Hortaliças PANCs atraem agricultores que querem diversificar produção de alimentos
Ora-pro-nóbis, quiabo de metro, capuchinha, vinagreira e yacon. Os nomes são familiares em algumas regiões e totalmente desconhecidos em outras. Muitas dessas plantas crescem espontaneamente em qualquer lugar, como aquele matinho ou trepadeira no quintal de casa ou terrenos baldios.
Muita gente não sabe, mas essas plantas, apesar de terem a aparência de ervas daninhas, guardam alto teor de nutrientes e podem ser fonte de renda para produtores, principalmente da agricultura familiar.
As Plantas Alimentícias Não Convencionais, conhecidas como PANCs, têm atraído a atenção de agricultores e consumidores interessados em diversificar a produção e a alimentação com produtos orgânicos, mais nutritivos e saudáveis.
Os benefícios variam de acordo com a planta e já atraem muitos pesquisadores e chefs de cozinha que têm introduzido as PANCs em receitas gourmets e diferenciadas em restaurantes de grandes centros urbanos.
“As Plantas Alimentícias Não Convencionais são aquelas que não são corriqueiras, não têm cadeia produtiva estabelecida, não estão no supermercado de primeiro de janeiro a 31 de dezembro como as convencionais”, explica Nuno Madeira, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O especialista acrescenta que o resgate do uso desse tipo de planta é importante devido ao grande valor nutricional e para a valorização cultural e histórica do país. A Embrapa estima que o Brasil tenha pelo menos 50 espécies de PANCS, entre nativas, exóticas ou naturalizadas. “As naturalizadas foram trazidas ou pelos escravizados ou pelos colonos europeus e asiáticos e se inseriram no nosso bioma. A gente até acha que a vinagreira é maranhense, mas é africana, que o inhame do Espírito Santo é capixaba, mas ele é asiático”.
Carne vegetal
Talvez a mais famosa entre as PANCs seja a ora-pro-nóbis. Em Minas Gerais, por exemplo, pode ser encontrada facilmente em qualquer lugar e serve de base para várias receitas, principalmente o tradicional frango ao molho. Por ter folhas ricas em proteínas e sais minerais, a ora-pro-nóbis ficou conhecida como “carne vegetal”, sendo uma opção para a dieta vegetariana e vegana.
“Ora-pro-nóbis é uma planta arbustiva e nativa da América tropical. É uma cactácea vigorosa que possui folhas verdadeiras e com isso ela consegue fornecer essa folha agradável e nutritiva para o nosso consumo. A folha tem 30% de proteínas e lembra um pouco o quiabo”, disse Geovani Bernardo Amaro, pesquisador da Embrapa.
Rústica, a planta tolera períodos de seca. Por ter acúleos e espinhos, ela também é muito usada como cerca viva. E ainda produz frutos e sementes que garantem a possibilidade de cruzamento e melhoramento das plantas. “É importante ter variabilidade genética, porque possibilita a seleção de clones melhores”, explica Geovani, que também é melhorista genético na Embrapa.
Nutrição e biodiversidade
No norte de Minas também se destaca o maxixe do reino, parecido com o chuchu. No estado mineiro, os produtores fazem entrega diária ou semanal de maxixe, que pode ser encontrado facilmente em algumas feiras.
“O consumo e a procura do consumidor final, da dona de casa ou mesmo de restaurantes, tem aumentado muito. Isso estimula a produção, porque se a gente não tem demanda, não tem como o produtor produzir”, diz a bióloga Lenita Haber, que também integra a equipe de pesquisadores da Embrapa Hortaliças.
Na região serrana do Rio de Janeiro, uma das PANCs que tem cultivo comercial é a bertália. A folhosa é vendida em maços e consumida geralmente de forma refogada, como o espinafre. “A bertália tem uma série de minerais e vitaminas e tem condições de entrar no rol de outras folhosas que já são produzidas comumente”, destaca Raphael Melo, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa.
Já da flor da vinagreira é feito o famoso chá de hibisco, recomendado para problemas digestivos e para combater a obesidade. E as folhas amargas da vinagreira são usadas na receita do típico arroz de cuxá maranhense.
Outra PANC histórica é a araruta, um tipo de raiz que não contem glúten na composição química. Antigamente, ela era desidratada e de sua farinha podia se fazer papinhas ou mingaus.
“Nossos avós, bisavós consumiam, porque não tinha produto industrializado naquela época. Hoje, está voltando a ficar em voga porque não tem glúten e tem características nutricionais boas. A sabedoria popular já anteviu isso”, diz o engenheiro agrônomo.
E tem outras espécies, como a folha da taioba, que é parecida com a couve e pode ser refogada. No entanto, como ela contém um alto teor de ácido oxálico, o que pode causar sensação de aperto na boca dependendo da forma como for colhida e preparada.
“Tem que ter muito cuidado, porque ela parece com outras plantas que ocorrem em áreas de brejo e não pode colher qualquer planta, se não pode causar uma irritação na garganta ou até fechar a glote”, alerta.
O especialista recomenda ainda que a pessoa sempre busque informações sobre o cultivo correto ou compre de algum fornecedor idôneo. “Não pode ser uma aventura de sair na cidade e pegar qualquer planta daninha, qualquer coisa que esteja ali e achar que é comestível. Muitas vezes uma planta dessa vai estar exposta a uma série de contaminantes, além da própria característica de ter o teor de alguma substância que nem sempre é benéfica”.
Dia de Campo
A Embrapa tem promovido atividades de orientação e capacitação sobre a produção e possibilidades de uso das PANCs. No último dia de campo realizado pela unidade da Embrapa Hortaliças, em abril em Brasília, cerca de 200 produtores e técnicos de diferentes regiões do país se reuniram para conhecer novos sistemas de produção de hortaliças não convencionais.
Alguns agricultores demonstraram ter certa familiaridade com as espécies, outros ficaram surpresos. “Muita gente vê um caruru e acha que é uma planta daninha e nem sabe que ela é comestível e tem valor nutricional. Então, esse trabalho de divulgação é muito importante”, ressalta a bióloga Lenita Haber.
Um dos produtos que chamou a atenção dos visitantes foi o cará-do-ar, conhecido como cará-moela, que tem um aspecto que lembra uma moela de frango. Segundo os pesquisadores, este tipo de cará tem um amido de excelente qualidade e não precisa de muito insumo para ser cultivado. Quem se interessou foi Nelcy Barcellos, produtora da região de Formosa, em Goiás.
“Já cultivo três espécies de PANCs, por exemplo a bertoega, que a gente chamava de mato, tirava dos canteiros e hoje não tira mais. Hoje as pessoas comem e há uma indicação de nutricionistas devido a quantidade de ômega 3, ômega 9. Até as crianças já estão conhecendo”, conta.
Integrante da Associação Prospera, que reúne produtores do Alto São Bartolomeu, e de uma comunidade que sustenta a agricultura (CSA), Nelcy relata que seu interesse pelas PANCs aumento por causa do crescimento da demanda por alimentos mais saudáveis.
“Produzo agroecologia com produtos exclusivamente orgânicos e participo de CSAs por meio da associação. Há uma tendência e uma preocupação de diversificar a produção, e mais que isso procurar produtos históricos e sem contaminação”.
Como a maioria das hortaliças PANCs é rústica, se adapta facilmente em qualquer local e exige pouco manejo, se tornam uma boa opção para agricultura urbana, podendo ser cultivadas em hortas comunitárias ou ambientes domésticos.
“As PANCs são plantas que há muito tempo são cultivadas principalmente pelos povos tradicionais e elas têm duas grandes vantagens: a rusticidade, são pouco exigentes à adubação, ao clima; e também o valor nutricional. E da mesma maneira que as hortaliças convencionais, como alface, tomate, têm as PANCs que a gente consegue trabalhar em casa, em pequenos espaços, mesmo em hortas comunitárias", diz Lenita Haber.
A pesquisadora explica que elas também atraem poucas pragas e algumas espécies são boas opções para pequenos produtores, como a araruta, os inhames e os carás. “Essas, como são tubérculos, a gente precisa de um preparo de solo para que sejam conduzidas, mas dentro do contexto de agricultura familiar e da agricultura urbana”.
Os produtores também aprendem novas técnicas de plantio de cultivo. No caso de algumas espécies, como o quiabo de metro, a Embrapa desenvolveu métodos diferentes de plantio para facilitar o manejo e a colheita pelo produtor. O quiabo de metro é da família da abóbora e do chuchu. Na Ásia, ele é consumido de forma análoga ao que o brasileiro faz com o quiabo. Por ser um fruto grande, a planta precisa ser conduzida e controlada de forma vertical.
“Muitas dessas espécies exigem que o trabalhador se agache, fique acocorado e esse tipo de movimento, se feito de forma repetitiva e com algum peso, pode causar lesões. Então, a intenção é fazer com que a planta aproveite melhor o espaço. E ela sendo conduzida verticalmente você tem frutos ou folhas de melhor qualidade, porque não fica em contato direto com o solo ou com pragas ou doenças do solo que poderiam vir a causar podridões ou algum tipo de defeito”, explica o pesquisador Raphael Melo.
O objetivo da Embrapa também é estimular o produtor a ter mais opções de cultivo e agregar valor à produção. “As PANCs não têm uma cadeia produtiva estabelecida como outras hortaliças, como tomate, cenoura, cebola. A ideia ao longo do tempo é construir um sistema de produção, prover o produtor com informações para que ele possa produzir aquilo comercialmente”, diz o pesquisador.
O produtor de alface hidropônica, Koisha Hamada, de Betim, em Minas Gerais, já comprou sementes de moringa e ora-pro-nóbis para começar a produção. O agricultor só estava esperando conhecer as técnicas de plantio desenvolvidas pela Embrapa para começar o cultivo.
“Meu interesse nas PANCs é para produzir, divulgar e oferecer para a sociedade como alternativa. Vim em busca de novidades e o que eu mais desejo é alimentação saudável. Busco para consumo próprio e para comercializar. Eu conheço a maioria das espécies, mas eu queria ver in loco a pesquisa da Embrapa, ver o que os pesquisadores estão fazendo e ficar mais próximos deles. Eu acho espetacular que eles não escondem conhecimento”, diz o produtor mineiro.
Uma equipe da Coordenação-Geral de Mecanização, Novas Tecnologias Agropecuárias e Recursos Genéticos, vinculada à Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação do Ministério da Agricultura, também participou do Dia de Campo para conhecer as técnicas de plantio das PANCs e discutir políticas públicas que possam promover e dar viabilidade comercial aos produtos nativos.
“Temos que valorizar essa biodiversidade tão rica e transformar essas pequenas iniciativas em produtos comerciais, porque elas têm tanto valor nutricional, quanto medicinal. E esse trabalho de conscientização e capacitação técnica dos agricultores é um papel importante de difusão do conhecimento científico que a Embrapa desenvolve, para promover essas espécies nativas e exóticas como alternativa para o mercado”, afirma Márcio Mazzaro, coordenador- geral de Mecanização, Novas Tecnologias Agropecuárias e Recursos Genéticos do ministério.
Campanha pelos orgânicos
Na semana que vem, o Ministério da Agricultura lança a 15ª edição da campanha “Produto Orgânico – Melhor para a Vida”. Realizada anualmente na última semana de maio, a campanha deste ano tem como tema “Qualidade e saúde: do plantio ao prato”.
Um dos principais objetivos da campanha é informar ao consumidor como reconhecer o produto orgânico nos diversos espaços de comercialização. A mobilização também busca promover o produto e conscientizar os consumidores sobre os princípios agroecológicos da produção de alimentos de forma mais sustentável.