Na Veja: Em discurso, Dilma reafirma crença no que está errado
Foi longo, mas pouco inspirador, o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Não se esperava, nem se pedia, que a governante reeleita renegasse os seus quatro primeiros anos de governo. Mas era necessário um compromisso mais claro com as correções de rumo necessárias na economia. E isso não veio em 45 minutos de fala — assim como não vieram ideias auspiciosas para a política. Usando as palavras da própria presidente, ela falou como a "encarnação de um projeto de nação" – o projeto petista que agora deverá completar 16 anos em curso.
Nos trechos sobre economia, Dilma fez lembrar a candidata que há pouco saiu do palanque, regurgitando números que nem sempre resistem à análise e siglas que devem ter deixado perplexos os convidados estrangeiros. A presidente mentiu ao dizer que sempre teve compromisso com a disciplina fiscal e o combate à inflação. O esforço para conter a gastança do Estado só começou com a escolha do banqueiro Joaquim Levy para ocupar o ministério da Fazenda há cerca de um mês, e o IPCA, que mede a inflação, permanece acima da meta há pelo menos um semestre. Em outro lance que fez lembrar o período eleitoral, Dilma, impenitente, atribuiu a estagnação da economia “a um ambiente internacional de extrema instabilidade e incerteza econômica”. E comemorou patamares recorde de investimento estrangeiro direto no país — quando esses permanecem estagnados no Brasil há três anos. Um ato falho resume o espírito em que ela proferia o seu discurso: "Vamos provar que é possível corrigir eventuais distorções e torná-las ainda melhores", disse a presidente.
Dilma assume novo mandato para fazer o contrário do que pregou na campanha
No campo político, Dilma hasteou as bandeiras da reforma política, do combate à corrupção e da limpeza na Petrobras, palco do petrolão, o maior escândalo de desvio de dinheiro público já descoberto no Brasil.
Ao falar da corrupção na estatal, a presidente mencionou “predadores internos” e "inimigos externos" — sem explicitar quem seriam esses sinistros inimigos. "A nossa Petrobras é uma empresa que teve lamentavelmente alguns servidores que não souberam honrá-la, sendo atingidos pelo combate à corrupção. Temos muitos motivos para preservar a defender a Petrobras de predadores internos e de seus inimigos externos”, disse, mais uma vez eximindo-se de responsabilidades nas indicações, por ela ou por sua base, de ex-funcionários hoje apontados como os principais operadores da sangria da empresa.
Dilma disse que a corrupção deve ser "extirpada". Anunciou que, ainda no primeiro semestre, pretende enviar ao Congresso um pacote de medidas para agilizar o julgamento de processos que envolvem crimes de corrupção e ampliar políticas de combate à impunidade. Do conjunto de propostas legislativas constam uma alteração na legislação eleitoral para tornar crime a prática de caixa dois, punir com rigor agentes que enriquecem ilicitamente, criar uma nova espécie de ação judicial para permitir o confisco de bens adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação e agilizar o julgamento de processos de desvio de recursos públicos. “A corrupção rouba o poder legítimo do povo, ofende e humilha os trabalhadores, os empresários e os brasileiros honestos e de bem. A corrupção deve ser extirpada”, disse ela. Como já se fez hábito, contudo, Dilma tomou para si os méritos de investigação da Polícia Federal e o Ministério Público — como se esses não fossem órgãos independentes, com atribuições previstas na Constituição Federal.
A presidente também voltou a defender a necessidade de uma reforma política. “É inadiável implantarmos práticas políticas mais modernas, éticas e, por isso, mesmo mais saudáveis. É isso que torna urgente e necessária a reforma política”, afirmou. “Uma reforma profunda que é responsabilidade constitucional desta Casa, mas que deve mobilizar toda a sociedade na busca de novos métodos e novos caminhos para nossa vida democrática. Reforma política que estimule o povo brasileiro a retomar seu gosto e sua admiração pela política”, disse ela.
Essa reforma é uma velha pretensão do PT. Mas um fato, obviamente não mencionado pela presidente, pesava sobre todas as palavras que ela disse nesta quinta-feira. Há indícios de que seu partido foi um dos maiores beneficiários do dinheiro desviado pelo petrolão, e que parte desse dinheiro entrou nos cofres da legenda como doação legal. Essa história deve ser esmiuçada ao longo de 2015 — e isso põe em dúvida a força e até mesmo a legitimidade do governo que começa agora pode ter para encabeçar esse projeto de reforma.
POSSE DE DILMA: Quando uma presidente não parece acreditar em uma só palavra de seu discurso — que além de tudo foi chocho, autocongratulatório e autocentrado –, alguma coisa está muito errada
Parecia, quase, um fim de governo, e não um começo.
Nem os tais 800 ônibus fretados pelo PT conseguiram preencher sequer parte do amplo espaço da Praça dos Três Poderes, em Brasília, para a posse da presidente Dilma em seu segundo mandato. A solenidade toda de posse, no Congresso, e o recebimento da faixa e posterior discurso no Parlatório do Palácio do Planalto, depois, constituíram uma festa chocha, artificial, destituída de espontaneidade e de entusiasmo.
O pior, porém, foi o discurso da presidente à Nação. Interminável, recheado de números, estatísticas e realizações em boa parte contestáveis, autocongratulatório, autocentrado, teve o permanente tom de fala de palanque, de campanha eleitoral.
É uma missão penosa comentar o discurso em detalhes. Não vou fazê-lo.
A presidente leu o texto como se fosse uma bula de remédio, como se se tratasse de uma tabela de Excel.
Não vi emoção alguma em seu rosto, não vi convicção nenhuma em sua parca linguagem corporal, não vi ênfases e, sobretudo, conteúdo.
Onde estão indicações de que país ela pretende? (Mencionou um “projeto de nação” que teria sido apoiado pela população — a despeito de metade dos votos terem ido para a oposição na eleição presidencial — mas nada, do que relacionou a seguir, continha esteios de qualquer projeto que não fosse mais do mesmo).
Onde sua indicação de que lugar pretende que o país ocupe no mundo?
Onde as referências históricas sobre grandes e inspiradores momentos da República como marcos a serem assinalados?
Onde citações sobre grandes pensadores do país?
Foi um parco, tedioso relatório, blindado ao Brasil real que existe fora do Palácio do Planalto, proferido por uma “gerentona” que desfiou um rosário de méritos, ignorando, para começo de conversa, ter sido seu período de governo o de pior crescimento na história de 125 anos da República, excetuados os governos do marechal Floriano Peixoto (1891-1894) e — vejam só — o de Fernando Collor (1990-1992).
Foi uma celebração de feitos que deixou de lado problemas gravíssimos, como o espetacularmente ruim desempenho das contas públicas em 2014 — o pior em quase duas décadas: seu governo se comprometeu a economizar 99 bilhões de reais para pagar os juros da dívida (que, por sinal, vem sistematicamente deixando crescer) e o resultado pífio, ridículo, foi um… déficit de 19,6 bilhões.
Um palavrório que mencionou “ética na política”, em reforma política (promessa de 2011 que nem tentou cumprir) e em combate à corrupção sendo, contudo, figura-chave de um partido atolado até o pescoço no maior escândalo de roubalheira de todos os tempos, o Petrolão, destinado, justamente, a rechear cofres de partidos que a apoiam.
Um blablablá que escolheu como slogan um estranho “Brasil, pátria educadora” — e colocou o Ministério da Educação nas mãos de um político de segunda, que fez péssima gestão exatamente nessa área como governador de seu Estado, o Ceará.
O pior, porém, não é algo concreto, palpável, capaz de ser descrito fisicamente, sem forma nem peso: tudo na presidente ao longo do discurso — seu rosto, suas expressões faciais, sua linguagem corporal — estava desconectado com os feitos que ela celebrava e com os projetos, incontáveis, que ela anunciou.
Dilma passou todo o tempo a impressão de não acreditar no que ela própria dizia.
Quando isso acontece logo no primeiro dia de um novo governo, alguma coisa, definitivamente, não vai bem e está muito errada.
(por Ricardo Setti, de veja.com)
VINICIUS TORRES FREIRE, analista da FOLHA DE S. PAULO:
Dilma entre dois amores
Na posse, presidente anuncia 'ajuste' numa economia que, para ela, não estaria desajustada
UM ARTICULISTA CAPAZ poderia ter criado um modo mais convincente de a presidente explicar por que os planos anunciados de política econômica de Dilma Rousseff 2 representam o desmanche de Dilma Rousseff 1. Só que não. No seu discurso de posse, a presidente quis vestir dois santos com uma roupa só. Um deles ficou pelado. Mais que um defeito de retórica, a ambivalência ranheta talvez venha a se tornar um problema real.
Tanto bons como maus resultados na economia muita vez não dependem de vontades, erros e acertos de governos. Ainda não se descobriu como dar cabo da alternância de altas e baixas econômicas. Além do mais, ocorrem choques e outros reveses inesperados da vida, entre outras mumunhas da história.
A presidente, no entanto, optou por dizer que fará um "ajuste", palavrão "neoliberal", naquilo que não está desajustado.
"Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da disciplina fiscal", discursou. Um cínico poderia dizer que, se o valor da estabilidade norteou as ações do governo, então houve um fracasso impremeditado, por imperícia, ingenuidade ou mero azar.
Afinal, não é possível que se considere estável uma economia em que, por exemplo, os passivos crescem sem limite (a dívida pública e o deficit externo crescem), mas a economia permanece estagnada, incapaz de produzir o suficiente a bom preço (tem inflação).
Seja como for, virá algum "ajuste". A presidente diz tal coisa como se tivesse de acabado de engolir um sapo-boi, como se tivesse se rendido a uma força de ocupação, sua nova equipe econômica, mas ainda gritando "no pasarán!".
"Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos", discursou a presidente.
É possível. Melhor ainda, também teria sido possível fazer uma polí- tica socioeconômica progressista sem arruinar as contas públicas ou desordenar setores centrais da economia.
Mas não parece ser assim que pensa a presidente nem gente que se diz de esquerda, para quem estabilidade e o plano econômico de Dilma 2 são coisa "de direita". Sim, ser de esquerda é endividar o governo à matroca e, assim, transferir anualmente 6% do PIB em juros da dívida para os mais ricos, entre outras tolices inadvertidamente cruéis.
Isto posto, ainda resta a dúvida a respeito do grau de convicção da presidente ao aceitar o plano anunciado de "ajuste" (contenção de gastos, juros maiores, real desvalorizado). No caso da Petrobras, a presidente ainda não se rendeu à evidência de crise iminente, como parece ter sido o caso da política econômica.
Dilma Rousseff dobrou sua aposta fantasista ao atribuir a desgraça da empresa a uma conspiração e ao reafirmar algumas das políticas que contribuíram para avariar as finanças da petroleira e para criar o ambiente propício à corrupção (reservas de mercado, exigência excessiva de conteúdo nacional, obrigações excessivas criadas pelo modelo de partilha).
A presidente vai chegar ao limite do risco de ruína antes de ceder?
Audiência da posse de Dilma na Globo: números ruins
Não foi lá essas coisas, em termos de audiência, transmissão ao vivo da posse de Dilma Rousseff pela Globo. De acordo com dados prévios do Ibope para a Grande São Paulo, a Globo alcançou oito pontos entre 14h45 e 17h30 de ontem.
Mais do que SBT, Record e Band somadas (seis pontos), mas abaixo do que a Globo registrou na transmissão da posse de Dilma em 2011, no seu primeiro mandato. Na ocasião, o ibope foi de treze pontos.
Também na comparação com o mesmo horários das duas últimas quintas-feiras, a audiência caiu – a média foi de doze pontos nas semanas passada e retrasada.
Por Lauro Jardim
As mulheres de Dilma
Em 2011, Dilma Rousseff tomou posse tendo nomeado nove mulheres para o seu ministério de 39 integrantes. Ontem, era seis as mulheres ministras.
Por Lauro Jardim
Dilma Rousseff acena para a multidão depois de ser empossada para seu segundo mandato de quatro anos, em Brasília - 01/01/2015 - Sergio Moraes/Reuters