da energia renovável no País, que garantiu 28% da matriz energética brasileira em 2015, é a agropecuária. Um caso único no mundo para um país industrializado e com as dimensões territoriais do Brasil. Além disso, no ano passado, pela primeira vez a geração de eletricidade de origem eólica ultrapassou a de origem nuclear. Foram 1.859.750 toneladas equivalentes de petróleo (TEP) asseguradas pelos ventos, ante 1.267.124 TEP geradas por usinas nucleares, segundo o sempre excelente Balanço Energético Nacional (BEN), recém publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A geração da energia nuclear mantém-se constante há anos. E não houve, nem haverá no curto prazo, nenhum aumento do parque nuclear. Já o setor eólico se beneficia de numerosos incentivos, cresceu 77% em um ano e seguirá crescendo. Mas a contribuição das eólicas na matriz energética ainda é pequena: 1,3%. Esse marco histórico das eólicas passou quase despercebido, assim como o papel da agricultura na geração de energia renovável.
A participação da energia renovável na matriz energética nacional foi de 41,2% em 2015. Um recorde fantástico. E já chegou a mais de 45% em alguns anos, em função de fatores climáticos, da economia, etc. A média mundial de energia renovável nas matrizes energéticas é de apenas 13,5%. Essa contribuição é ainda menor nos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): 9,4%. Ou seja, nas nações desenvolvidas mais de 90% da energia é suja, vinda em geral de petróleo, gás e carvão mineral. Isso pode ser avaliado nas emissões de CO2.
Cada brasileiro emite sete vezes menos CO2 do que um americano e três vezes menos do que um europeu ou um chinês, apesar da enorme população da China. Graças às energias renováveis, na produção de 1 MWh o setor elétrico brasileiro emite três vezes menos CO2 do que o europeu, quatro vezes menos do que o norte-americano e seis vezes menos do que o chinês.
Além de grande produtora de alimentos e fibras, a agropecuária nacional ampliou em magnitude única no planeta sua capacidade de gerar energia. A agricultura brasileira produz combustíveis sólidos (lenha e carvão vegetal), líquidos (etanol e biodiesel), gasosos (biogás e gás de carvão vegetal) e energéticos (cogeração de energia elétrica e térmica com subprodutos agrícolas, como bagaço de cana-de-açúcar, lixívia, palhas, cavacos, etc.).
Só os produtos energéticos da cana-de-açúcar garantiram 16,9% do total da energia consumida no Brasil em 2015, uma contribuição superior a todas as hidrelétricas juntas (11,3%)! Lenha e carvão vegetal contribuíram com 8,2%, ajudando a mover caldeiras e fornos, desde os das padarias e pizzarias até os das siderúrgicas de ferro gusa. Por fim, biodiesel, lixívia, biogás e outros resíduos asseguraram 3,1% de nossa matriz energética. Hoje, só o sebo de boi – um resíduo de frigoríficos – garante cerca de 20% da produção de biodiesel.
O resto vem dos óleos vegetais, sobretudo de soja.
Para produzir alimentos, fibras e energia a agricultura brasileira consome energia na matriz (diesel para suas máquinas, energia elétrica, etc.). Quanto? 4,4%, segundo os dados do Balanço Energético Nacional. E ela devolve 28%.
A agricultura é o setor que menos consome energia e 4,4% é para toda a agropecuária: produção de alimentos, fibras e energia. O consumo específico para gerar energia é bem menor. Uma série de detalhamentos acerca do desempenho energético de várias cadeias produtivas está sendo calculada pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa. Nos dados do BEN 2015, a geração de energia (hidrelétricas, termoelétricas, usinas nucleares) consumiu 10,7% da energia da matriz.
A agroenergia é o resultado da transformação da energia solar em energia química pelas plantas. França, Japão ou Canadá poderiam produzir 28% de sua matriz energética com sua agricultura, como faz o Brasil?
Provavelmente, sim, mas consumiriam mais de 50% em sua matriz energética para realizar tal “feito”. Por quê? O clima limita a geração de agroenergia em países temperados. Em altas latitudes a fotossíntese só é possível na primavera-verão, de três a cinco meses, com cultivos de ciclo curto, como milho ou beterraba.
Já em países tropicais, com temperaturas elevadas, a fotossíntese é possível praticamente o ano todo, com cultivos de ciclo longo, como cana-de-açúcar, dendê, mandioca. Um campo de cana-de-açúcar ou de dendê é uma das mais eficientes e rentáveis usinas solares existentes!
Aqui, ganhamos mesmo em culturas de ciclo curto (soja, milho, girassol), pois é possível garantir duas colheitas em um ano (safras de verão e inverno). Outros países tropicais poderiam produzir mais energia renovável. Mas não o fazem. Além da geografia, é fundamental usar uma tecnologia agrícola tropical inovadora – e, nisso, o Brasil é reconhecidamente um líder mundial.
A contribuição da agroenergia na matriz energética brasileira continuará crescendo. E já seria maior se políticas erráticas e erradas não tivessem vitimado o etanol.
O uso eficiente de resíduos e a integração produtiva levarão a novos saltos tecnológicos, como etanol de segunda geração e gaseificação de palhas. Com novas hidrelétricas em funcionamento, mais o crescimento da agroenergia, das eólicas e da energia fotovoltaica, o País poderá atingir 50% da matriz energética com fontes renováveis. Já somos uma das economias de mais baixo carbono do planeta. Podemos melhorar, mas os países desenvolvidos precisam avançar – e muito – na descarbonização de suas economias para chegar perto do que fazemos. Quando o assunto é meio ambiente, como enfatiza o atual ministro da Agricultura, o agronegócio brasileiro é muito mais solução do que preocupação.
Evaristo de Miranda, Chefe Geral da Embrapa Monitoramento por Satélite e Coordenador do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE)
A semente da redução do preço da gasolina conta com um terreno fértil para vingar? / NOTÍCIAS AGRÍCOLAS
Por Carla Mendes e André Bitencourt Lopes
Um novo número divulgado nesta sexta-feira, 23 de setembro, volta a afirmar a difícil situação da economia brasileira e do trabalho árduo que a mudança de direção vai exigir das autoridades nacionais daqui em diante. Segundo informações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a venda de combustíveis no país recuou 2% em agosto. O total, entre todos os produtos, foi de 74,37 milhões de barris comercializados.
O elevado índice de desemprego no Brasil, as vendas de carros travadas no país - com o setor automobilístico sendo um dos mais emblemáticos marcos da atual crise econômica - e uma mudança no padrão de consumo dos brasileiros diante desse quadro foram determinantes para o resultado. Então, sim, o motorista tem preferido abastecer com gasolina e andar mais quilômetros do que observar o valor unitário na disputa gasolina x etanol, por exemplo.
O levantamento da ANP confirma essa mudança ao indicar que, no mês passado, enquanto as vendas de etanol hidratado caíram 14% em relação a agosto de 2015, e somaram 8,5 milhões de barris, no mesmo período, as vendas de gasolina subiram 7,5% e totalizaram 22,25 milhões de barris. A palavra da vez é competitividade. Vende mais que atende melhor. Ao contrário do que aconteceu há um ano, afinal, a relação entre os dois combustíveis se inverteu e o etanol perdeu espaço.
Hoje, o preço do etanol é, em média, 68,5% do preço da gasolina, ainda como mostra um levantamento da agência, e essa relação ao chegar nos 70% reduz ainda mais essa competitividade, como mostra uma média nacional estudada não só pela ANP, como também pelas montadoras de veículos.
Enquanto isso, a Petrobras passa os dias refazendo suas contas e tentando colocar em ordem suas finanças quando, surpreendentemente, chega a notícia de que, ao mesmo tempo, uma redução no preço da gasolina estaria sendo estudado na estatal. A medida, que visa buscar um equilíbrio em relação à média de outros países, poderia ser anunciada até o final do ano. Pagamos afinal, uma gasolina 30% mais cara do que os gringos.
Se o impacto dessa decisão em todas as frentes em que pode ser sentido já foi avaliado é difícil dizer. A arrecação tributária do Brasil não pode sofrer com isso já que nossas contas não param de crescer e devemos ter um déficit primário histórico de mais de R$ 170 bilhões. E hoje, 38% do preço da gasolina são de tributos, sendo somente 28% vindos do ICMS. Dos 31% da margem atual da Petrobras, quanto permanece? Quanto os cofres da companhia sentirão, especialmente no presente momento? O endividamento da Petrobras hoje chega a R$ 397 bilhões.
Uma nova política está sendo estudada pelos diretores, baseada em uma flutuação que pudesse refletir mais as oscilações do dólar e do petróleo no mercado internacional, esse que também tem vivido dias difíceis e de falta de direção. As mudanças fazem muito sentido e o Brasil de fato precisa se adequar ao modelo. Mas estamos preparados para isso?!
Estamos com alternativas prontas para serem implementadas quando essa baixa chegar e pesar diretamente sobre o planejamento dos usineiros brasileiros? Ao baixar o preço da gasolina tipo A - que é adquirida por todas as refinarias - ao ser repassado para as bombas, o etanol poderia perder ainda mais sua competitividade, o que resultaria uma inevitável pressão sobre a receita das usinas. Até que ponto vai o lobby dos usineiros sobre o governo Temer? Até que ponto o bom momento para os preços do açúcar - dado o déficit mundial de oferta - compensa esse cenário? Vamos acompanhar.
As decisões da Petrobras, vale lembrar, não são decisões que têm o mesmo impacto de uma empresa comum. As medidas anunciadas pela estatal têm um peso ainda maior, e as últimas em questão, além de contarem com o objetivo de reestruturarem a empresa, carregam ainda a possibilidade de uma abertura do setor ao capital privado e, consequentemente, uma menor intervenção do estado. E ao decidir baixar o preço da gasolina - bem como aumentá-lo, eventualmente, diante dos cenários e necessidades - a Petrobras carrega uma influência sobre os rumos da economia do Brasil. Principalmente agora.
O combustível "mais barato" poderia pressionar muito menos a inflação nacional, que também precisa de socorro urgente. E o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em um evento realizado nesta semana, sinalizou a necessidade deste socorro ganhar a atenção merecida, começando a citar a possibilidade forte de uma redução da taxa de juros no país. A continuidade dessa avaliação passará, certamente, pelo índice inflacionário. Assim, um mãozinha da gasolina não seria nada mal.