Com Amazônia em chamas, Bolsonaro enfraquece papel do Ibama
Por Jake Spring e Stephen Eisenhammer
BRASÍLIA (Reuters) - O governo do presidente Jair Bolsonaro está enfraquecendo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), encarregado de proteger a floresta amazônica, segundo apurou a Reuters em entrevistas com dez funcionários antigos e atuais, registros públicos e uma análise de relatórios internos do governo.
Bolsonaro não esconde seu desdém pelo Ibama, que ele repreendeu publicamente por ser um impedimento ao desenvolvimento nacional, no momento em que a Amazônia sofre com queimadas e um aumento do desmatamento.
Desde a posse de Bolsonaro em 1º de janeiro, o orçamento do Ibama encolheu 25%, parte do aperto de cinto do governo, de acordo com dados internos do governo coletados pelo PSOL e compartilhados com a Reuters. Entre os cortes, o orçamento para a preservação e o controle de incêndios florestais diminuiu 23%.
A nova administração do Ibama também tornou mais difícil para a agência a repressão ao corte de madeira, a agricultura e a mineração ilegais que já devastaram quase 12 mil quilômetros quadrados da Amazônia neste ano, disseram funcionários antigos e atuais à Reuters.
Como exemplo, os agentes do instituto têm novas restrições para a destruição de equipamento pesado encontrado no local de crimes ambientais, uma tática de longa data para refrear os invasores de terras, segundo cinco dos entrevistados.
Além disso, uma unidade de elite de fiscais florestais do Ibama não atuou na Amazônia neste ano, algo inédito desde que o corpo fortemente armado e altamente treinado foi criado cinco anos atrás, segundo quatro das pessoas a par do assunto. Em vez disso, estes agentes especiais foram confinados em grande parte a tarefas burocráticas, disseram os entrevistados, ou encarregados de fazer trabalho de campo longe das áreas críticas da floresta tropical.
A punição por crimes ambientais diminuiu consideravelmente no governo Bolsonaro. Até 23 de agosto, o número de multas emitidas pelo Ibama caiu 29% na comparação com o mesmo período do ano passado, e o valor coletivo destas penalidades recuou 43%, como mostram estatísticas do governo.
Até esta quarta-feira, mais de 400 funcionários do Ibama assinaram uma carta endereçada ao presidente da órgão, Eduardo Bim, expressando a "imensa preocupação com a maneira como a política ambiental está sendo conduzida no Brasil".
A carta, vista pela Reuters, listou seis mudanças que os funcionários disseram ser necessárias no Ibama e em outros órgãos federais, como novas contratações, dinheiro suficiente para a aplicação da lei e autonomia operacional.
O Ministério do Meio Ambiente, que supervisiona o Ibama, não respondeu a diversos pedidos de comentário sobre os cortes orçamentários e outras supostas mudanças. No dia 14 de agosto, um porta-voz disse à Reuters que governos anteriores são culpados pelos problemas do Ibama, que disse incluírem equipamento ruim e escritórios regionais em má condição.
O porta-voz disse que o Ibama continua sendo um elemento importante nos planos do governo para combater os incêndios na Amazônia. O ministério já havia dito que leva a sério seu papel na proteção da floresta tropical e que o desmatamento ilegal continua sendo tratado como uma atividade criminosa.
As políticas ambientais de Bolsonaro se tornaram alvo de grande escrutínio nos últimos dias, quando imagens da Amazônia em chamas provocaram revolta internacional e preocupação com as consequências para o aquecimento global.
Até julho, a destruição da floresta tropical brasileira foi 67% maior na comparação com o mesmo período de 2018, de acordo com dados preliminares divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Quase 80 mil incêndios foram registrados neste ano até 24 de agosto, o nível mais alto desde ao menos 2013, segundo o Inpe.
FOGO E DESTRUIÇÃO
Ambientalistas dizem que fazendeiros e agricultores brasileiros, encorajados pela mensagem pró-desenvolvimento e anti-regulamentação de Bolsonaro, estão ateando fogo intencionalmente para ampliar suas operações ilegalmente. A Reuters não conseguiu confirmar esta alegação.
"Além de incitar, ele (Bolsonaro) desmantelou sistematicamente todos os órgãos públicos que impõem a proteção ambiental", disse Alfredo Sirkis, diretor-executivo do Centro Brasil no Clima e cofundador do Partido Verde.
Ao falar em um evento em São Paulo na segunda-feira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que os catalisadores do desmatamento, como a mineração clandestina, estão em ação há décadas e que não começaram no governo atual. Ele ainda disse que a falta de oportunidades econômicas na Amazônia é o que leva as pessoas à prática de ações ilegais.
"A pobreza é o grande problema do meio ambiente", disse Salles, que não respondeu a um pedido de comentário da Reuters.
O Ibama foi aclamado mundialmente por seu papel na redução de 80% no desmatamento no Brasil entre 2004 e 2012, utilizando uma mistura de dados de satélite e trabalho de campo para atacar áreas problemáticas.
A ex-presidente Dilma Rousseff começou a reduzir as medidas de proteção ambiental federais em nome do desenvolvimento econômico ao tomar posse em 2011. A Reuters revelou que seu governo fechou 91 dos 168 escritórios regionais do Ibama até 2012, e a austeridade resultante da profunda recessão de 2015-16 provocou novos cortes na agência.
"Com a crise econômica começamos a ter constrangimentos devido à situação fiscal, mas não foi só para a área ambiental, foi para todo mundo", disse Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente de 2010 a 2016.
O governo Bolsonaro adotou um tom particularmente combativo com o Ibama, que fica sob o comando do Ministério do Meio Ambiente e é responsável por fazer cumprir suas políticas. Na campanha eleitoral do ano passado, Bolsonaro acusou o Ibama de criar uma "indústria de multas".
A estratégia ambiental do governo torna improvável que o Ibama consiga aumentar suas fiscalizações, que caíram 45% desde 2010, de acordo com um trecho de um relatório interno da agência visto pela Reuters.
UNIDADE DE ELITE CONGELADA
Outra mudança é o congelamento de atividades neste ano do Grupo Especializado de Fiscalização, a unidade de elite do Ibama, por ordem de autoridades do governo Bolsonaro, segundo quatro pessoas com conhecimento direto do assunto.
O Ibama conta com essa força de elite para realizar operações em áreas da floresta que são perigosas e de difícil acesso.
Conhecida pela sigla GEF, a equipe atualmente é composta por 13 agentes que cumprem rigorosos padrões de resistência no estilo militar, de acordo com uma pessoa com conhecimento direto do assunto. O plano operacional do Ibama prevê que o GEF seja enviado a campo cerca de 10 vezes em 2019, disse a pessoa.
Funcionários do Ibama solicitaram pelo menos duas vezes este ano que o GEF fosse implantado em incursões que quase sempre visam a Amazônia, mas o diretor de Proteção Ambiental da agência, Olivaldi Azevedo, não autorizou seu envio, segundo as quatro pessoas com conhecimento direto da situação.
Enquanto isso, o Brasil está perdendo o equivalente a um campo de futebol e meio de floresta tropical por minuto no Amazônia.
(Reportagem adicional de Marcelo Rochabrun)