Liminar barra tentativa da Bunge de estender domínio no porto de Santa Catarina
A tentativa da gigante norte-americana de grãos Bunge de estender o seu papel dominante em um terminal público do Porto de São Francisco do Sul (SC) por dois anos foi frustrada por um mandado de segurança, de acordo com documentos vistos pela Reuters.
A decisão da Justiça de Santa Catarina é a última reviravolta em uma longa disputa entre o operador portuário da Bunge, Litoral Soluções, e seus rivais --que reclamam de um suposto monopólio na área pública do porto. No corredor de exportação de São Francisco do Sul, Bunge e Terlogs, controlada pela japonesa Marubeni, também operam dois terminais privados interligados aos silos públicos.
A liminar que suspende o novo contrato de movimentação de mercadorias da Litoral com a autoridade portuária de São Francisco do Sul foi concedida à Seatrade Serviços, um competidor, no dia 8 de abril. A decisão final sobre a legalidade e lisura do processo que originou o novo contrato ainda não foi proferida.
O contrato teria dado ao operador da Bunge espaço para movimentar um volume estimado de 1,4 milhão de toneladas de grãos por ano até abril de 2023, já a partir desta semana. Isto seria equivalente a cerca de 10% das exportações de soja e milho do trading no Brasil no ano passado, de acordo com dados de agências marítimas.
A Bunge e seu operador portuário gozam de direitos quase exclusivos de uso na área pública do porto, graças a uma resolução de 2005 que lhes concedeu tratamento preferencial de nove anos em troca de investimentos, segundo documentos públicos.
Esse arranjo permaneceu em vigor mesmo após o término do prazo previsto na resolução, gerando contestações judiciais e administrativas contra a forma como o porto público era organizado e administrado.
Entre as mais notórias pelejas jurídicas, está o caso em que o operador portuário Master Operações conseguiu uma ordem judicial para descarregar 30 mil toneladas de milho no terminal público em 2019, uma decisão que os advogados da Bunge rapidamente anularam através de instâncias superiores, mostram os autos do processo.
Operadores portuários como Itagrãos tentaram acesso ao terminal por vias judiciais e administrativas em 2020, mas não tiveram sucesso.
NOVOS TEMPOS?
No ano passado, após uma mudança dos administradores do porto, a nova gestão propôs a transição para um novo modelo de utilização do terminal público, instituindo um credenciamento sob o qual os operadores --com base em sua capacidade de gerar volumes de grãos e taxas para o terminal público– poderiam movimentar granéis ali.
Mas os competidores da Litoral e os exportadores que eles representam questionaram a isonomia das novas regras tanto no âmbito judicial quanto no administrativo, de acordo com documentos vistos pela Reuters relacionados à Resolução 23 de 2020, que criou o modelo de credenciamento.
Com efeito, uma fiscalização pela Antaq em 2019 já havia concluído que a autoridade portuária em São Francisco do Sul havia infringido a lei ao permitir que "algumas poucas empresas" desfrutassem de "uso exclusivo" do terminal público.
No ano passado, o deputado estadual Jessé Lopes pediu a instauração de uma CPI na Assembleia Legislativa de Santa Catarina para investigar "irregularidades" no porto, alegando monopólio de um bem público por 18 anos. O requerimento ainda não foi aprovado.
A autoridade portuária local não respondeu aos pedidos de comentários. A Antaq disse que está analisando o caso, mas não deu mais detalhes. Bunge e Litoral negaram as alegações de monopólio.
Em nota à Reuters, a Bunge defendeu a Resolução 23 como um "regramento construído de forma democrática, após consulta pública aos interessados". A empresa acrescentou que as normas de credenciamento abrem espaço para todos os exportadores competirem para movimentar cargas, independentemente do seu tamanho. A resolução também atenderia ao anseio do porto "de fidelizar seus clientes", disse a Bunge.
A Bunge não participou diretamente do credenciamento, apenas o seu operador portuário. Já a Litoral afirmou que as empresas que questionam o novo regramento do porto não têm os meios para atrair volumes suficientes de grãos para o terminal público, ameaçando a sua sustentabilidade no longo prazo.