Entrelinhas do Cafezal: Cafeteria e pequenos produtores conectados para apresentar o café de qualidade na periferia

Publicado em 26/06/2022 09:18 e atualizado em 08/07/2022 17:45
Hangar se tornou um ponto de educação do consumidor, de disruptura sensorial e de encontro

Enquanto maior produtor e exportador de café do mundo, o Brasil também faz a lição de casa quando o assunto é consumo de café. A bebida que está presente, se não em todas, em boa parte das casas, faz parte da rotina das famílias brasileiras com o  "passar o cafezinho" todo dia pela manhã e também após o almoço. A tão falada "quarta onda de consumo" bate na porta do Brasil e chega também com o avanço do consumo de cafés diferenciados e especiais, mas o café especial é para todos?

A pergunta gera uma série de discussões, que vão do campo até as questões sociais, mas fato é que a cadeia cafeeira de alguma forma tem se empenhado para apresentar o café diferenciado e de qualidade pelo Brasil afora. Também é comum no meio do café, ouvir dizer que a bebida promove conexões e que a partir delas é possível a troca de conhecimento, agregar valor e ampliar negócios. Ações que colaboram de forma sequencial para quem está no campo e para o consumidor final. 

Neste sentido, foi através da curiosidade que Henrique Ribeiro - designer e barista, se viu imerso no mundo dos cafés. Desbravando os tipos de café desde 2016, foi também nesta época que sentiu a necessidade de apresentar o café de qualidade para o consumidor que leva a vida em áreas mais distante das regiões onde normalmente ficam localizadas os estabelecimentos com cafés diferenciados. 

"A gente queria trazer alguma coisa mais voltada para o público C e foi dando muito certo. A gente construiu algo muito legal de café na periferia. A gente fala que o café é para todo mundo. No começo foi muito difícil, até o pessoal conhecer, mas a gente conseguiu fazer um legado muito bacana de café para todo mundo. O pessoal conhecia o Hangar justamente para aprender a tomar café", conta Henrique. 

Do lado de lá da bancada, apesar de apaixonados pelo universo do café, Henrique e a  esposa, Eri Ribeiro, também aprenderam do zero como tratar o café com qualidade,  os métodos necessários, mas contou com o suporte da movimentação cafeeira de Campinas que comprou de consumir o café em áreas mais afastadas. 
 

"No começo foi muito difícil. Tudo nosso não foi feito para ter capacidade de um forno muito grande, não tinha uma mesa de preparo. Pensamos errado no espaço de cozinha. Tivemos que fazer acontecer. Eu e minha esposa começamos a garimpar, a gente trouxe minha cunhada para trabalhar no financeiro e encontramos um norte", complementa.  

As referências para formar o Hangar em Campinas foram absorvidas em várias regiões do país, como por exemplo cafeterias de destaques em São Paulo e Curitiba. "O pessoal começou a brincar que a gente era como uma escola. Começamos abraçar alguns projetos sociais de dar mais atenção as pessoas. Fizemos laboratório de café, demos liberdade para as pessoas estarem atuando nesse mercado. Primeiramente no Hangar, depois no mercado de trabalho. Graças a esses projetos, conseguimos empregar algumas pessoas", conta. 

É natural do ser humano que tudo o que traz novidade ou algo muito diferente do que se é habituado a fazer, gere uma desconfiança. E com o café não seria diferente. Henrique conta que o grande diferencial para que esse público aceitasse o café diferenciado, foi através de um atendimento humanizado e educativo. Era importante que todos entendessem o café que estava tomando, suas características e o seu valor agregado. 

"Poderia vir uma pessoa que entendia muito ou que não entendia nada, e a gente explicava qual era a atmosfera que ela estava inserida. A gente fez um marco no cenário do café porque demos voz para as pessoas que não conseguia ter voz. Ajudamos a fazer essa ponte do mercado de café", comenta. 

 

Mercado

Com os problemas climáticos enfrentados no campo, o preço do café também subiu. Apesar do mercado de café especial ter uma negociação diferenciada quando comparamos com o café commoditie, o custo também subiu para esse produtor e consequentemente para o consumidor final. 

Mas, levando o café com valor agregado para outras áreas, o Hangar também encontrou formas de driblar os impasses para que aquele café fosse viável na região em que estava inserido. "Não adianta querer levar para a pereferia um café de qualidade cobrando R$ 12. Como a gente queria popularizar o café na região e vender alto preço? Começamos com R$ 12,00 e fechamos vendendo a R$ 8,00. Nunca nos faltou café, fomos ajustando, mas atrelado a tudo isso sempre no atendimento era onde a gente ganhava cliente. Explicava que o café era de pequenos produtores e etc", afirma. 

Para Sérgio Parreiras Pereira - Pesquisador Científico do Instituto Agrônomico de Campinas (IAC), a iniciativa trouxe outra realidade aos moradores dessas áreas em Campinas. "Conheci Henrique e Eri em um encontro da Confraria Solo Sagrado que ocorreu no Café Kurubi que ficava localizado na Praça Capital. Dois jovens muito simpáticos e que durante a conversa afirmaram que abririam em pouco tempo uma cafeteria de cafés especiais do lado de lá da Rodovia Anhanguera. Como reagiriam os moradores de uma região “mais popular” em relação aos cafés especiais? Reagiram muito, muito bem mesmo!! O Hangar se tornou um ponto de educação do consumidor, de disruptura sensorial e de encontro dos cafés especiais na região de Campinas", comenta ao Entrelinhas do Cafezal. 
 

Pequenos produtores 

Henrique conta que a troca com o pequeno produtor também foi parte importante do processo, conectando então várias pontas da cadeia. "A gente conseguia dar saída aos pequenos produtores. E é muito legal que todo mundo chegava em outras cafeterias e pedia esses cafés. Acabamos fazendo esse papel de "laboratório" para dar vazão para esses produtores também", relembra. 

A troca com o pequeno produtor também foi reflexo de um garimpo pelas áreas de produção. Felipe de Godoi Manoel, da Vulcoffee, que já trabalhava buscando os pequenos produtores de café especial que ajudou a encontrar os cafés diferenciados. 

"Ir nos produtores foi fundamental porque as vezes tinha microlote, as vezes uma só, que a gente não ia conseguir fazendo contato por telefone. O café especial ele vai muito do contato com os produtores, tem os micros e os maiores, mas é muito de estar acompanhando e provando frequentemente porque sempre aparece lotes diferentes. Nossa busca é basicamente essa, encontrar cafés diferentes dentro dos cafés especiais", complementa. 

Pandemia mudou os rumos dos negócios 

O Hangar é considerado um marco no consumo de cafés especiais em áreas periféricas de Campinas, mas a pandemia da Covid-19 forçou a mudança nos negócios. Em plena ascenção e recebendo consumidores de outros locais, Henrique e Eri sentiram a necessidade de aprender a trabalhar de outras formas. 

"A gente se viu em um momento com uma comunidade de clientes fiéis, foi muito gratificante saber que nosso papel enquanto geradores de ideias e de causa estava tendo um resultado. Veio a pandemia, fechamos um período, ficamos bem perdidos. Reabrimos só para retirada o que foi muito difícil porque nossa experiência era para atendimento presencial", confirma. 

 

Com a pandemia sem dar trégua, o Hangar passou a também a fazer delivery de caixas especiais com café, escrita a mão e transferindo a mensagem do que o café representa para o casal, os negócios passaram a decolar com outro rumo. "Foi a partir disso que conseguimos tirar o sustento, pagar as contas. Todas as datas comemorativas a gente tentava fazer alguma coisa. Saímos da loja, o que nos salvou foi a entrega de muitas caixas também em São Paulo. Ficamos também reconhecidos por essa entrega de café da manhã bem consolidada", comenta. 

A loja física do Hangar atualmente não existe mais. "Era muito complexo a operação, de aluguel, ficamos sem energia por falta de pagamento. Resolvemos fechar, foi tudo muito caótico, apesar de sempre manter o otimismo e e enstusiasmo. Foi muito triste, vimos um sonho indo embora, conseguimos tanta coisa, foi uma fase ruim digerir isso", destacou. 

Para fechar as contas da Hangar, o casal também precisou vender parte dos equipamentos utilizados na cafeteria e para tornar o processo mais fácil de ser diluído, as vendas foram feitas em modo de "leilão", o que gerou novas histórias para a trajetória do projeto. "Foi dolorido, mas divertido porque tudo onde a gente colocava a mão, não colocava com dor, mas sim com a sensação de dever cumprido", afirma. 

A marca Hangar continua atuando, mas conforme os convites chegam para novos eventos. "Gostaríamos de voltar, mas a gente entende que ainda não é a hora por todo o contexto que temos hoje. Tiramos o chapéu para quem ainda se mantém, a gente entende que não é o momento de voltar, estamos cuidando de se estruturar porque o momento de fechar foi muito difícil", encerra. 

 

 

Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas

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