Nova técnica aumenta em dez vezes a produção de mudas de mandioca
Uma nova técnica de multiplicação de mudas de mandioca a partir de gemas foliares — formações iniciais de um ramo da planta — é a inovação desenvolvida pela Embrapa para ajudar os produtores no enfrentamento de um dos mais antigos e comuns problemas relacionados a esse cultivo: a escassez de manivas (pedaços de 20 centímetros do caule usados como mudas). A substituição do caule pela folha na produção de mudas pode aumentar em dez vezes a produção em comparação aos sistemas tradicionais de cultivo.
O melhorista da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Eder Oliveira, responsável pelo desenvolvimento da nova técnica, explica: “Cada folha tem uma gema imatura com potencial para gerar uma nova planta e cada haste tem entre 30 e 40 gemas. Como podem acontecer quatro ciclos por ano, uma única haste pode produzir cerca de 160 mudas. Comparando com os sistemas tradicionais, em que a reprodução é na proporção de 1/5 ou 1/10, dependendo da região e do manejo, a produção com a técnica de gemas foliares pode chegar a praticamente 1/100, ou seja, dez vezes mais que o sistema convencional”.
O experimento foi realizado em casa de vegetação, com equipamentos e materiais simples que agricultores com relativa sofisticação conseguem utilizar. “A ideia era simplificar ao máximo para que a maioria dos produtores pudesse ter acesso à tecnologia. Do ponto de vista do controle de patógenos, começamos a associar alguns defensivos que já tinham efeito protetor observado em outro projeto, e o resultado foi bastante interessante. Conseguimos obter mais de 80% de germinação usando gemas foliares imaturas”, declara Oliveira. Ele lembra que cuidados em relação à infraestrutura mínima e à umidade do espaço são muito importantes também, principalmente na primeira semana.
A inovação apresenta ainda como benefícios à produção de mandioca: possibilidade de vários ciclos anuais; baixo custo de produção, com o uso de insumos e infraestrutura simples; e a multiplicação de novos clones de forma precoce. Com isso, contribui para solucionar um dos problemas relacionados ao plantio comercial, que é a multiplicação lenta e em taxas reduzidas. Outras questões que podem ser favorecidas com a nova técnica são a baixa adoção, por parte dos produtores, de variedades melhoradas pela pesquisa; e a pouca qualidade fitossanitária do material de plantio, que é frequentemente atacado por doenças que afetam a produtividade da lavoura.
Experimentos no Brasil e na África confirmam bom desempenho da tecnologia
A técnica foi testada em grande escala pela primeira vez na multiplicação da BRS Novo Horizonte, variedade lançada pela Embrapa em 2018, alcançando números bastante expressivos nos ciclos de produção. Com ela, a área de plantio na propriedade parceira, localizada no município de Laje, no Recôncavo Baiano, cresceu de um hectare em 2017 para oito hectares em 2018 e 120 hectares em 2019.
Experimentos estão sendo realizados também na África, em áreas do International Institute of Tropical Agriculture(IITA), na Nigéria; do National Crops Resources Research Institute (NaCCRI), em Uganda; e do Tanzania Agriculture Research Institute (Tari). Essas instituições são parceiras no projeto “NextGen Cassava: melhoramento genético de mandioca de próxima geração”, financiado pela Universidade de Cornell (EUA) e Fundação Bill & Melinda Gates, com o objetivo de aumentar a taxa multiplicação da mandioca, uma cultura fundamental para a segurança alimentar e subsistência em toda a África. “Esses três parceiros têm interesse no uso da técnica não somente para ações de melhoramento, mas também para ações de multiplicação rápida do material”, afirma Oliveira.
Para realizar o trabalho, o pesquisador contou com o auxílio da bióloga Reizaluamar de Jesus Neves, bolsista da Embrapa Mandioca e Fruticultura. O assunto terminou se tornando o tema da sua dissertação de mestrado em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), defendida em 2017.
Reiza destaca como um dos pontos-chave para o sucesso da técnica a mistura de substratos no tubete onde as mudas foram colocadas, cuja porcentagem ideal foi obtida depois de diversos testes. “A parte de cima do tubete era só suporte com areia lavada e vermiculita, um substrato mais leve, para ela emitir raiz. À medida que essa raiz ia se desenvolvendo, ela começava a atingir a parte de baixo do tubete, onde colocamos um substrato mais nutritivo, com terra vegetal e adubo, por exemplo. Dessa forma, não aconteceu o fator estressante de retirar a muda da areia lavada para depois plantar em outro tubete com outro substrato”, explica.
O horário da coleta do material também se mostrou importante. “Na literatura, se fala em tempo fresco, mas o que percebemos é que, além de fresco, o ideal é das 5h30 até as 8h30. Também se recomenda o fim da tarde, mas como a planta passa o dia todo no estresse do sol, vimos que o resultado é melhor no início das manhãs”, relata.
O pesquisador da Embrapa acrescenta que “no início o material é bastante sensível e precisa de muita umidade. A gema foliar envolve o pecíolo (parte do sistema foliar da mandioca que liga o caule à folha) com a folha, que é cortada em 50% com a gema. Precisamos garantir que esse pecíolo com essa folha se destaque da brotação o mais tardiamente possível. Se ele se destacar da geminha que fica no substrato, praticamente se perde a muda. Esse é o grande segredo”.
A opinião do setor produtivo
Segundo o engenheiro-agrônomo e empresário Manoel Oliveira, hoje à frente da Prime Soluções Agrícolas, em parceria com a Podium Alimentos, a técnica superou as expectativas. “Hoje temos 90% da área com a BRS Poti Branca e boa parte disso foi produzida via gemas foliares. É uma técnica muito simples de implementar e com taxa de multiplicação muito boa, que eu indico fortemente”, confirma.
As trocas de informações com a equipe da Embrapa levaram a ajustes durante o experimento, principalmente em relação à umidade. “Em termos práticos, o sucesso depende da mão-de-obra e do controle regular de umidade para diminuir a desidratação do material, ainda muito tenro e sensível. No nosso caso, apesar de não fornecer características de alta produtividade de raízes, a técnica cumpriu plenamente a função de produzir material de plantio. Depois, adensamos o espaçamento para produzir mais mudas, que era o nosso objetivo principal”, explica.
Na Embrapa, a câmera de nebulização que mantém a umidade na casa de vegetação foi regulada entre 60% e 70%. Quando a umidade do ar reduzia, um mecanismo automático ligava o processo de nebulização e fornecia a umidade adequada às mudas. Na área do parceiro, o trabalho foi muito mais simples, comprovando ser acessível ao pequeno produtor. O sistema de aspersão em telado manteve a umidade no período inicial e ficou entre 60% e 70% de germinação, com menos custos.
Recuperação de plantas
Além da importância econômica na produção de mudas em escala comercial, vale salientar o uso da técnica dentro da própria atividade científica, retroalimentando todo o processo de pesquisa. Além dos experimentos realizados no campo experimental da instituição e na área do parceiro, a produção de mudas por gemas foliares foi usada na recuperação de acessos do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de Mandioca — coleção com amostras de plantas que visa conservar e preservar a ampla variabilidade genética desses materiais para estudos atuais e futuros — do campo do centro de pesquisa.
O espaço é o maior BAG do País e o segundo maior da América Latina, reunindo 1.271 acessos provenientes de vários ecossistemas, constituindo a base de programas de melhoramento genético da cultura para o Brasil e para outros países da América Latina e da África que têm condições ambientais similares. Além dos acessos no campo, o BAG também está conservado em laboratório.
Novos desafios à frente
O pesquisador acredita que a técnica pode ser aperfeiçoada e, por isso, se lançou a um novo desafio. “Ter chegado a 80% de germinação é um índice fantástico, mas quero alcançar 90% e fazer com que essas mudas cresçam ainda mais rapidamente do que hoje”, pontua.
A evolução passa por um kit de nutrientes e fitohormônios que devem ser usados antes de a muda ir ao campo e que está em fase experimental, já com alguns resultados interessantes. “A meta da continuidade desse trabalho é fazer com que as plantas cresçam mais rápido e que, com 30, 35, dias possam ir para o campo e alcançar 90% de germinação”, espera.