Decisão de taxa zero na importação do café não resolve problema interno e traz mais insegurança em momento delicado do setor, avalia ABIC

Publicado em 22/03/2022 21:04 e atualizado em 23/03/2022 07:28
Medida traz preocupações que passam pela competividade até a qualidade da bebida, fatores que podem influenciar diretamente no consumo dentro do país

A decisão de zerar as tarifas de importação de café moído, tomada pelo Ministério da Economia no início desta semana, continua trazendo muitos debates para o setor cafeeiro no Brasil. O país, líder mundial em produção e exportação de café, é de fato há muitos anos é considerado autossuficiente quando o assunto é cafeicultura, seja para consumo interno ou para manter as parcerias comerciais no exterior. 

Celírio Inácio da Silva, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), explica em entrevista ao Notícias Agrícolas que zerar as tarifas de importação traz muita insegurança para um setor que já está duramente fragilizado com os problemas climáticos, alto custo de produção e com as dificuldades logísticas enfrentadas nos últimos anos. 

O preço do café subiu expressivamente nos últimos dois anos. As primeiras altas na Bolsa de Nova York (ICE Future US) foram registradas na passagem da safra 20 para 21 e com o agravante da seca e geadas que chegaram até o Cerrado Mineiro no ano passado, as incertezas em relação ao consumo com a Covid-19 e os impasses logísticos, o produtor brasileiro viu as negociações baterem 250 centavos de dólar por libra-peso. Com o repasse às indústrias, no ano passado essa alta chegou também ao consumidor final e desde então, indústria e torrefação vem buscando saídas para driblar, além da oferta mais restrita do tipo arábica e o alto custo da matéria-prima. 

É importante ressaltar, no entanto, que quando se fala em uma cadeia fragilizada o mercado se refere a todos os países produtores de café mundo afora. Entre os problemas enfrentados estão condições climáticas fora do ideal, logística e elevado custo de produção. Essa junção de fatores, segundo Inácio, mostram porque a medida do governo pode não ter o efeito esperado. 

O porta-voz da ABIC demonstra ainda que após a alta para o consumidor final em 2021, o cenário atual para este ano deve ser diferente no mercado interno. "Eu acho que fizeram uma conta financeira referente aos produtos que mais subiram no ano de 2021, que não vai ser a realidade deste ano, o café tende a se manter o preço com uma certa queda. Não tem nada financeiro ou de expectativa em um país autossuficiente de dizer que precisamos de importação", acrescenta. 

A medida do governo, segundo foi divulgado, tem como principal objetivo fazer com os que cafés no mercado interno fiquem mais competitivo, minimizar os impactos da inflação dos produtos que mais subiram no último ano, entre eles o café. 

O número de café importado do Brasil é muito pequeno atualmente, apesar da autorização na entrada dessa mercadoria no país. "O objetivo obviamente não vai ser alcançado se ele estiver baseado nesses números porque esses cafés que estão chegando são capsulas, são cafés de alguma especialidade, não competem e não vão chegar ao objetivo que se quer que é facilitar alguma demanda maior de consumidor final nas prateleiras", afirma. 

Inácio explica ainda que isso traz muita preocupação, não especificamente com um industrial tomando a iniciativa de trazer cafés de outras origens para o Brasil, mas sim de outras pontas do setor que podem tomar medidas que possam trazer mais problemas do que soluções para o setor. "Empresários que podem aproveitar essa oportunidade e fazer determinadas importações em troca de um dólar mais forte ao real, em troca de alguma operação já estabelecida pelo preço e não pela qualidade", comenta. 

A preocupação do setor não é restrita apenas ao café tipo arábica. Os preços atuais o conilon produzido no Brasil está mais caro do que os cafés produzidos em outras origens. 

"Se por acaso chega um determinado café fora dos padrões necessários e coloca no mercado uma quantidade razoável de café, isso traz uma insegurança muito grande do que pode acontecer. Pode vir café mais barato, pode vir junto com isso alguma política fora do ideal. O que traz muita preocupação para o setor é que se o objetivo de fazer que uma mercadoria como café tivesse mais acesso à população maior, nós temos outras formas de fazer. Nós temos uma pequena reforma tributária em termos de impostos pra dentro da indústria que poderia chegar a um objetivo diferente. Só traz transtornos e inseguranças para um setor que já está tão mexido", afirma. 

Foi aprovada recentemente pelo Ministério da Agricultura, Pecurária e Abastecimento (MAPA) a portaria 364 que tem como objetivo instituir regras para fiscalização do café torrado e moído dentro do Brasil, o feito é considerado uma conquista pelo setor que vem trabalhando fortemente para garantir a qualidade do produtor para todos os níveis de consumidor. 

"Se a gente entender que existem regras ainda não obrigatórias, mas já estabelecidas para garantir que o café torrado e moído tenha qualificação, quem vai garantir que esse café tenha esses atributos? O café tem uma jogada comercial muito grande e isso é mais um ponto que se coloca em dúvida a boa intenção. Não tem nada de bom que se possa dizer que isso vai resolver o problema", acrescenta. 

A ABIC tem feito nos últimos anos um trabalho muito forte de controle de qualidade do café oferecido no mercado interno. A preocupação em se ter um café onde o consumidor não pode ter acesso as informações de produção, rastreabilidade da indústria e com qualidade inferior, pode trazer também impactos para o consumo da bebida dentro do país. 

"A cadeia toda começa a sofrer com isso.Nós consumimos praticamente toda produção do conilon e se essa mercadoria começar a sobrar essa desvalorização vai ser desde o plantio até o consumo final. A gente cresceu nos últimos anos com qualidade e se você começa trazer um café que não seja do gosto do consumidor, o consumidor pode rejeitar a bebida e o consumo começa a ser afetado. Nós somos o primeiro consumidor do café brasileiro, vamos trabalhar para que isso continue assim", comenta. 

O porta-voz da Associação demonstra ainda que após a alta para o consumidor final em 2021, o cenário atual para este ano deve ser diferente no mercado interno. "Eu acho que fizeram uma conta financeira referente aos produtos que mais subiram no ano de 2021, que não vai ser a realidade deste ano, o café tende a se manter o preço com uma certa queda. Não tem nada no setor financeiro ou de expectativa em um país autossuficiente de dizer que precisamos de importação", acrescenta. 

 

Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas

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