Nova tabela de fretes, "um cartel contra os pobres" (EDITORIAL DO ESTADÃO)
Os pobres, as maiores vítimas da alta de preços causada pela crise do transporte, ainda serão, muito provavelmente, os mais afetados pelo cartel do frete, uma aberração proposta pelo Executivo e aceita pelo Congresso. Esse atentado à concorrência é agora assunto da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), empenhada em produzir uma tabela de valores mínimos para o frete rodoviário. O objetivo é atender ao mesmo tempo aos interesses de transportadores e de seus clientes. Enquanto isso, ações contra o tabelamento ficam paralisadas na Justiça, por decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. Tudo se passa como se a criação de um cartel e sua regulação fossem atos normais do poder público, embora a Constituição consagre a livre concorrência, no inciso 4.º do artigo 170, como um dos princípios da ordem econômica.
Enquanto uma agência do governo tenta produzir a conciliação em torno de uma tabela de fretes, empresários continuam protestando contra a nova distorção, retardando operações de transporte e buscando alternativas para escapar do novo problema.
Produtos do campo estão represados em armazéns, assim como insumos necessários ao plantio da safra de verão, e produtores já discutem a formação de frotas próprias. Será possível criar essas frotas sem aumentar custos e sem tornar as atividades principais – a produção e a comercialização – menos eficientes? Em qualquer caso, com tabela de fretes ou frotas próprias, eficiência, custos e preços podem ser afetados, embora em proporções diferentes. O governo parece ter esquecido ou menosprezado esses detalhes, quando prometeu ao pessoal dos transportes criar a tabela de preços.
Custos maiores serão rateados entre milhões de pessoas. As mais pobres, como ocorre com frequência, pagarão uma parcela desproporcional dessa conta. Isso ocorreu, de novo, quando o bloqueio de rodovias, em maio, prejudicou o abastecimento e afetou os preços em mercados e feiras.
Esse efeito imediato começou a desaparecer, mas também os novos dados, mais favoráveis, servem para mostrar os danos impostos aos consumidores de baixa renda. Em julho, o custo de alimentos e de vários outros bens e serviços foi menor que no mês anterior. Outros itens do orçamento familiar ainda encareceram, mas em ritmo bem menor.
No mês passado, os preços pagos pelas famílias com ganho mensal de 1 a 2,5 salários mínimos aumentaram 0,25%, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). No mês anterior haviam subido 1,52%. O Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1) mostra a evolução mensal dos custos enfrentados por essas famílias. Passado o primeiro impacto da crise, o custo da alimentação, item de maior peso para os mais pobres, diminuiu 0,45% em julho, depois de ter aumentado no mês anterior 2,31%. A batata inglesa, um dos produtos com maior oscilação de preço nesse período, ficou 23,99% mais barata, depois de ter encarecido 6,63%. O preço do frango inteiro ainda subiu, mas o ritmo de alta passou de 15,67% para 3,18% em um mês.
Outros fatores, além da retomada do transporte, contribuíram para reconduzir o IPC-C1 à trajetória anterior à crise. Seis das oito classes de despesas consideradas no índice aumentaram menos que em junho. Com essa acomodação, o índice acumulou alta de 3,29% no ano e de 3,53% em 12 meses. Nos 12 meses até junho, a alta havia chegado a 3,59%, com o estouro dos preços provocado pelo corte de abastecimento.
O IBGE também havia mostrado o desvio da curva de preços. De maio para junho, a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), relativo às famílias com renda de até 40 salários mínimos, havia passado de 0,40% para 1,26%. No caso do INPC, das famílias na faixa de até quatro mínimos, a taxa pulou de 0,43% para 1,43%, superando 1% pela primeira vez desde janeiro de 2016.
Se a tabela de fretes elevar custos, principalmente da comida, as famílias seguirão pagando a conta, com participação especial das mais pobres.
ANTT trabalha em nova tabela de frete mínimo: STF só dia 27
Ponto de polêmica entre caminhoneiros e empresas e com sua legalidade em discussão na Justiça, a tabela com valores mínimos do frete rodoviário caminha para ganhar uma nova versão. Termina nesta sexta-feira, 03, o prazo aberto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para receber propostas da sociedade sobre o assunto.
Atualmente, existe uma tabela de frete que, no entendimento do governo, está em vigor. Algumas entidades empresariais sustentam que não.
No entanto, ainda não há palavra final sobre isso. Todas as decisões da Justiça sobre o tabelamento estão bloqueadas por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, que só pretende retomar a discussão sobre o assunto no próximo dia 27, com a realização de uma audiência pública. Paralelamente, a ANTT trabalha nessa nova versão da tabela.
O tabelamento dos fretes rodoviários foi uma das medidas do pacote que o governo negociou com os caminhoneiros para pôr fim à paralisação da categoria que durou 11 dias, no fim de maio, e provocou uma crise de abastecimento no País.
Produtores avaliam ter frota própria para fugir da tabela de fretes (Agência Brasil)
Alguns setores produtivos, em especial do agronegócio, avaliam alternativas para transporte de suas cargas, como o aluguel e a aquisição de frota própria. A justificativa é o aumento dos custos após o tabelamento do frete, adotado pelo governo federal durante a negociação para o fim da paralisação dos caminhoneiros, no mês de maio.
O presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), Luís Henrique Teixeira Baldez, explicou que, com a nova política de preços, o custo com o transporte, que já é elevado, triplicou de valor. “Isso inviabiliza e desorganiza todo o setor.”
“É um movimento natural das empresas. Quando há um aumento de frete, como teve com a tabela da ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], tão forte e desproporcional, elas avaliam alternativas para reduzir o custo. Todos da associação estão analisando”, disse. “Mas esse movimento não é desejado pelas empresas, estão sendo forçadas a fazer isso”, explicou.
A Medida Provisória Nº 832, de 27 de maio desta ano, institui a Política de Preços Mínimos de Frete para transporte rodoviário de cargas e a ANTT ficou responsável pela publicação da tabela, válida por seis meses. A ANTT encerrou hoje (3) tomada de propostas para colher sugestões para o aprimoramento da metodologia e parâmetros para a elaboração da tabela de frete.
Baldez disse que a Anut e seus associados são contra o tabelamento do frete, mesmo assim, encaminharam proposição de como fazer uma tabela de preços mínimos que seja mais aderente ao mercado e respeite as diferenças regionais do país. “Existem cadeias produtivas em que os produtos têm baixo valor agregado. Então, com essa tabela, tem produtos em que o frete é maior que o próprio produto. A tabela distorceu completamente o mercado”, afirmou.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, que representa os caminhoneiros autônomos, a tabela inicialmente editada pela ANTT acabou beneficiando mais as empresas de transporte. “Claramente, está fora da realidade”, disse ele.
Durante a tomada de proposta da agência reguladora, a entidade apresentou uma tabela mínima de frete regionalizada para a ANTT. “É uma tabela justa, apenas para o caminhoneiro autônomo e não está envolvendo o setor empresarial”, disse. “Estamos fazendo uma lição de casa. Quem quer tabela de frete nacional é a empresa; o autônomo sempre foi o cara sacrificado pelo setor empresarial. O autônomo precisa ter um valor justo para sobreviver. Dentro do que está sendo discutido, precisamos encontrar um consenso.”
Ações na Justiça
A medida provisória e as resoluções da ANTT que determinam o valor dos fretes acabaram contestadas no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro da Corte, Luiz Fux, já analisa três ações de inconstitucionalidade sobre o tema. Ele realizará uma audiência pública no próximo dia 27 para colher informações de especialistas e, somente então, decidir sobre o assunto.
As ações foram abertas pela Associação do Transporte Rodoviário do Brasil (ATR Brasil), que representa empresas transportadoras, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). As entidades alegam que a tabela fere os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa, sendo uma interferência indevida do governo na atividade econômica.
Segundo Baldez, da Anut, seus associados vão aguardar a decisão do Supremo, para então avaliar as alternativas para “fugir do frete”, seja aquisição ou aluguel de frota.
Tabelamento de Fretes: solução para caminhoneiros ou mais custo para sociedade? Por Bartolomeu Braz Pereira (APROSOJA BRASIL)
Entra ano e sai ano e os políticos brasileiros vão aprimorando sua capacidade de propor soluções cosméticas e que só geram mais custos para a sociedade. Vejamos o exemplo da paralização dos caminhoneiros.
Dentre as medidas anunciadas pelo governo federal para pôr fim à paralisação estão o subsídio ao diesel para reduzir o custo na bomba, isenção de pedágio para caminhões com eixo suspenso nas rodovias, estabelecimento de uma cota de 30% de fretes da Conab para caminhoneiros e a criação de uma tabela de fretes mínima para o transporte de cargas.
Porém, a redução no custo dos combustíveis não foi sentida pelos caminhoneiros e pela sociedade, embora o custo do subsídio exista e saia do bolso do contribuinte. Neste caso, não tirou de um para dar ao outro, não foi o velho seis por meia dúzia, já que o preço final para a sociedade aumentou.
Pelos princípios econômicos, a política de preços mínimos ou tabelamento promove a ineficiência do serviço, refletindo em aumento de preços, como projetado em estudo contratado pela CNA que citaremos a frente. Também contraria a Lei da Oferta e Procura. Até hoje todas as experiências de tabelamento foram malsucedidas no Brasil.
Os custos de transporte no Brasil são maiores que dos outros países grandes produtores agrícolas, dada nossa dependência pelas rodovias. Culturas como o milho, no Centro-Oeste, chegam a ter o valor do frete maior do que do produto. Com o tabelamento, o frete para o transporte do leite saltou 40% e para grãos 30%.
Segundo estudo encomendado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), até o momento o impacto da paralização foi de 12% sobre o valor da cesta básica. O feijão, por exemplo, ficou 20% mais caro. O mesmo estudo aponta que o tabelamento vai provocar um aumento de 2% na inflação anual, furando o teto da meta estabelecida pelo governo. Ou seja, o impacto desta medida para a sociedade é uma fatura que será entregue nos próximos meses.
A participação do diesel na formação de custos da soja é elevada e semelhante a dos caminhoneiros, entre 30% e 40%. Em função disso, o planejamento para o plantio da próxima safra está atrasado, comprometendo a entrega de fertilizantes e corretivos de solo. A comercialização da safra futura também travou, o que prejudica a contratação e entrega de insumos por meio de trocas (Barter).
Como na máxima “Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito”, existem muitos fretes sendo contratados abaixo do preço da tabela. Além disso, produtores rurais, cooperativas e empresas de maneira geral estão comprando caminhões novos e usados para fugir do engessamento criado pelo Estado. No curto prazo, isso significa uma tendência de redução da demanda de transporte privado no Brasil, prejudicando os caminhoneiros autônomos.
Os impactos para a atividade econômica também serão agudos. Até agora o Brasil cresceu 0,4% no primeiro trimestre de 2018. A paralização e o tabelamento de fretes devem forçar uma redução do crescimento do PIB no segundo trimestre para próximo de 0%. Já o crescimento anual, projetado no Boletim FOCUS, do Banco Central, deve cair de 1,5% para menos de 1% se persistir o tabelamento.
Ou seja, as soluções propostas pelos políticos não resolveram o problema de ninguém e pesaram no bolso da população, que arcará com subsídios ao diesel e não terá combustível mais barato na bomba, pagará mais caro por alimentos inflacionados devido ao frete mais caro e seus efeitos no planejamento de safra e negociações futuras. Isso sem falar no esfriamento da economia, gerando desemprego e diminuindo o consumo das famílias.
Uma solução efetiva do problema para os caminhoneiros, sem prejuízo à sociedade, passaria pela melhoria no ambiente competitivo do setor de combustíveis no Brasil, onde impera os cartéis, bem como redução de tributos sobre os insumos do transporte rodoviário, como pneus, lubrificantes, peças de reposição, entre outros, e sobre pedágios.
E para solução do problema para a sociedade brasileira, necessariamente deveria haver maior comprometimento dos políticos com a agenda de Estado para a melhoria da infraestrutura de transporte e logística. Com isso seria possível reduzir a dependência do transporte rodoviário para longas distâncias e promover hidrovias e ferrovias. O resultado todos já sabem: transporte de pessoas e mercadorias a preços menores, tornando nossos produtos mais competitivos e sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e econômico, além de redução significativa de acidentes e perdas de vidas nas estradas.
Bartolomeu Braz Pereira é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja e presidente interino da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG)