Na FOLHA: "Não somos ladrões", diz Gilberto Carvalho, aliado de Lula
'Não somos ladrões', diz aliado de Lula ao deixar o governo
Gilberto Carvalho afirmou que os que 'caíram nos erros' foram punidos
Ministro saiu da Secretaria-Geral da Presidência e vai assumir Conselho Nacional do Sesi
DE BRASÍLIA
Ao entregar nesta sexta (2) o cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, o petista Gilberto Carvalho reconheceu erros do partido no processo do mensalão mas ressaltou que petistas não são "ladrões".
"A política é feita pra servir. Estou muito feliz porque a imensa maioria dos nossos companheiros, dos nossos ministros, dos nossos assessores, trabalha aqui por amor, trabalha aqui para servir. Nós não somos ladrões", afirmou.
Ele admitiu que há no governo "aqueles que tombaram, que caíram nos erros". "Mas, diferentemente de antes, cada um de nós companheiros que cometeu um erro foi punido, pagou um preço, doloroso para nós, mas pagou um preço", afirmou.
No fim de 2013, petistas históricos foram presos por causa da condenação no processo do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal). Entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a 7 anos e 11 meses por corrupção ativa, mas que cumpre pena em regime aberto, podendo passar as noites em casa.
Visivelmente emocionado, Gilberto Carvalho, que foi chefe de gabinete do ex-presidente Lula antes de ocupar por quatro anos a Secretaria-Geral da gestão Dilma Rousseff, disse que ninguém deve "levar desaforo para casa".
"Eu volto para casa depois de 12 anos para minha quitinete rural e pro meu apartamento, que fiquei devendo pro Banco do Brasil durante 19 anos. (...) Desafio a acompanharem a evolução patrimonial de nossos ministros. Nós temos dignidade", declarou.
Citando o termo quadrilha, Carvalho deu declarações que depois explicou serem uma resposta ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), adversário de Dilma na última eleição, que afirmou ter perdido para uma "organização criminosa".
"A quem disse que perdeu a eleição para uma quadrilha, eu quero responder dizendo que essa é a nossa quadrilha. Para eles pobre é quadrilha, é essa a quadrilha dos pobres que foi injustamente marginalizada e agora está sendo tratada com um mínimo de dignidade. Com muito orgulho eu quero dizer: eu pertenço a essa quadrilha e vamos continuar mudando o país".
LAVA JATO
Carvalho fez uma homenagem ao ex-ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken, absolvido no mensalão, a quem classificou como "pessoa extremamente injustiçada, que morreu sem ser reconhecida".
"Não temos que ter medo nem vergonha de ninguém", disse.
Em seu discurso, o petista não fez referência ao atual escândalo de corrupção na Petrobras revelado pela Operação Lava Jato.
Carvalho assumirá o comando do Conselho Nacional do Sesi, passando a pasta para Miguel Rossetto, que estava à frente do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Ex-ministro foi acusado de arrecadar propina
DE SÃO PAULO
À frente da Secretaria-Geral da Presidência durante todo o primeiro governo Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho era o auxiliar mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Amigo pessoal e homem de confiança do ex-metalúrgico, ocupou a chefia de gabinete do Palácio do Planalto de 2003 a 2010.
O ex-ministro foi acusado pelos irmãos de Celso Daniel, prefeito de Santo André (SP) assassinado em 2002, de participar de esquema de arrecadação de propina para o PT junto a empresas que prestavam serviços para o município.
Carvalho era, na época, secretário de Comunicação e de Governo de Daniel e teria admitido o transporte de valores que seriam entregues ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado pelo Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão.
Também condenado no mesmo processo, o empresário Marcos Valério afirmou ao Ministério Público Federal que o PT lhe pediu dinheiro para silenciar pessoas ligadas ao assassinato do prefeito de Santo André.
O ex-presidente Lula e Gilberto Carvalho teriam sido chantageados em 2003 por figuras suspeitas de participar do crime.
À época, Carvalho negou as acusações e disse que Valério estava "desesperado".
Ex-secretário nacional de Justiça durante o governo Lula, Romeu Tuma Jr. também acusou Carvalho de envolvimento no esquema de desvio de recursos em Santo André e de encomendar dossiês contra adversários do governo petista.
Não perca: no vídeo, a deputada Mara Gabrilli interpela Gilberto Carvalho sobre o caso Celso Daniel e acusa ‘o homem do carro preto’ de repassar a José Dirceu o dinheiro extorquido de empresários
PUBLICADO EM 10 DE ABRIL
“Faz muitos anos que eu queria olhar nos olhos do senhor e fazer essas perguntas”, disse a deputada Mara Gabrilli em meio à interpelação que interrompeu a procissão de platitudes que o ministro Gilberto Carvalho desfiava, no fim da tarde desta quarta-feira, durante a sessão da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Por mais de seis minutos, a parlamentar do PSDB paulista acuou o secretário-geral da Presidência com a evocação de perturbadoras agravantes que envolvem o assassinato do prefeito Celso Daniel, ocorrido em janeiro de 2002. Tentando controlar a emoção que em alguns momentos embargou a voz sempre suave, a deputada que um acidente de carro imobilizou na carreira de rodas abriu a ofensiva com a história do pai, dono de uma empresa de ônibus.
Vítima do esquema corrupto montado na prefeitura de Santo André para extorquir empresários do setor, e irrigar com boladas de bom tamanho as campanhas eleitorais do PT, ele era pressionado todos os meses “por uma gangue” ─ liderada, segundo Mara, por Klinger de Souza (subsecretário de Celso Daniel), Ronan Pinto (hoje proprietário do Diário do Grande ABC) e Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, denunciado pelo Ministério Público como mandante do crime. “O senhor sempre foi conhecido como o homem do carro preto”, disse a deputada ao ministro. “Era a pessoa que realmente pegava essa coleta de dinheiro extorquido de empresários e levava para o capo, como era conhecido o José Dirceu. Isso eu não li. Isso eu vivenciei”.
Depois de invocar os testemunhos dos irmãos de Celso Daniel e o depoimento de Romeu Tuma Junior, ex-secretário nacional de Justiça, publicado no livro “Assassinato de Reputações”, a deputada seguiu alternando acusações e cobranças. Quis saber se Carvalho também acha que os fins justificam os meios e estranhou o descaso do ministro pelo esclarecimento de um episódio que comoveu e continua intrigando o país inteiro. “Por que o senhor não ajuda a apressar o julgamento do Sombra?”, perguntou, identificando pelo apelido o réu Sérgio Gomes da Silva, processado como mandante do assassinato. “O senhor não se incomoda com isso?”
Desconcertado, Carvalho reprisou o palavrório que recita há mais de dez anos. Alegou que “foi a Polícia Civil de São Paulo comandada pelo PSDB” que reduziu a crime comum uma execução encomendada. Como fez há três meses, prometeu acionar judicialmente Romeu Tuma Junior. E jurou que ninguém sofreu tanto quanto ele com a morte do “amigo e mestre” Celso Daniel. Caprichando na pose de quem acabou de chegar ao velório, declamou mais de uma vez o mantra predileto: “Isso dói”.
Certamente doeu mais a surra verbal que levou de Mara Gabrilli.
(por Augusto Nunes, de veja.com)
DEMÉTRIO MAGNOLI
O minuto proibido
Na Cuba castrista, o microfone não pode ser aberto para a expressão de indivíduos sem credenciais
"Tania Bruguera, sentada em um banco da delegacia de polícia da rua Acosta, parecia estar realizando a melhor performance de sua carreira artística", escreveu Reinaldo Escobar, editor da publicação digital 14ymedio, único diário independente produzido em Cuba. No penúltimo dia do ano, as detenções da artista e de inúmeros ativistas que acorreram à Praça da Revolução para assistir "O sussurro de Tatlin" revelaram o traçado exato da fronteira da liberdade de expressão na Ilha. As vozes estritamente proibidas são as das pessoas comuns -os "cubanos a pé", como se diz por lá.
Bruguera não se ajusta à caricatura castrista dos anticastristas de Miami. Formada em Cuba e pós-graduada nos EUA, ela fundou o programa Arte do Comportamento do Instituto Superior de Arte de Havana e lecionou em universidades de Chicago e Veneza. Em 2011, deflagrou em Nova York uma campanha artística contínua pelo respeito aos direitos dos imigrantes. Antes, em março de 2009, provocou controvérsia durante uma performance no Centro Wifredo Lam, em Havana, ao convidar os espectadores a usar o microfone para dizer o que quisessem durante um minuto. O governo cubano qualificou a apresentação como um ato "anti-cultural" de "vergonhoso oportunismo".
Era essa performance que Bruguera pretendia reeditar no dia 30. Diante do veto policial ao uso da Praça da Revolução, ela tentou negociar a liberação das escadarias do Museu de Belas Artes, antes de ser detida em seu apartamento, conduzida à delegacia e vestida em uniforme de presidiária. "Neguei-me a falar com eles e a comer", explicou a artista logo após a liberação, à qual se seguiria uma segunda detenção na qual ficou sabendo que enfrenta processo por "causar distúrbios públicos" e está proibida de deixar Cuba. No fim, como constatou Yoani Sánchez, "o ato artístico se realizou", pois Bruguera "desvelou a trama de censura, covardia cultural e repressão que imobiliza a vida cubana".
A ditadura castrista crisma os dissidentes com o epíteto ofensivo de "gusanos" (vermes). Hoje, contudo, a expressão dos dissidentes internos não é vetada, mas controlada. Pelas brechas abertas no edifício totalitário, as vozes de Bruguera, de Yoani e de tantas outras figuras podem ser ouvidas, ao menos por uma minoria da população. A crise propicia algo que, sob abomináveis cláusulas restritivas e muitas aspas, poderia ser batizado como um "diálogo nacional". Mas a inclemente repressão à performance na praça onde estão os monumentos a José Martí e Che Guevara evidencia o limite do "diálogo": o microfone não pode ser aberto, nem por um minuto, para a expressão de indivíduos sem credenciais.
"Apenas a turba e a elite são atraídas pelo próprio ímpeto do totalitarismo. As massas têm que ser conquistadas pela propaganda." A célebre sentença de Hannah Arendt, reproduzida no site de Bruguera, esclarece o sentido profundo da repressão à performance. A propaganda castrista perde seu norte na hora do reatamento com os EUA e da abertura econômica na Ilha. Antes, sob o mito da fortaleza sitiada, a palavra crítica era identificada à traição à pátria. Como fazê-lo agora, quando o cerco se levanta? Antes, sob o signo do socialismo estatista, a ditadura era justificada em nome de uma utopia histórica. Como fazê-lo agora, quando se queima a utopia na pira do investimento estrangeiro e do empreendimento privado?
Um minuto é tempo demais. Um ativista consegue usá-lo para reivindicar liberdades políticas -mas um indivíduo comum também pode denunciar a ausência de direitos trabalhistas e exigir a liberdade sindical. Se confrontado com um microfone aberto, o castrismo seria forçado a admitir que o socialismo reduziu-se a um cínico pseudônimo do poder absoluto do partido único. No lugar disso, ele está dizendo que os verdadeiros "gusanos" são os "cubanos a pé".
Cuba solta dissidentes presos em ato
Opositores participariam de atividade por liberdade de expressão convocada por artista
DIEGO ZERBATODE SÃO PAULO
A polícia de Cuba soltou nesta sexta-feira (2) os últimos 18 dissidentes que ainda estavam presos por participar de protestos contra o ditador Raúl Castro nesta semana.
As primeiras detenções foram feitas na terça (30), dia para o qual a artista Tania Bruguera convocou um ato cujo objetivo era deixar um microfone aberto para que os cubanos pudessem se expressar livremente na praça da Revolução, em Havana.
Segundo o presidente da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, Elizardo Sánchez, houve 80 detenções no período, sendo que 30 delas ocorreram no primeiro ato.
A última a ser libertada foi Bruguera, que havia sido transferida para uma delegacia do bairro de Diez de Octubre, na capital cubana.
Ela havia sido presa pela terceira vez na quinta (1º), em protesto que reivindicava a soltura dos opositores presos na cadeia de Calabazas. Em seguida, foi levada à delegacia, onde foi mantida sem comunicação com a família.
As libertações dos dissidentes presos em Calabazas começou durante a manhã. Dentre os soltos, está o jornalista Boris González Arenas, 38, historiador, professor de cinema e colunista do "Diario de Cuba", site independente sediado na Espanha.
O jornalista, que participaria do ato de Bruguera, foi preso no dia 30 minutos depois de sair de casa em Havana para ir ao protesto.
O pai dele, Fernando González Rey, disse à Folha que a companheira do filho só foi avisada da prisão no dia 1º, por meio da mulher de outro dissidente preso.
"Só fiquei sabendo quando uma amiga minha que mora na Espanha viu [a informação] no Diario de Cuba'. A partir daí, é que fui ligar para Havana", disse.
Segundo González Rey, que é professor de psicologia da UnB (Universidade de Brasília), esta foi a primeira vez que seu filho foi preso, apesar de já ter sido criticado por sua postura crítica.
"Boris faz um trabalho pacífico com jovens, de reflexão intelectual e crítica. Ele nunca pensou em sair de Cuba."
Regulação da mídia avançará, diz Berzoini
Novo ministro das Comunicações afirmou que ministério vai 'abrir um debate' e encaminhará sugestões ao Congresso
Ele disse que o governo não tomará proposta do PT sobre o tema como base e ouvirá empresas, sindicatos e sociedade
DE BRASÍLIA
O novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, confirmou nesta sexta-feira (2) que o governo vai apresentar proposta de regulamentação econômica da mídia no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
Berzoini disse que o ministério vai "abrir um debate" para ouvir sugestões sobre o tema, que serão encaminhadas ao Congresso. "Quem regulamenta é o Congresso Nacional", disse. "O Poder Executivo pode, no máximo, apresentar suas propostas."
O objetivo declarado dos defensores da ideia é regulamentar artigos da Constituição que tratam da comunicação social, mas críticos dizem que ela esconde a intenção de controlar a imprensa e tolher a liberdade de expressão.
A Constituição diz que não pode haver monopólio ou oligopólio no setor de comunicação, o que ocorreria se uma única empresa, ou um grupo com poucas empresas, controlasse fatias tão grandes do mercado que inibisse o aparecimento de concorrentes.
Vários países adotam limites para impedir que isso ocorra e proibir o controle de emissoras de televisão, rádios e jornais por um mesmo grupo econômico, mas as restrições existentes no Brasil são antiquadas e pouco efetivas.
Berzoini negou que o governo tomará como ponto de partida a proposta de regulamentação da mídia em discussão dentro do PT. "Vamos ouvir todas as propostas que forem apresentadas e essa é uma delas", disse o ministro.
Berzoini foi indicado pelo PT para a pasta com a missão de tocar justamente este projeto. Ele era ministro das Relações Institucionais, mas foi deslocado para as Comunicações após forte pressão do PT.
A regulação da mídia é uma antiga bandeira petista, mas sua discussão foi postergada pela presidente Dilma Rousseff em seu primeiro mandato, quando ela se recusou a discutir qualquer iniciativa que implicasse em controle de conteúdo --como já havia sido tentado sem sucesso no governo Lula.
Na campanha eleitoral, porém, a petista admitiu discutir o que chamou de "regulação econômica da mídia", com foco na criação de limites para a concentração econômica e incentivos à produção de conteúdo regional.
O antecessor de Berzoini no ministério, o petista Paulo Bernardo sugeriu em seu discurso de despedida que o novo ministro discuta a atuação da mídia brasileira e sua "situação regulatória".
CONCESSÕES
Segundo Berzoini, o ministério vai ouvir empresas, sindicatos e organizações sociais para formular sua proposta de regulamentação da mídia.
Ele lembrou que emissoras de rádio e televisão são "objeto de concessão pública", e por isso precisam ser regulamentadas. O novo ministro também defendeu maior diversidade na produção de conteúdo, que ofereça alternativas ao que é oferecido pelas empresas de comunicação.
"Quanto mais avanços de tecnologia, mais essa liberdade de expressão está assegurada porque há novos meios tecnológicos para que não apenas grandes corporações possam se expressar, mas para que o cidadão também possa se organizar para ter a sua comunicação."
ANDRÉ SINGER
O critério da verdade
Dilma Rousseff encerrou a mensagem ao povo reunido para a sua segunda posse em Brasília com um juramento. "Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás, só mais direitos e só o caminho à frente. Esse é meu compromisso sagrado perante vocês."
No entanto, três dias antes, o governo anunciou que cinco benefícios previdenciários sofreriam cortes de R$ 18 bilhões. A tesoura vai cair sobre o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, o auxílio-doença e o seguro defeso (voltado para os pescadores). Todos de interesse direto dos pobres. O montante subtraído equivale a cerca de 70% do gasto com o Bolsa Família em 2014.
A desconexão entre palavras e atos constitui perigosa sequência daquela produzida por uma campanha à esquerda e a montagem de um ministério à direita. Em geral, o chamado povão já tende a considerar que o universo dos políticos lhe é alheio. Mas a ruptura de qualquer elo lógico entre o que se diz e o que se faz tende a potencializar as reações de violento descrédito que virão quando o efeito real das medidas começarem a ser sentidas na pele.
O argumento apresentado para compatibilizar a gritante contradição é que não se trata de retirar direitos e sim corrigir "distorções". Essa é a justificativa principal da doutrina que, nas últimas décadas, dedicou-se de maneira sistemática a desmontar o Estado de Bem-Estar Social onde ele existia e a impedir a construção do mesmo onde era incipiente, caso do Brasil.
Desde o início, neoliberais procuraram mostrar, por exemplo, que, nos países avançados, as transferências de renda para a força de trabalho desempregada tinham produzido gerações de preguiçosos. O apoio àqueles que temporariamente não encontravam colocação teria sido "distorcido" na forma de um estilo de vida permanente baseado na previdência pública.
A força do argumento está em que ele corresponde à verdade em certo número de casos. Com efeito, é plausível que alguém prefira viver com o muito pouco ofertado pelo Estado do que aceitar uma vaga no mercado, em geral precária. Em nome disso, muitos direitos foram diminuídos nas últimas décadas mundo afora.
Mas o ponto principal é que a "distorção", embora exista, tende a ser amplamente minoritária quando se olha o conjunto dos beneficiados. A grande maioria destes é constituída por homens e mulheres que desejam encontrar, o mais rápido possível, inserção produtiva com remuneração digna, que lhes permita viver sem precisar de qualquer auxílio.
Ao jurar que nenhum direito será diminuído, Dilma concorda com isso. Ao diminuí-los, adere ao contrário. Como dizia o velho barbudo, é na prática que se demonstra a verdade.
Outras intenções (editorial deste sábado)
Discurso de posse de Dilma Rousseff aponta para novas prioridades, num quadro em que é reduzida a margem de manobra na economia
Suscita alguma frustração o discurso feito por Dilma Rousseff (PT), na quinta-feira (1), ao tomar posse em seu segundo mandato como presidente da República.
Não foram atendidas as expectativas de quem aguardava, em especial depois da nomeação da nova equipe econômica, o anúncio de medidas concretas para enfrentar a inflação e ampliar a transparência das contas públicas.
Admita-se que a ocasião não permitiria grandes mergulhos no detalhamento técnico, ainda mais em se tratando de providências impopulares no curto prazo. Mesmo assim, parece ter faltado à presidente a disposição para marcar com firmeza uma mudança de rumos cuja necessidade, na prática, o novo ministério reconhece.
Bem ao contrário, a maior parte das declarações de Dilma no campo da economia caracterizou-se por um espírito de comemoração próximo do que se transmitia durante a campanha eleitoral e alheio à dura realidade do país.
Verdade que, do ponto de vista retórico, a situação da presidente não lhe trazia facilidades. Não haveria como renegar o que se fez ou deixou de fazer até aqui; não haveria como insistir no que, tacitamente, admite-se ter sido equivocado.
Diante do relativo impasse, que se resume no propósito de empreender ajustes sem sacrifícios, foi necessário que o discurso dilmista procurasse outros pontos capazes de dar uma direção simbólica aos próximos quatro anos.
Lançou-se então o slogan, algo reminiscente dos anos 1970, da "pátria educadora". Descontado o que tenha de rigidez verde-amarelista, ou mesmo seus traços de palmatória cívica, o lema possui a qualidade de dar à questão do ensino a devida prioridade --ao menos no plano das palavras, sempre mais fácil do que no das ações.
Talvez também faltem ações para levar adiante a renovada e sempre vaga promessa de empreender uma reforma política. Note-se, de todo modo, que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi ainda mais enfático do que Dilma na admissão de sua urgência.
Somou-se a esse conjunto de intenções o anúncio de um sucinto pacote anticorrupção. Três pontos, portanto --investimentos em educação, reforma política e defesa do patrimônio público--, que podem ocupar a Presidência num período em que a margem de manobra econômica é muito pequena.
Serão suficientes? Serão minimamente levados adiante? A dificuldade do governo para a autocrítica e para romper seus compromissos com a fisiologia, a corrupção e a arrogância do PT e seus aliados não autorizam grande otimismo; mas nada indica que, da parte de Dilma Rousseff, não seja sincero o empenho em corresponder às promessas de seu discurso.
Na VEJA.COM: coluna IMPÁVIDO COLOSSO, por ANDRÉ FUENTES --
21 bilhões de reais. Esse é o montante desviado da Petrobras durante os anos de governo petista segundo estimativa do banco americano Morgan Stanley. O cálculo foi feito com base nos 3% de propina denunciados pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto da Costa, investigado na Operação Lava Jato da Polícia Federal.
Com esse valor exorbitante, seria possível compensar 127 vezes o famoso assalto ao Banco Central de 2005; ou juntar 100 pilhas de dinheiro com o mesmo valor que a de Walter White, o protagonista de Breaking Bad; ou construir dois novos World Trade Centers; ou comprar esses quatro times de futebol: Real Madrid, Barcelona, Chelsea e Inter de Milão; ou ainda, adquirir duas fantasias de palhaço para cada um dos 203 milhões de brasileiros.