Pagamento por serviços ambientais: mercado de carbono pode virar lei em dezembro
Numa definição simples, crédito de carbono é a atribuição de valor para cada tonelada de carbono que deixa de ser lançada na atmosfera. Criar um mercado para recompensar quem diminui a produção ou ajuda a retirar dióxido de carbono (CO2) do ambiente, é uma forma de incentivar a redução das emissões de gases que aumentam o efeito estufa. Uma atitude necessária para minimizar o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Para entender melhor como esse mercado funciona e os benefícios que ele pode trazer para agricultores e pecuaristas brasileiros, a CropLife Brasil conversou com um grande especialista no assunto: o agrônomo André Guimarães, diretor executivo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)
Um agricultor pode levar os conceitos de redução de emissões para dentro da propriedade e se tornar um vendedor de créditos de carbono?
A agricultura como um todo representa mais ou menos 20% das emissões globais do planeta. No caso brasileiro, a agricultura, o uso da terra como um todo, representa 75%. Esse uso da terra inclui agricultura, pecuária e, também, desmatamento e queimadas.
No caso do Brasil, atacar a mudança climática, significa de alguma maneira reduzir a emissão no meio rural. 40% das emissões brasileiras estão ligadas a desmatamento. Então, combater o desmatamento é a melhor resposta que o Brasil pode dar no combate às mudanças climáticas.
Por outro lado, existem as oportunidades. Uma fazenda que reduzir as emissões, pode ser habilitada para vender créditos de carbono. Hoje, produz soja, algodão, boi e amanhã continuará produzindo soja, algodão, boi e, eventualmente, créditos de carbono.
Que ações o agricultor pode executar para se credenciar como vendedor de crédito de carbono?
Há inúmeras maneiras. Entre elas, podemos destacar o Plantio Direto. Ao usar o sistema, se reduz, dependendo da região, de 3 a 4 passagens de trator pela terra. Não passando trator, você reduz a queima de diesel. Essa opção traz vários benefícios para o produtor, entre elas a redução da emissão de gás carbônico.
Na pecuária, temos hoje uma grande criação extensiva no Brasil com uma lotação de pasto de 1 cabeça por hectare. Ao melhorar a qualidade da pastagem, do manejo do rebanho, ao se utilizar o sistema de pasto rotacionado, se aumenta a eficiência do pasto e encurta o ciclo. Ao invés de precisar de 30 meses, ou até mais tempo, para engordar o animal, se consegue engordar em 18 meses. Então, você aumenta a produtividade, reduz o ciclo e consequentemente reduz as emissões de carbono.
Outra alternativa é a adoção do ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta). Quanto você deixa de ter só pastagem num lugar e passa a ter pastagem, lavoura e floresta, se você tinha 10,12, 15 toneladas de carbono sequestrados por hectare, com o ILPF pode ter muito mais. Isso porque você tem as árvores que estão crescendo, tem um melhor manejo. O produtor pode ganhar conservando mais.
Como transformar isso em um negócio?
O mundo inteiro está um pouco distante disso porque o Acordo de Paris, que é a grande arquitetura legal que vai permitir que essas trocas aconteçam, ainda não está finalizado.
Esse processo de trocas de carbono tem que ter um tipo de regulação e algum tipo de centralidade, porque nós temos que medir o que está acontecendo no planeta para saber se, realmente, estamos reduzindo as emissões ou não.
O acordo de Paris é o arcabouço jurídico que permitirá o controle. A expectativa é que na reunião de Glasgow, na Escócia, que vai acontecer em dezembro deste ano, a gente consiga ter tudo regulamentado para que os mercados de carbono possam funcionar.
Mas já existem os mercados voluntários. Acho que o mais interessante para a agricultura brasileira é que esse processo venha a ser desenvolvido no Brasil, seja acoplado ao Acordo de Paris. Portanto, nossa oportunidade está nos próximos meses deste ano até o início de 2022. Podemos preparar o mercado brasileiro para que seja atraente para os investimentos externos que vão surgir em grande monta a partir do ano que vem.
Como vem funcionando o mercado voluntário?
Tem várias empresas comprando e vários fundos se posicionando. São empresas grandes de petróleo, empresas de tecnologia da Califórnia. A Microsoft e a Amazon, por exemplo, lançaram seus compromissos de investimento na escala de bilhões de dólares, ou seja, o mercado está funcionando. Existe um grau de risco de pré investimento como em qualquer mercado. O investidor pioneiro sempre tem riscos adicionais, mas, por outro lado, por ser o primeiro a entrar no jogo, ele pode se beneficiar. Está comprando crédito de carbono barato hoje que, se entrar no mercado regulado no futuro, poderá vender mais caro. Mas o que vai valer de fato é o mercado regulado pelo Acordo de Paris que ainda não está pronto.
A adoção de tecnologias conservacionistas é importante para esse mercado?
Não existe possibilidade de atingir as metas do Acordo de Paris sem manter a integridade da Amazônia. Isso é fundamental para que a gente chegue a menos de 2 graus centígrados de elevação da temperatura até o final do século. A floresta amazônica armazena o equivalente a 10 anos de emissões humana de carbono. Se a gente queimar a floresta, esse carbono vai para a atmosfera. E a conservação da floresta depende da intensificação das práticas conservacionistas.
O senhor acredita que agricultura consegue continuar crescendo mesmo com as medidas necessárias para reduzir a emissão de gases de efeito estufa?
Temos no Brasil em torno de 200 milhões de hectares de pastos e quase a mesma quantidade de animais. Então, nossa pecuária trabalha com lotação média em torno de uma cabeça por hectare. Na Amazônia, isso é um pouco menor, tem regiões que chegam a meia cabeça por hectare. No sul e sudeste é um pouco maior, o que dá essa média.
Se colocar adubo no capim, fizer um bom manejo dessa pastagem, se tiver um curral, um bebedouro para os animais e um treinamento para os funcionários da fazenda, podemos passar de 1 para 3, 4 e até 5 cabeças por hectare. Ou seja, na hipótese mais conservadora, daria para triplicar nosso rebanho sem ter que derrubar nenhum hectare de floresta. Aí, tem um exemplo de como a gente tem oportunidade para crescer. Temos na Amazônia em torno de 40, 50 milhões de hectares de pastagens degradadas, com quase nenhuma produtividade. É justamente aí que o ILPF está avançando. Além de poder intensificar a pecuária, a gente pode converter uma parte dessa pastagem degradada para atividades mais intensificadas com lavoura e árvores. Aliás, já tem muita conversão para a lavoura, onde você aumenta a rentabilidade e reduz a pressão sobre a floresta.
Temos muito espaço para crescer em produtividade, em market share, desde que se entenda que esse é o calcanhar de Aquiles. O Brasil precisa entender que os tempos mudaram.
Sou fã do modelo agrícola que nos trouxe até aqui. Sou engenheiro agrônomo de formação e a razão de ter escolhido essa profissão foi o entendimento de que o Brasil tinha o potencial de ser o grande celeiro do mundo. O que aliás já é. A gente alimenta mais de 1 bilhão de pessoas todos os dias.
E fizemos uma verdadeira revolução. Há 40, 50 anos, éramos importadores de alimentos e, hoje, somos o maior exportador das principais commodities, das mais transacionadas no mundo. Essa revolução aconteceu porque investimos em tecnologia e incentivos fiscais – que trouxeram as empresas fabricantes de equipamentos e insumos para o Brasil – e na abertura de mercados.
No entanto, há uma dimensão dessa expansão que também precisa ser considerada: nesse processo dos últimos 50 anos, perdemos uma boa parte do Cerrado e 20% da Amazônia. Então, esse modelo que nos trouxe até aqui, que eu chamo de expansionista, não pode continuar. Nós temos que investir, agora, num modelo de intensificação. Para isso, temos que redirecionar os incentivos fiscais, os investimentos públicos e privados para que a gente possa se beneficiar dessa intensificação.
Do ponto de vista técnico, não tenho nenhuma dúvida, que temos o potencial para dobrar ou até triplicar a produção brasileira sem cortar nenhuma árvore. Agora, precisamos tomar uma decisão enquanto sociedade para mobilizar as forças púbicas, para que isso aconteça.