China: Mundo observa como país equaliza relação entre demanda, interrupção nas cadeias de abastecimento e clima adverso

Publicado em 29/03/2022 15:53
Produtora colhe trigo em Handan, na província de Hebei, na China
Foto: Reuters

A oferta global de alimentos vem sendo pressionada por diversas frentes e a crise no abastecimento se agravou desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, que provocou, a princípio, uma disparada nos preços não só de produtos para o consumo, mas principalmente de matérias-primas. De grãos a óleos vegetais, passando por proteínas animais, pães, massas, biscoitos e bolachas, ovos, chegando a alimentos mais refinados, há problemas em todas as cadeias, alimentando diarimanente um profundo e severo processo inflacionário. 

Na China, a maior compradora mundial de commodities de todas as naturezas, as preocupações se voltam também para dentro, já que adversidades climáticas prejudicam suas safras e já tiram boa parte de seu potencial produtivo. Uma das culturas que mais sofre é o trigo, que deverá registrar a "pior safra da história", de acordo com autoridades locais. 

Ao lado da questão climática, o novo surto de Covid-19 no país, colocando importantes regiões do país em lockdown dada a política de tolerância zero de Pequim com o vírus, também é uma preocupação. Trata-se do pior momento da pandemia no país desde o pico de 2020, com um aumento considerável do número de casos acontecendo diariamente, o que pode agravar ainda mais o cenário atual.

"A China enfrenta grandes dificuldades na produção de alimentos por causa das inundações incomuns no outono (no hemisfério norte) passado. Muitos especialistas e técnicos em agricultura nos disseram que as condições das colheitas este ano podem ser as piores da história", disse o ministro da Agricultura local, Tang Renjian. 

O excesso de chuvas no país promoveu danos em cerca de 12,14 milhões de hectares (30 milhões de acres), além de atrasarem o plantio de diversas culturas, entre elas o trigo, ou impedindo a colheita do milho em algumas regiões. Algumas safras já apresentam uma redução em seu potencial na casa de 20%, de acordo com um levantamento feito pela agência de notícias Bloomberg. 

Com tudo isso, o presente momento afeta a segurança alimentar na China de duas maneiras, de acordo com o pesquisador do Ministério da Agricultura chinês, Zhang Zhaoxin. De um lado, os eventos climáticos agressivos e adversos provocam uma baixa no rendimento das principais culturas do país, enquanto o o clima cada vez mais incerto poderia, em algum momento, desencorajar os produtores e reduzir a mão-de-obra no setor. 

"Os produtores do norte da China estão acostumados a secas, não cheias", afirma o pesquisador. Além da falta de técnicas para lidar com o excesso de umidade, lhes falta ainda infraestrutura para tais condições. 

E embora com alguma mudança no ritmo e na técnica de suas compras, o consumo na China permanece intenso. Nos últimos dois anos, a nação asiática tem ampliado suas importações de trigo - como mostra o gráfico abaixo - dando mais sinais de sua necessidade de importações de grãos, também em uma tentativa de conter as inflações.

Importações de trigo da China - Gráfico: CNC + FarmWeekly

"O mundo todo sofre com a inflação e, pior ainda, a inflação retroalimenta os preços agrícolas. Isso significa que o maior abrigo da inflação são as commodities, principalmente, as alimentares, porque a cadeia de suprimentos se desenvolve na parcimônia do consumo e da reposição. Como o alimento tem consumo e reposição de área, ele naturalmente atualiza as perdas da inflação", explica Liones Severo, diretor do SIMConsult. "A commodity alimentar supre a maior indústria de consumo existencial que é o estômago humano", completa. 

Assim, no início de março, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China (NDRC) afirmou que o país trabalha para garantir que a área plantada com grãos no país se mantenha acima da de 117 milhões de hectares, com aumentos esperados nas produções de soja e milho. O objetivo é seguir promovendo um equilíbrio entre a oferta e a demanda internamente, com outras ações além campo,como o uso de parte de suas reservas de alguns de seus produtos, além das compras internas.

Ainda na ocasião, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, afirmou também que o governo tem buscado garantir que terras agricultáveis sejam utilizadas exclusivamente para a produção agrícola, além da promoção de uma revitalização da indústria de sementes do país. 

Colheita de arroz em Xangai, na China - Foto: Qilai Shen/Bloomberg


E na última semana, a China vendeu mais de 500 mil toneladas de trigo de suas reservas em um leilão, de acordo com um comunicado divulgado pelo National Grain Trade Center. Para a soja, os leilões começarão nesta sexta-feira (1), segundo a Agrinvest Commodities. 

"Total de 500 mil toneladas de soja importada, soja de 2019. A Sinograin irá leiloar lotes de 350 mil a 500 mil toneladas durante 10 semanas. Como ficará a demanda da China por soja importada? Geralmente a demanda esfria. Além disso, tem o covid, as margens ruins do suinocultor, os problemas logísticos e a parada das fábricas no Leste do país, região que representa mais de 50% da capacidade de processamento", explica Eduardo Vanin, analista de mercado da Agrinvest Commodities.

E com isso, o especialista já acredita que o esmagamento de soja na China poderia ficar abaixo de 90 milhões de toneladas. As indústrias esmagadoras do país operam com 56% de sua capacidade, uma queda, ainda segundo Vanin, de quatro pontos na semana. "No ano passado estavam trabalhando com 65% e em 2017-18 entre 70-80% da capacidade. Indústrias de rações no Brasil precisam ficar de olho nesse movimento, pode começar a faltar lisina e demais aminoácidos, o que novamente aumentaria o uso de farelo de soja", detalha.

Ainda assim, Vanin explica ainda que a China ainda precisaria comprar de sete a oito milhões de toneladas de soja para maio e junho, já considerando um esmagamento menor. E não só os estoques de soja em grão, mas dos derivados estão em níveis bem baixos. 

A China é peça-chave no mercado de grãos. Embora sua demanda dê alguns sinais de mudança, sua força é inquestionável. O que precisará ser entendido agora é como o próprio gigante asiático irá organizar suas equações diante de um desafio de segurança alimentar enorme em tempos de guerra. 

Com informações da Bloomberg, FarmWeekly, Reuters Internacional e Hellenic Shipping News

Por: Carla Mendes | Instagram @jornalistadasoja
Fonte: Notícias Agrícolas

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Ibrafe: Produtores do Paraná estão ocupados tentando colher Feijões em meio às chuvas
Conab: Equipe técnica realiza pesquisa para atualizar o levantamento da Safra de Grãos 2024/2025
Boa produção e reabertura de exportações asiáticas tendem a favorecer oferta de arroz no mercado mundial
Ibrafe: Mercado do feijão está especulado
Novos leilões de contrato de opção de venda de arroz são marcados para próximo dia 20
China promoverá modernização das fazendas para sustentar produção de grãos
undefined