Produtores dos EUA afastam guerra comercial e visam lucrar com crise suína da China

Publicado em 23/07/2019 18:29

Por Tom Polansek e Nigel Hunt

WALCOTT, Iowa/LONDRES (Reuters) - Este pode parecer um momento pouco provável para que agricultores dos Estados Unidos se voltem à China para mais negócios, mas o impacto devastador da peste suína africana sobre a indústria de suínos chinesa está se sobrepondo às preocupações a respeito das disputas comerciais e tarifas.

Especialistas estimam que a doença vá afetar cerca de um terço da produção de suínos da China neste ano, ou 18 milhões de toneladas, o que representa duas vezes a quantidade de carne suína exportada mundialmente a cada ano, além de ser o suficiente para alimentar os consumidores dos EUA por quase dois anos.

A guerra comercial norte-americana com a China inicialmente forçou os exportadores de suínos dos EUA a vasculhar o mundo por novos mercados, mas à medida que a crise da peste suína se aprofunda, eles se preparam para novas oportunidades de fornecer ao mercado chinês ainda neste ano e no próximo.

A grande questão para os criadores de porcos norte-americanos está no fato de que, se quiserem se aproveitar do avanço na demanda chinesa pelo produto, não podem alimentar seus animais com a substância usada para crescimento ractopamina, amplamente adotada nos EUA, mas proibida na China.

Nos últimos anos, a União Europeia forneceu quase dois terços das importações de suínos pela China, com os maiores vendedores sendo Alemanha, Espanha, Holanda e Dinamarca, segundo dados alfandegários chineses.

A demanda potencial é tão grande, entretanto, que a UE sozinha não pode supri-la. Assim, os produtores norte-americanos de porcos livres de ractopamina podem se beneficiar, seja fornecendo à China, seja compensando déficits em outras regiões que miram no mercado chinês.

O criador de porcos Mike Paustian, do Estado norte-americano de Iowa, certamente se beneficiaria por produzir porcos livres de ractopamina, ainda que o produto ajude os animais a criar músculos rapidamente em vez de gordura.

Paustian afirmou que seu comprador na Tyson Foods, maior processadora de carnes dos EUA, considerava pagar um prêmio pelo porco livre de ractopamina, que também é banido na União Europeia, e que isso poderia levar alguns produtores a pararem de utilizá-la.

"Isso pode ser sedutor o suficiente", disse Pastian em sua fazenda em Walcott, Iowa, que vende cerca de 28 mil porcos por ano.

Citando razões competitivas, a Tyson recusou-se a comentar se paga mais a produtores que criam porcos sem o aditivo alimentar ou se estava oferecendo prêmios. A empresa disse à Reuters que busca diversificar seu fornecimento de suínos para incluir criações livres de ractopamina à medida que a demanda se expande.

"UM SALVA-VIDAS"

A Smithfield Foods, rival na produção de suínos nos EUA e pertencente ao chinês WH Group, já cria sem a droga todos os porcos em suas fazendas e em estabelecimentos contratados.

Operadores e analistas disseram que a Smithfield está reconfigurando suas operações de processamento nos EUA para direcionar carne à China, que produzia metade da carne suína mundial antes da peste africana dizimar a indústria.

Diana Souder, porta-voz da Smithfield, se recusou a comentar sobre mudanças específicas, mas disse que a empresa atualizou uma fábrica em Smithfield, Virgínia, como "parte de uma ampla iniciativa para melhor organizar nossa produção e corresponder à demanda por carne".

"Não apenas a Smithfield, mas todas as processadoras de suínos dos EUA embarcarão mais produtos à China, com expectativas de que a demanda seja forte, certamente em 2020", disse o CEO da Smithfield, Ken Sullivan, em telefonema com analistas.

A guerra comercial em andamento entre Pequim e Washington afetou as exportações de suínos dos EUA à China no ano passado, quanto a fatia de mercado recuou para 7%, ante 14% no ano anterior, segundo dados alfandegários do país asiático.

Conforme a peste suína africana se espalhava pela China durante o segundo semestre de 2018, porém, as expectativas por uma aceleração na demanda voltaram a crescer --ainda que as taxas sobre os suínos norte-americanos exportados à China tenham sido elevadas de 12% para 62% no ano passado, como parte das sanções comerciais retaliatórias.

De acordo com dados da Federação Norte-Americana de Exportação de Carne, os embarques de suínos dos EUA para China e Hong Kong cresceram 33% em maio ante um ano antes, para 45.442 toneladas --embora as exportações para os primeiros cinco meses do ano acumulem baixa de 7% em relação a 2018.

David Williams, chefe de abastecimento estratégico e controle de riscos em commodities da empresa norte-americana CTI Foods, afirmou que os produtores de porcos dos EUA já se beneficiaram indiretamente da peste suína, uma vez que o surto da doença na Ásia levou os preços dos suínos, em geral, a subirem.

Os avanços nos preços eram extremamente necessários, pois muitos produtores norte-americanos haviam expandido produção para fornecimento a uma série de novas unidades processadoras nos EUA, justamente no momento em que disputas dos EUA com México e China atingiram os volumes de comércio.

"Eles receberam um bote salva-vidas", disse Williams, acrescentando que a crescente demanda na China pode ser um bônus.

"Eles precisarão buscar esses suínos em algum lugar", disse Williams, que já comandou vendas de exportação e operações de futuros para a unidade de carnes da Cargill. "Os EUA vão se beneficiar, assim como Brasil e Europa."

Ele afirmou que as exportações mensais de suínos dos EUA para a China podem triplicar até o final de 2019, considerando que os dois países cheguem a um acordo comercial.

(Reportagem adicional de Michael Hogan em Hamburgo, Ana Mano em São Paulo, Jacob Gronholt-Pedersen em Copenhague, Rod Nickel em Calgary e Dominique Patton em Pequim)

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Fonte: Reuters

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