Na FOLHA: Crise no Brasil vai piorar antes de melhorar, diz editorial do 'Financial Times'

Publicado em 23/03/2015 06:46
na edição esta segunda-feira

Em editorial publicado neste domingo (22), o jornal inglês "Financial Times" falou sobre a crise econômica e política do Brasil e questionou o poder das instituições nacionais em lidar com o momento.

O texto alerta para a recessão econômica prevista para este ano e afirma que a "crise do Brasil é ruim e vai piorar antes de melhorar. Mas ainda assim poderia ser pior". O jornal enumera problemas da gestão de Dilma na economia, cita o escândalo da Petrobras, os protestos contra o governo e a desvalorização do real em relação ao dólar para mostrar a situação do país. "A maior parte da culpa é do próprio Brasil", diz o editorial.

Citando países como Chile, Colômbia e Peru, o "Financial Times" diz que outras economias que também aproveitaram o "boom das commodities" continuam crescendo e não sofrem com a mesma ressaca brasileira.

"Não está tudo ruim para o Brasil, porém. O país ainda está muito longe de voltar à superinflação e suas instituições estão bem, especialmente o judiciário", afirma o editorial, que lembra do Mensalão e da Lava Jato ao citar políticos e empresários de peso que foram presos, "algo impensável alguns anos atrás".

O jornal conclui brincando com o clichê do "país do futuro" dizendo que, apesar dos problemas, o Brasil ainda tem um futuro pela frente.

NEW YORK TIMES

Neste fim de semana, o jornal "The New York Times" também publicou um editorial sobre a situação política e econômica do Brasil. No texto o jornal americano diz que "sob Dilma, a voz do Brasil virou um sussurro".

 

SAMUEL PESSÔA

Crescimento forte irá demorar

Matriz econômica de 2009 a 2014 desorganizou marcos institucional e legal, de jeito que é difícil ser otimista

Como já tratei inúmeras vezes neste espaço, a presidente alterou a política econômica na virada do primeiro para o segundo mandato. O ingrediente mais importante do ajustamento no início desta segunda metade do governo Dilma é um forte ajuste fiscal.

Há a expectativa de que, solucionado o desequilíbrio macroeconômico, o crescimento retornará logo. Dois episódios justificam esse otimismo: a recuperação em seguida à alteração do regime cambial na virada do primeiro para o segundo mandato de FHC, na qual já em 2000 a economia cresceu 4,3%; e a retomada em 2004, em seguida ao forte ajustamento macroeconômico na virada do governo FHC para o primeiro governo Lula, quando o crescimento foi de 5,7%.

Penso não haver muitos motivos para otimismo em relação ao crescimento da economia nos próximos anos --mesmo em seguida à arrumação dos desequilíbrios macroeconômicos-- em razão de uma diferença-chave entre o atual ajuste macroeconômico e os dois anteriores.

Essa diferença associa-se ao ocorrido no regime de política econômica, principalmente microeconômica, nos anos anteriores ao ajuste macroeconômico.

Os dois ajustes macroeconômicos anteriores ocorreram durante longo período no qual havia contínua evolução no marco institucional e legal. Além da melhora, aos trancos e barrancos, é verdade, da macroeconomia, aprimorávamos continuamente a microeconomia.

A forte aceleração do crescimento nesses dois episódios, após ano e meio ou dois anos do início do ajustamento macroeconômico, foi a colheita das melhoras institucionais que não se faziam sentir devido à desorganização macroeconômica. A arrumação da macroeconomia correspondia a tirar um bode da sala. O crescimento seguia-se naturalmente.

Esse fenômeno não irá ocorrer agora. O motivo é que a nova matriz econômica, o regime de política econômica que vigorou de 2009 até 2014, desorganizou o marco institucional e legal em diversos setores, além de, em tantos outros, ter estimulado sobreinvestimentos com retornos negativos ou muito baixos. Haverá um longo período de digestão dos investimentos ruins e de arrumação dos diversos marcos institucionais e legais que foram desorganizados.

Em termos históricos, estamos num momento que, guardadas as devidas proporções (muito melhores hoje do que antes), assemelha-se à década de 80. Naquela oportunidade, tivemos de arrumar toda a desorganização microeconômica produzida pelo segundo PND do governo Ernesto Geisel e os cinco anos do governo João Figueiredo, que empurrou com a barriga os desequilíbrios geiselistas.

Um bom exemplo desse tipo de problema nos dias de hoje ocorre no setor automobilístico. A indústria brasileira passou a sentir a competição das novas montadoras chinesas. A resposta foi aumentar em 30 pontos percentuais o IPI para os automóveis produzidos fora do Mercosul de montadoras que não cumprissem uma série de requerimentos de produção no Brasil.

A resposta das montadoras, principalmente as chinesas, foi instalar-se por aqui. Criou-se um parque produtivo e em crescimento de 5 milhões de veículos anuais para um mercado consumidor que dificilmente absorverá mais do que 2,5 milhões, 3 milhões de veículos por ano. A indústria automobilística brasileira encolherá fortemente nos próximos anos.

Além dos prejuízos para as montadoras, haverá forte perda para inúmeros trabalhadores que foram treinados para o setor e terão que se reinventar em outras atividades.

Muito melhor teria sido se, há uns dez anos, tivéssemos aprofundado a abertura do setor. Ele teria que encontrar nichos nas cadeias produtivas globais da indústria nos quais fôssemos competitivos e hoje teríamos uma indústria menor, provavelmente metade do tamanho, mas que conseguiria andar com suas próprias pernas.

O que ocorre nesse setor acontece também na indústria naval, no setor de petróleo, na construção civil, no setor sucroalcooleiro e em tantos outros. Sentiremos o peso dos erros do passado. O crescimento robusto demorará a aparecer.

 

Ganho real de salário fica distante, e sindicatos e centrais já reagem

Com a expectativa de a inflação acumulada em 12 meses bater na casa dos 9% no segundo semestre deste ano, o aumento real deve ficar mais distante do bolso do trabalhador. A projeção da inflação foi feita por consultorias e considera o INPC, o indicador mais usado nas negociações salariais.

Sindicatos e centrais já se mobilizam em reação a esse cenário mais desfavorável.

Campanhas de diferentes categorias profissionais estão sendo unificadas, paralisações setoriais estão sendo planejadas, abonos e benefícios podem ser incluídos nos acordos salariais para ajudar a recompor o ganho real.

Não só a inflação mais elevada, mas o aumento de demissões e da taxa de desemprego devem dificultar as negociações entre empresários e trabalhadores.

"O fraco desempenho da economia deve bater mais forte no mercado de trabalho neste ano, sobretudo na indústria e na construção civil, pondo os sindicatos na defensiva", diz o economista Fábio Romão, da consultoria LCA.

No ano passado, o setor industrial perdeu 185 mil vagas com carteira assinada. Neste, deve fechar mais 100 mil a 150 mil vagas, segundo preveem alguns analistas.

"Com aumento de juros e energia, fim da desoneração da folha de pagamento e incertezas na crise hídrica, é bem difícil falar em aumento real", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp e representante das indústrias do setor plástico.

Na construção civil, houve redução de 216 mil empregos entre janeiro deste ano e o mesmo mês de 2014.

Em fevereiro, o emprego na construção também sofreu impacto da operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção envolvendo a Petrobras e empresas que prestam serviços à estatal.

Os sindicatos que representam os trabalhadores da construção já discutem como manter direitos e avançar nos benefícios. "Este ano não será fácil para nenhum setor, e na construção não será diferente, com a atual situação do país. Mas não podemos abrir mão de direitos adquiridos", diz Antonio de Sousa Ramalho, que representa a categoria em São Paulo.

Em 2014, os ganhos reais (acima da inflação) superaram os de 2013, de acordo com o resultado de 716 acordos salariais analisados pelo Dieese.

"No ano passado, o desemprego se manteve baixo e havia disputa por mão de obra mais qualificada em alguns segmentos. Isso corroborou para que o rendimento médio real crescesse", diz o economista Fabio Silveira, diretor da consultoria GO Associados. Os rendimentos subiram 3,6% acima da inflação em 2014. A previsão neste ano é ficar ao redor de 1,4%.

A tendência para este ano, dizem os técnicos do Dieese, é haver um maior número de negociações que somente reponham a inflação.

No ramo farmacêutico, os sindicatos já receberam contraproposta dos empresários que prevê a correção dos salários apenas com a inflação. São 25 mil empregados em São Paulo que pedem 5% de aumento real.

"Não adianta aprovar em assembleia uma pauta que pede 10%, 20% de aumento real e depois frustrar a categoria com aumento de 1%. As pautas têm de ser realistas e considerar a produtividade de cada segmento", diz Edson Dias Bicalho, secretário-geral da Fequimfar, federação que representa químicos e farmacêuticos.

ESTRATÉGIAS

Uma das alternativas já em discussão na Força Sindical para conseguir "arrancar" reajustes maiores é buscar unificar as campanhas de diferentes categorias e entre centrais sindicais.

"Se a previsão é ter inflação acumulada mais alta no segundo semestre, vamos propor mobilização conjunta entre as categorias com data-base nesse período, como metalúrgicos", afirma Miguel Torres, que comanda a central.

Comerciários ligados a quatro centrais (CUT, Força, UGT e CTB), que representam cerca de 10 milhões de empregados no país, se reuniram na quinta-feira (19) para definir ações em conjunto para pedir piso salarial unificado e participação nos lucros, além de formas para buscar aumento real.

"O fim da isenção do IPI para a linha branca e automóveis deve trazer impacto nas negociações", diz Nilton Neco, presidente do sindicato dos comerciários em Porto Alegre.

Cerca de 30 mil garis de 130 cidades paulistas ameaçam entrar em greve a partir desta segunda. Segundo a federação da categoria, ligada à UGT, o pedido é de 5% de aumento real. Os empregadores oferecem pagar a inflação.

GRATIFICAÇÃO E ABONO SÃO SAÍDA EM ANO RUIM

Em anos considerados mais difíceis para as negociações salariais, a tendência é crescer o pagamento de reajustes de forma parcelada, a concessão de abonos para complementar a correção dos salários e gratificações que não são incluídas como custo fixo na folha de pagamento das empresas.

Editoria de Arte/Folhapress
 

"Há várias formas de negociar o reajuste para que o poder de compra do trabalhador não seja afetado", diz João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.

Em 2003, considerado o pior ano para as negociações salariais, segundo o Dieese, quase 30% dos 556 acordos feitos previam parcelamento da correção. Nessa ocasião, 58% dos reajustes ficaram abaixo da inflação.

As condições do país são diferentes dessa época, mas a tendência pode ser de, neste ano, haver outras formas de os sindicatos buscarem o aumento. Segundo os técnicos do Dieese, greves também não estão descartadas. "Em períodos de economia mais fraca, as greves tendem a ser defensivas, para manutenção de direitos", diz José Silvestre Prado de Oliveira, do Dieese.

Com crise ou sem crise na economia, as empresas resistem em conceder aumento real, afirma Sérgio Nobre, secretário-geral da CUT. "Arrochar salários não é o caminho. O repasse da inflação é sagrado, e o ganho real ajuda a manter a economia aquecida e as empresas a lucrarem mais." 

 

 

 

Racionamento de energia é quase inevitável, afirmam especialistas

Governo praticamente descarta medida, mas consultorias dizem que risco é superior a 60%

Baixo nível dos reservatórios demanda cortes, mas governo aposta em chuvas e na redução do consumo

TATIANA FREITASDE SÃO PAULO

Apesar de o governo praticamente descartar um racionamento de energia neste ano, especialistas do setor afirmam que essa possibilidade existe, e não é remota.

Dados do próprio ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) indicam a probabilidade de um racionamento. Simulação da consultoria Thymos, feita com dados do ONS, mostra que a chance haver um corte de 5% na carga é de 24%.

"Mas os números do ONS são muito otimistas. Na nossa visão, há 60% de chance de um racionamento superior a 5%", diz João Carlos Mello, presidente da Thymos. A análise considera o quadro recessivo da economia. "Se o país estivesse crescendo, a situação seria ainda mais grave."

A consultoria PSR estima um risco de racionamento de 95% para as regiões Sudeste e Sul. "Isso indica que, em pouquíssimos cenários hidrológicos, não seria preciso ter um corte na carga", diz Priscila Lino, consultora da PSR.

A equipe da consultoria aponta que é necessário reduzir a demanda em 6% ante 2014 para chegar ao fim do ano com os reservatórios acima de 10%, nível considerado o mínimo adequado.

Para Luiz Pingelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ, seria "prudente" se o racionamento já tivesse em vigor. "Temos mais um mês de chuvas. Se elas não forem abundantes, será necessário decretá-lo."

Apesar das chuvas recentes, os reservatórios ainda estão muito baixos para essa época. Segundo Pinguelli, o nível mínimo satisfatório é de 30% até o final de abril, quando começa o período seco.

No Sudeste/Centro-Oeste, responsável por 70% da capacidade de armazenamento do país, os reservatórios estavam em 24% da capacidade na quinta (19). Em março de 2014, estava em 36%.

Para que os reservatórios atinjam 30% em um mês, é preciso que as precipitações fiquem acima da média histórica --probabilidade remota, segundo climatologistas.

"As chuvas devem ficar na média em abril, maio e junho. Não serão suficientes para reverter o quadro atual", afirma Bianca Lobo, meteorologista da Climatempo.

O Ministério de Minas e Energia informou que "devido à grande variabilidade das afluências aos reservatórios no chamado 'período úmido', que vai de dezembro a abril, análises mais conclusivas sobre o sistema elétrico serão obtidas ao fim deste período".

Além de torcer por chuvas acima da média, o governo aposta que a crise econômica e o tarifaço reduzirão o consumo de energia em 2015, evitando o racionamento e um maior desgaste político.

 

HENRIQUE MEIRELLES

Raízes do (novo) Brasil

Os problemas do Brasil têm raízes profundas.

Depois do fracasso de quase todas as capitanias hereditárias, Portugal nomeou no século 16 o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa.

Como naquela época todas as propriedades eram da coroa, e praticamente todos os portugueses aqui morando trabalhavam para ela, estabeleceu-se um regime estatista já na origem da nossa economia.

O Brasil começou como uma gigantesca estatal. Para atender aos seus funcionários, o governador-geral criou uma intendência que fornecia tudo aos habitantes da colônia: comida, remédios, mantimentos etc.

Tomé de Sousa achou por bem escolher uma pessoa de sua total confiança para a função de intendente --seu criado de quarto. Apesar do salário muito baixo, ele logo adquiriu considerável fortuna. E construiu a primeira boa residência de Salvador, onde recebia os poderosos.

Tomé de Sousa só se aborreceu com uma coisa --a casa do intendente era melhor do que a sua. Problema que o intendente resolveu construindo para ele uma nova e confortável residência.

Com suas relações com o governador, o intendente progrediu e chegou a ter uma fazenda que ia de Salvador a Sergipe, com mil km de profundidade entre litoral e interior. Por muito tempo, ele foi o homem mais rico do Brasil e, a partir daí, estabeleceu nobre descendência.

Uma das casas onde morou hoje dá o nome a um praia perto de Salvador, a Praia do Forte, e ele virou ainda nome de rua em Ipanema --a rua Garcia d'Ávila. Alguns de seus nobres descendentes também viraram nomes de rua no mesmo bairro.

Essa história dá uma visão muito clara da formação do país, de sua cultura, sua estrutura de governo, do excesso de Estado e da gênese das questões éticas atuais.

O Brasil se desenvolveu muito desde então. Absorveu novas levas de imigrantes ao longo dos séculos e se transformou lentamente numa sociedade industrial moderna.

Essa sociedade hoje cobra valores diferentes e demanda uma economia mais eficiente e produtiva, com regras competitivas que gerem aumento da produção, da riqueza e do padrão de vida da população. Cobra também um governo ético e transparente que reflita o amadurecimento do país, o crescimento de sua economia e a ascensão de uma classe média numerosa, mais instruída e exigente.

Essa evolução provoca hoje um choque de valores com o Brasil do passado e uma verdadeira perplexidade nacional.

A reação da população demandando ética, transparência e trabalho eficiente mostra que finalmente o Brasil começa a chegar ao mundo moderno e a vislumbrar novamente um futuro que parecia perdido nos últimos anos depois do declínio gerado pela "nova matriz econômica" e pelo aumento excessivo do Estado.

Fonte: Folha de S. Paulo

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