Café é tudo igual? Ciência prova que não e que qualidade da bebida vai além da espécie
Café é tudo igual? A ciência nos prova que não. Em se tratando do Brasil, maior produtor e exportador de café do mundo, essa diferença é ainda mais significativa. Atualmente o país tem 35 regiões produtoras de café, de acordo com os dados mais atualizados da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), e pesquisas comprovam que há variações de sabor e aroma a depender da região em que o café é cultivado, tanto para a espécie arábica como canéfora (robusta e conilon). Isso demonstra a influência do terroir na diversidade dos cafés brasileiros e a riqueza e singularidade de cada região produtora do país.
Por meio do que se pode chamar de uma impressão digital química dos cafés, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto (RP), comprovou cientificamente a influência do terroir, ou seja, a combinação de condições climáticas, solo, altitude, genética e o manejo ou o saber fazer dos produtores, confere diferenciais únicos de qualidade ao café.
Na prática, isso significa que, de norte a sul, o Brasil possui os mais variados perfis sensoriais de café, com sabores muito diferentes e apreciados na xícara. Esses resultados colocam o país em elevado patamar de qualidade e diversidade para atender demandas cada vez mais exigentes do mercado nacional e internacional.
São resultados como este que demonstram os avanços na cafeicultura brasileira. Além dos números do campo que abastecem o mercado, o país também é o que mais produz conhecimento científico sobre café. São estudos que ampliam os conhecimentos sobre as espécies de cafés e suas diversas cultivares e variedades em todas as regiões produtoras, a fim de mostrar os potenciais do Brasil nos mais diversos solos produtores. São pesquisas que comprovam as inúmeras oportunidades para a produção cafeeira do Brasil em quantidade, qualidade e diversidade.
Impressão digital química do café
Com objetivo de entender as diferenças de sabores dos cafés brasileiros nas mais diversas regiões produtoras, a pesquisa realizada pela USP de Ribeirão Preto - SP comprovou que o terroir é fator determinante. Para isso, foram avaliadas, por meio de uma abordagem metabolômica (estudo de pequenas moléculas orgânicas), 21 amostras de cafés das espécies arábica e canéfora (robusta e conilon) dos estados de Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais e Rondônia. Estas amostras foram obtidas no 1º Encontro Brasileiro de Degustadores de Café, realizado em Rondônia, em 2022.
Álvaro Luis Lamas Cassago, pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas na USP-RP, explica que a partir da avaliação de grãos de café por meio da abordagem metabolômica, os resultados mostraram que cada terroir possui sua própria "impressão digital", ou seja, os cafés produzidos em cada região do Brasil podem ser considerados únicos.
“Pegamos os cafés torrados pelos especialistas e conduzimos uma análise química em cada um desses cafés. Esse processo nos permitiu criar uma espécie de impressão digital química única para cada café. Através dessa impressão digital, conseguimos identificar diferenças significativas na composição química dos cafés que analisamos. Em outras palavras, mesmo que os café sejam da espécie canéfora, robusta e o conilon, conseguimos observar distinções substanciais em sua composição química. Por exemplo, notamos variações marcantes entre os cafés de Rondônia e os cafés do Espírito Santo." explica Cassago.
Essa diferença, segundo o pesquisador, pode ser justificada a partir de diferenciais já comprovados da genética entre as plantas, entre as variedades botânicas conilon e robusta, além das condições do terroir que influenciam diretamente na composição química do café e, consequentemente, no sabor.
"A gente também viu nas análises estatísticas que a composição química do café arábica e do canéfora são bem diferentes. Eles ficaram bem distantes um do outro, conseguimos fazer essa separação a partir do fingerprint, ou impressão digital, em que a cafeína foi o principal marcador dessa separação. E dentro do café arábica, como não existe tanta variabilidade genética, nós vimos que o terroir é justamente o que diferencia os grupos", afirma.
No caso do café arábica, o estudo foi realizado com amostras das regiões de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro. "A gente conseguiu mostrar, por exemplo, que nestes estados a diferença climática, geográfica e o saber fazer dos produtores de cada estado influenciou na química do café arábica analisado", complementa Cassago.
O pesquisador destaca que a planta de café já possui componentes genéticos prontos e diferentes entre as espécies, dados esses que também já foram comprovados através de estudos. Além disso, destaca que as pesquisas já mostraram que existe ainda diferença entre as variedades botânicas conilon e robusta.
"As variedades botânicas têm diferenças entre si. A gente consegue ajudar os agricultores a distinguir isso através das análises químicas. É importante frisar que como estas variedades têm genética diferente, muito provavelmente a produção dos compostos químicos desses cafés serão diferentes. Podem possuir os mesmos compostos, mas em quantidade diferentes. Isso faz com que cada café tenha um sabor único", reforça.
O pesquisador acrescenta que é importante que o mercado e o consumidor final saibam da diferença entre os cafés produzidos no Brasil. Cada uma das regiões possui características únicas, mesmo que a planta tenha o mesmo composto químico e seja cultivada em diferentes áreas. Isso abre possibilidades para novos produtos e oportunidades de negócios.
"Não existe café melhor ou pior. O café canéfora, por exemplo, possui mais cafeína, mais intensidade que os arábicas, e a gente consegue mostrar isso com a química. Saber que é diferente oferece ao consumidor opções e possibilidades para buscar o que mais lhe agrada”, afirma. Cassago aponta que com a evolução dessas análises químicas será possível saber quais são as moléculas ou compostos que dão sabor que lembra chocolate, castanha e outros que são dados como notas sensoriais por profissionais do café. “É importante que a ciência evolua junto com o mercado, buscando soluções, avançando e apoiando o setor como um todo", afirma.
A ciência tem proporcionado novos conhecimentos para a cafeicultura brasileira, do campo à xícara. Para Renata Silva, comunicadora na Embrapa, especialista em café e integrante desta pesquisa da USP-RP, paradigmas estão sendo quebrados e novas oportunidades estão se abrindo para produtores, profissionais, empresas, indústrias e pesquisadores. “Diante de tantas transformações um dos maiores desafios é comunicar e levar o conhecimento a todos estes públicos, chegando até os consumidores e à sociedade. São novos tempos para o café brasileiro”, aponta.
Segundo ela, no campo da comunicação, do marketing e da promoção de todos esses diferenciais, é preciso avançar mais e valorizar o protagonismo que o Brasil tem. “Precisamos dar o devido valor aos produtores rurais e aos mais diversos terroirs que o País tem. São 35 regiões produtoras nos mais diversos biomas, sendo 15 indicações geográficas (IGs) de café já registradas, comprovando a qualidade e os sabores únicos, tanto na espécie arábica como canéfora (robusta e conilon). Chegou a hora de os brasileiros se apropriarem de tamanha riqueza e o Brasil se firmar como a nação do café que é. Precisamos comunicar e entregar isso ao País e ao mundo!”, reforça Renata Silva, que também é mestranda na área de Marketing com foco em indicações geográficas, pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - FEA-RP/USP.
Indicações geográficas de café: sabores únicos
As indicações geográficas (IGs) são ferramentas seculares de promoção de regiões e produtos reconhecidas mundialmente. No Brasil as IGs são recentes, a primeira foi para a região Vale dos Vinhedos, com o vinho, em 2002. Em 2005 foi a vez do café, com o Cerrado Mineiro. Atualmente, são 15 IGs de café no Brasil reconhecidas e registradas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sendo nove de Indicação de Procedência, que valoriza a região pelo reconhecimento e notoriedade pública que ela possui ao produzir produtos com diferencial de qualidade; e cinco de Denominação de Origem (DO), em que as características físicas e humanas (terroir) da região agregam diferenciais de qualidade ao produto.
Com esses registros, o café é o produto agrícola brasileiro com o maior número de IGs. Ou seja, as indicações geográficas são registros que reconhecem diferenciais de qualidade e de notoriedade ou fama destas regiões, como origem de cafés únicos, só encontrados naquela determinada região.
O Brasil é o segundo país com maior número de registros de IGs de café no mundo, o primeiro é a Indonésia. São registros que garantem ao consumidor a qualidade do café que está consumindo e sua origem, assim como protege a região e os cafés que produzem. Segundo Renata Silva, as IGs oferecem cafés com sabores únicos e surpreendentes, uma vez que cada terroir imprime características singulares ao café, promovendo experiências diferenciadas aos consumidores, aliando sabor, origem, história, conexão e interação.
“As IGs também são ferramentas para a promoção do desenvolvimento local destas regiões e comunidades. Isso porque a cafeicultura agrega o relevo e as paisagens que a envolve, cultura, história, gastronomia e o turismo, incluindo aí o etnoturismo, como ocorre com nas aldeias indígenas que produzem café em Rondônia. É a oportunidade de agregação de valor à cafeicultura e a promoção de tudo que há de melhor nas regiões. Todos ganhamos com isso”, explica Renata.
Confira no mapa as regiões de café com Indicação Geográfica no Brasil:
*Com colaboração de Renata Silva, jornalista da Embrapa-Rondônia