Na FOLHA (exclusivo): Crise faz Dilma explodir: "Eu não vou pagar pela merda dos outros"...

Publicado em 12/07/2015 04:41
Petista perguntou ao ministro da Justiça se ele não poderia ter segurado homologação de delação no Supremo, por NATUZA NERY e MARINA DIAS, da FOLHA DE S. PAULO EM BRASÍLIA

Crise faz presidente demonstrar irritação

Lançamento de suspeitas sobre campanha à reeleição fizeram Dilma ter explosão de fúria com auxiliares em junho

 

Agitada, andando em círculos e gesticulando muito, a presidente Dilma Rousseff olhou para os auxiliares e bradou, indignada: "Não sou eu quem vai pagar por isso. Quem fez que pague".

Ela estava furiosa. "Não devo nada para esse cara, sei da minha campanha", afirmou, referindo-se às suspeitas lançadas pelo empresário Ricardo Pessoa sobre as doações à sua campanha à reeleição.

Batendo com força a palma de uma mão na outra, Dilma insistiu: "Eu não vou pagar pela merda dos outros". Ela não disse a quem se referia, e ninguém achou que era conveniente perguntar.

A explosão de fúria da presidente ocorreu na noite da última sexta-feira de junho, dia 26, na biblioteca do Palácio da Alvorada, durante uma reunião convocada às pressas por Dilma para discutir as revelações de Ricardo Pessoa.

Dono da empreiteira UTC, ele aceitou colaborar com as investigações da Operação Lava Jato em troca de uma pena menor. O empresário diz que pagou propina e fez doações eleitorais para facilitar seus negócios com a Petrobras.

Pessoa deu R$ 7,5 milhões para a campanha de Dilma no ano passado. Foi tudo declarado à Justiça Eleitoral, mas ele disse que só fez a contribuição porque tinha medo de perder seus contratos na estatal se não ajudasse o PT.

O empreiteiro afirmou que tratou da doação com o então tesoureiro da campanha de Dilma, o petista Edinho Silva, hoje ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto.

Pessoa também lançou suspeitas sobre uma doação eleitoral feita em 2010 a outro ministro de Dilma, Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, que naquele ano concorreu pelo PT ao governo do Estado de São Paulo.

Edinho confirma que se encontrou com Pessoa para tratar de doações na campanha, mas nega ter feito qualquer ameaça ao empreiteiro. Mercadante diz que todas as doações que recebeu de Pessoa foram declaradas à Justiça.

CULPA

Na noite de 26 de junho, a presidente reuniu-se no Alvorada com Mercadante, Edinho, o assessor especial Giles Azevedo e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o auxiliar sobre quem recaiu quase toda a culpa na reunião.

As revelações de Pessoa contribuíram para aprofundar a crise política enfrentada por Dilma. Nesta semana, ele deve depor ao Tribunal Superior Eleitoral, que conduz uma investigação sobre a campanha da reeleição.

Os relatos da conversa que a presidente teve com seus auxiliares em 26 de junho foram colhidos pela reportagem com testemunhas do encontro e petistas que souberam depois o que aconteceu.

Dilma cobrou Cardozo por não ter impedido que as revelações de Pessoa viessem a público dias antes de sua visita oficial aos Estados Unidos, num momento em que a presidente buscava notícias positivas para reagir à crise.

"Você não poderia ter pedido ao Teori [Zavascki] para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a delação?", perguntou, referindo-se ao ministro que conduz os processos da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal).

"Isso é uma agenda nacional, Cardozo, e você fodeu a minha viagem", acrescentou a presidente. Dilma embarcou no dia seguinte para os Estados Unidos, onde passou cinco dias e se encontrou com o presidente Barack Obama.

Cardozo tem sido cobrado por petistas por não controlar a Polícia Federal, que atua na Lava Jato e é subordinada ao Ministério da Justiça, mas tem autonomia operacional.

'VAZAMENTO SELETIVO'

Na reunião com Dilma no Alvorada, um dos ministros reclamou que ninguém, nem a PF, nem o Ministério Público, parecia ter questionado Ricardo Pessoa sobre suas doações eleitorais ao PSDB.

Surgiu daí uma orientação para levantar nos registros da Justiça Eleitoral os valores das doações recebidas pelos tucanos, além da palavra de ordem adotada pelos petistas nos dias seguintes: "Vazamento seletivo".

A presidente voltou a exibir irritação em outros momentos desde então. Nos Estados Unidos, ela comparou os delatores da Lava Jato a presos políticos que traíram os companheiros após sofrer tortura na ditadura militar.

Na última segunda-feira (6), em entrevista à Folha, Dilma insistiu na comparação, desafiou os adversários a tentar impedi-la de concluir seu mandato e foi enfática: "Eu não vou cair".

 

BERNARDO MELLO FRANCO

Agosto, de novo

BRASÍLIA - No poema de T. S. Eliot, abril é descrito como o mais cruel dos meses. Na história brasileira, o título pertence a agosto. O mês assistiu ao suicídio de Getúlio, à renúncia de Jânio e à morte de JK. Em 2015, será decisivo para apontar o desfecho, ainda incerto, da crise que engoliu o governo Dilma.

Em 16 de agosto de 1992, a classe média foi às ruas de preto para pedir o impeachment de Collor. A oposição escolheu a mesma data para as novas manifestações contra a petista. A esquerda também prepara atos "contra o golpismo" para o dia 20, com a participação de sem-terras, sem-tetos, petroleiros e sindicalistas.

As marchas ameaçam elevar a temperatura da crise até o ponto de ebulição. Nos dois lados, começam a surgir temores de que o Brasil siga o caminho da Venezuela, com a radicalização de posições e a possibilidade de confrontos nas ruas.

Se a tensão resultar em violência, será um retrocesso. Após longas décadas de instabilidade, o país finalmente aprendeu a resolver suas diferenças nas urnas, de forma pacífica e respeitando as instituições e o calendário eleitoral.

Agosto também será decisivo para o futuro da Lava Jato. No dia 5, o Ministério Público elege a lista tríplice para a sucessão do procurador-geral da República. A permanência de Rodrigo Janot dependerá do aval de Dilma e de votação secreta no Senado, que já tem 15 integrantes sob investigação no STF.

O procurador guarda duas cartas na manga: as denúncias contra os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros. Além de liderar a oposição informal à presidente, ambos estão na linha sucessória caso ela seja impedida.

A bancada do PMDB na Câmara dobra a aposta no naufrágio de Dilma. "O governo acabou, já estamos assistindo ao velório. A dúvida agora é a data do enterro", diz o deputado baiano Lúcio Vieira Lima.

 

SAMUEL PESSÔA

A situação se complica

Temos uma dinâmica política disfuncional. Todos querem distância do ajuste econômico

O ministro Levy sempre deixou claro que o regime de política econômica em vigor nos seis anos anteriores, de 2009 até 2014, conhecido por nova matriz econômica, constituiu um erro e que sua função era corrigir o rumo.

A correção dos erros da nova matriz abre espaço para a convergência da inflação para a meta, para se avançar no equilíbrio externo, com redução do deficit de transações correntes, e para coordenar a política de combate à inflação, a política monetária, com a política fiscal e a parafiscal (crédito dos bancos públicos, principalmente).

Seis meses de política econômica consistente já sinalizam inflação na meta em 2017.

Adicionalmente, a correção dos erros microeconômicos da nova matriz --preços congelados, desonerações que não estimulam a eficiência, fechamento da economia, estímulo a inúmeros setores que somente sobrevivem com subsídios do BNDES etc. --pavimenta o caminho para que, em alguns anos, retomemos o crescimento de 2% a 2,5% ao ano.

No entanto, não é atribuição do ministro da Fazenda a construção de superavit primário que consiga estabilizar a dinâmica da dívida pública. O que venho chamando de "contrato social da redemocratização", a expansão de direitos, transferências e outros gastos sociais, requer que a despesa pública cresça 0,3 ponto percentual do PIB todo ano. A construção de política fiscal que seja sustentável no longo prazo é atribuição do Congresso Nacional.

Na primeira década do século, não sentimos a inconsistência desse contrato, pois a receita pública cresceu a taxas muito superiores à taxa de crescimento do produto da economia. Penso que a dinâmica da receita nos próximos anos será normal, isto é, ela deverá crescer à mesma taxa de crescimento do produto.

A presidente foi eleita praticando o maior estelionato eleitoral de nossa vida republicana. A profundidade do estelionato dificulta a construção de consensos em torno da arrumação de casa.

O partido da presidente tenta se distanciar ao máximo dela como que para não se contaminar com a impureza do ajuste. O próprio ex-presidente Lula, visto por muitos como artífice da ida de Levy para a Fazenda e do ajuste econômico, lança sinais dúbios, em uma clara tentativa de salvar sua possível candidatura em 2018.

A oposição, muito machucada com o vale tudo da campanha, resolveu atacar de oposição ao estilo petista, indo contra, inclusive, ao seu legado mais importante, a responsabilidade fiscal.

O enredo que geraria dinâmica parlamentar construtiva seria reconhecimento explícito pela presidente dos erros e da necessidade de ajustar e o apoio incondicional das forças políticas petistas ao diagnóstico e ao ajuste. Este passo criaria espaço para a cooperação da oposição.

O que temos é uma dinâmica política disfuncional. Todos querem distância do ajuste econômico. O PMDB pensa em abandonar a coordenação política; o PSDB virou populista; ambos, PMDB e PSDB, fazem as contas sobre o possível impedimento da presidente.

Os petistas sinalizam que, se as conversas do impedimento evoluírem, forçarão uma guinada da política econômica em direção ao populismo bolivariano.

A queda da presidente não produzirá superavit primário de 2,5% do PIB. Se tudo der certo o crescimento anual médio no quadriênio será de 0,5%, abaixo do crescimento populacional.

Difícil entender por que algum grupo político desejaria esta batata quente!

 

HENRIQUE MEIRELLES

China, a nova grande marcha

Enquanto a crise grega concentrava a atenção mundial, os mercados chineses foram sacudidos por intensa volatilidade e venda de ações por parte de investidores nacionais e estrangeiros, preocupados com o valor real das empresas e a desaceleração da economia do país.

A China tem dezenas de milhões de investidores individuais em ações, parte do processo de abertura gradual da economia. É sinal de sucesso na transformação de uma economia totalmente governamental para uma cada vez mais regida pela lei de oferta e procura dos mercados. Por outro lado, a dimensão do mercado chinês, em volume e número de investidores, dificulta cada vez mais seu controle pelo regime, que atuou para sustentar o preço das ações das grandes empresas nos últimos dias.

Em reuniões de trabalho no país, é sempre impressionante e animador ver o nível de atenção e esforço dos chineses. É uma cultura que valoriza e qualifica o trabalho, mas praticamente não há direitos trabalhistas. O país empreende o que deve ser um dos maiores investimentos concentrados em educação da história. Realiza também gigantescos programas de investimentos em infraestrutura, produção, produtividade e, mais recentemente, estímulo ao consumo.

As bases dessa transformação econômica são a grande capacidade de trabalho da população, o grande número de trabalhadores, o impressionante nível da poupança e a capacidade de investimento --a infraestrutura sendo o exemplo mais visível. Mas o momento da China é delicado. O governo segue tentando direcionar as grandes variáveis dos mercados apesar da transferência crescente de poder dos burocratas para os compradores e vendedores de bens e serviços atuando nesses mercados.

Esse é um processo sem volta. As limitações da intervenção estatal ficarão cada vez mais evidentes, principalmente pelas distorções que causa. Apesar da recuperação das ações na sexta-feira (10), os investidores têm preocupação crescente de distinguir no preço de uma ação o quanto é valor da companhia e o quanto é resultado das intervenções do governo. O medo é visível depois dos excessos e equívocos em diversas áreas.

Por maior que seja a capacidade de investimento e poupança da China, a expansão de sua economia torna o direcionamento estatal cada vez menos eficiente e mais difícil.

Existem exemplos, em escala muito menor, de transições bem-sucedidas, como Cingapura, que era uma economia totalmente direcionada por um governo autocrático, realizou abertura política e econômica e hoje é próspera e afluente.

Na China, isso tudo ocorre em dimensão gigantesca, e sua evolução para uma economia de mercado, com soluços e volatilidade, será determinante para a economia global.

Fonte: Folha de S. Paulo

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