China é um país em obras e continuará crescendo, mesmo com ritmo mais lento, constata Aprosoja

Publicado em 18/09/2015 17:57
Comitiva da Aprosoja viajou para o país oriental para conhecer a infraestrutura e a logística das principais cidades chinesas

Diretores da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) viajaram pela China durante duas semanas. O objetivo foi verificar a infraestrutura e a logística do país e entender como os chineses venceram desafios muitas vezes parecidos com os do Brasil. As cidades no interior do país estão crescendo em ritmo acelerado, com prédios e mais prédios sendo construídos para abrigar uma população que começa a vir do campo para a cidade.

Em reunião na cidade de Chongqing com a diretoria da Sinotrans Chongqing Corporation Ltda, empresa especializada em logística que explora, principalmente a hidrovia do rio Yantzé, de Shangai a Chongqing, os brasileiros reafirmaram o entendimento de que os modais hidroviário e ferroviário são os mais competitivos. Sinotrans é um grupo estatal que está espalhado em diversas unidades pelo país.

O valor do frete hidroviário é de 0,04 centavos de reminbi (moeda chinesa) por tonelada por quilômetro. Já o frete ferroviário custa 0,12 centavos por tonelada por quilômetro, e o frete rodoviário custa 0,35 centavos por tonelada por quilômetro. "Mais uma vez, vimos que há a necessidade de investimentos em modais pouco utilizados no Brasil que diminuiriam consideravelmente o custo da produção", diz Ricardo Tomczyk, presidente da Aprosoja.

A China é um país com algumas vantagens competitivas atualmente, como uma grande estrutura ferroviária e a hidrovia. Entretanto, a Sinotrans, em particular, tem uma pequena capacidade de recepção de granéis em Shangai. De lá para Chongqing, esse volume precisa ser parcelado em navios de 3 mil toneladas.

A comitiva conheceu ainda o pátio da China Railway Freight, que possui condomínios logísticos e área alfandegada em Chongqing. Tem uma importância estrutura significativa porque liga a cidade a Shangai e também ao porto de Duisburg, na Alemanha. Este tipo de transporte ferroviário é muito utilizado para produtos de alto valor agregado. "Não compensa levar este tipo de produto pela hidrovia, pois pelo alto valor agregado ganha-se competitividade pela velocidade da entrega. O frete não faz a diferença", observa Ricardo Tomczyk.

Os diretores da Aprosoja conheceram também a unidade de commodities da empresa na província de Shandong, no município de Qingdao, região nordeste do país. É a maior empresa de logística da China, com faturamento de 150 milhões de renminbi.

De acordo com o diretor executivo da Sinotrans Shangdong, Yuzhong Wang, a China tem uma relação estratégica com o Brasil. "Por enquanto, conhecemos o Brasil na parte de minérios. A China tem algumas leis que limitam negócios com alimentos", afirmou.

Apesar disso, Wang acredita que a agricultura é uma tendência estratégica para o futuro. "A China tem uma população de 1,4 bilhão de pessoas que precisam de alimentos", contou. Shandong é a província com maior produção de alimentos, e também a que tem maior demanda, além de ter diversas tradings e indústrias de beneficiamento de soja.

A China importou 44 milhões de toneladas de soja somente no primeiro semestre de 2015, um crescimento de 7% em relação ao ano anterior. Atualmente, segundo Yi Zhao, gerente geral da unidade de commodities da Sinotrans, há um estoque de 6 milhões de toneladas de soja, um milhão a mais do que o mês anterior. "Entendemos que a China deve continuar crescendo, mas vai desacelerar um pouco o ritmo das compras", diz Roger Augusto Rodrigues, diretor financeiro da Aprosoja.

Os três portos da província importaram no primeiro semestre cerca de 15 milhões de toneladas de soja, um terço do total de grãos importados pela China. A maior parte entrou pelo porto de Qingdao, com 8,4 milhões de toneladas. Este porto tem cinco berços para atracar navios, por onde são descarregadas 20 mil toneladas de alimentos por dia.

Há também oito ferrovias na região, o que interliga os modais. Segundo os executivos da Sinotrans, em 24 horas são carregados 500 vagões. Para armazenamento, são 16 silos com capacidade total de 180 mil toneladas.  Um novo porto está sendo construído para produtos a granel, com capacidade quatro vezes maior que a atual.

DEMÉTRIO MAGNOLI

A história que a China conta

A verdade histórica parece nítida: encerrou-se o ciclo da 'globalização chinesa'. É tempo de aposentar a lenda

7% ou 3%? Depois da queda abrupta do mercado acionário, o governo chinês garante que o PIB da segunda maior economia do mundo ainda crescerá 7%, em linha com a hipótese de "aterrissagem suave". Os céticos, cada vez mais numerosos, ignoram os desacreditados índices oficiais, apontando a anemia de indicadores físicos, como o consumo de eletricidade e o movimento ferroviário de carga, que sinalizariam expansão anual de apenas 3%, numa "aterrissagem forçada". A verdade estatística está, provavelmente, no meio termo. Já a verdade histórica parece nítida: encerrou-se o ciclo da "globalização chinesa". É tempo de aposentar uma lenda.

A lenda diz que o sucesso da China derivou de um modelo assentado na centralização de decisões, no dirigismo estatal, no gerenciamento econômico heterodoxo e no financiamento subsidiado da projeção externa das empresas do país. Difundida no Brasil pelos arautos do capitalismo de Estado e do neonacionalismo, ela é menos uma análise da inserção chinesa na economia mundial que uma plataforma de combate ideológico. Suas mensagens: a) o "modelo chinês" serviria como fonte de inspiração para o Brasil reformar-se a si mesmo; b) a cooperação estratégica da China com os "países emergentes" contrabalançaria a polaridade geopolítica exercida pelos EUA e pela União Europeia. Tudo isso tinha uma película de verossimilhança na hora do crash financeiro global de 2008-2010, mas não resiste à prova da "aterrissagem" chinesa.

O "modelo chinês" nunca foi um "modelo", mas unicamente a forma assumida pela economia da China na etapa inicial de sua transição do socialismo para o capitalismo. Nessa etapa, o dirigismo estatal propiciou o crescimento econômico acelerado porque o país dispunha de reservas abundantes de força de trabalho barata e os mercados externos eram capazes de absorver, na forma de importações, a poupança compulsória da população chinesa. Mas tais condições desapareceram. A China em "aterrissagem" só pode prosseguir seu desenvolvimento pela ativação do mercado interno –o que exige a desmontagem das engrenagens do capitalismo de Estado.

A passagem de uma economia de investimento para uma economia de mercado solicita reformas radicais, que se estendem do direito de propriedade aos direitos civis e políticos, passando por regras capazes de assegurar a concorrência. Os dirigentes chineses resistem às reformas mais profundas, que provocariam fissuras insanáveis no sistema político totalitário. Mesmo eles, porém, reconhecem oficialmente o imperativo de liberar as forças de mercado da teia asfixiante de controles estatais. O capitalismo de Estado não é o futuro, mas o passado, da China –eis uma conclusão inevitável que escapa aos ideólogos brasileiros do "modelo chinês".

A tese da "aliança estratégica" antiamericana nunca passou de uma bizarra utopia. O grupo dos Brics, celebrado pelo governo brasileiro como polo geopolítico alternativo, reúne países com interesses fundamentais distintos. Índia e China são potências nucleares rivais. China e EUA são parceiros estratégicos no universo das finanças globais. O Banco dos Brics, exibido no Brasil como instrumento de revolução da ordem financeira global, é um elemento periférico no esforço de internacionalização da economia chinesa.

A "aterrissagem" da China, suave ou forçada, evidencia a dimensão da fraude analítica. Os "países emergentes" cresceram à sombra da "globalização chinesa", empurrados pelo vento de cauda da explosão das cotações das commodities e por fluxos inéditos de investimentos estrangeiros. Hoje, todos eles sofrem, em graus diferentes, os impactos da reversão do ciclo econômico –e, enquanto a China desacelera, os capitais escorrem na direção dos EUA. "Modelo chinês"? O admirável mundo novo cantado pelo lulopetismo era só uma metamorfose do mundo velho.(na FOLHA DE S. PAULO deste sábado).

 

Fonte: Aprosoja MT + Folha

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