Unidas e com apoio de cooperativas, cafeicultoras brasileiras vendem saca de café por mais de R$ 1 mil e começam a exportar

Publicado em 11/10/2017 11:52 e atualizado em 11/10/2017 12:28
Aos poucos, com muita dedicação e união, as mulheres estão sendo reconhecidas nas lavouras brasileiras de café

Após anos de lutas, as mulheres já conquistaram alguns espaços de destaque nas mais diversas esferas da sociedade. A dupla jornada deixou de ser condição e passou a ser uma opção para elas. Mas, em algumas áreas, a participação feminina ainda parecia engatinhar. A cafeicultura era uma delas. Era, porque mulheres produtoras do Brasil, unidas, e com o apoio de cooperativas, têm trabalhado duro para que o cenário das próximas gerações seja bem diferente. Em um exemplo de que a barreira de gênero já passou do tempo de ser quebrada, elas chegam a vender uma saca de café por mais de R$ 1 mil. Mais do que o dobro do valor habitual. E começam a exportar para importantes mercados consumidores do mundo.

Angélica Aparecida Domiciano Cunha é uma das mais de 100 milhões de mulheres do Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas é também uma das poucas que dedicam a vida nos mais de 2 milhões de hectares de plantações de café espalhadas pelo país, de acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). O café é a segunda bebida mais consumida do mundo e é o principal meio de subsistência de milhares de famílias brasileiras. Ele foi o quinto item na balança de exportação brasileira em 2016. Viúva aos 31 anos, mãe de dois filhos, batalhadora e cafeicultora, agora, por opção, ela faz parte de um cenário que ainda é pouco explorado pelas suas semelhantes, mas que aos poucos, tem dado sinais de mudança.

— Eu sempre vivi na roça, costumo dizer que nasci no meio do cafezal. Depois de alguns anos, já casada, deixei a atividade e fui morar na cidade. Não aguentava mais a vida que eu dizia que era de muito sacrifício. Voltei para a atividade em 2004, depois da insistência de familiares, para fazer o que sabia de melhor, mas agora diferente. Nesse meio tempo meu marido faleceu. Antes, produzia apenas para ter dinheiro, não me preocupava muito. Mas desde que entrei na IWCA passei a ter uma consciência maior do valor que tem o meu café — explica Angélica. Sua lavoura tem cerca de três hectares e fica em São Gonçalo do Sapucaí (MG), região da Serra da Mantiqueira.


Angélica trabalha no processo de secagem do café em sua propriedade (Foto: Angélica Cunha)

A Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA Brasil) foi criada em 2012 como um capítulo da instituição internacional, que em inglês é International Women's Coffee Alliance (IWCA), e que surgiu em 2003 com a união de mulheres da Costa Rica, Nicarágua e Estados Unidos. A instituição está presente em todas as regiões produtoras do Brasil, com mais de 400 associadas. Do grão à xícara, a ONG incentiva mulheres de diversas áreas do setor cafeeiro a ter maior participação nas políticas, conhecer como funciona toda a cadeia produtiva e, por consequência, ter maior conhecimento para conseguir gerenciar e valorizar a produção.

— Nosso objetivo é dar apoio e empoderar mulheres do setor, em sua maioria produtoras. Tenho acompanhado o trabalho de várias delas, algumas com ensino superior, médio, fundamental e outras analfabetas. Mas todas estão juntas, no mesmo lugar, e em uma única causa. Acredito que as mulheres são mais abertas às mudanças e mais participativas também. Um café feminino sempre será familiar. Além disso, elas respeitam fortemente os três pilares da produção [social, ambiental e econômico] — afirma Cíntia de Martins Mesquita, vice-presidente da IWCA Brasil.

Na região da Serra da Mantiqueira, ao Sul do estado de Minas Gerais, está um dos principais subcapítulos da IWCA no Brasil, criado em 2015. Mais de 50 mulheres de oito cidades, que já são reconhecidas pelos cafés especiais, aprendem a dar valor ao que tão bem produzem, o café. Os grãos dessa localidade costumam ter alta pontuação e atributos sensoriais extremamente atrativos, com sabor de chocolate, por exemplo. Segundo Letícia Seda, coordenadora da IWCA Mantiqueira, confiantes da preciosidade que tem nas mãos, as cafeicultoras da localidade não vendem mais seus grãos por qualquer preço. — Nossa região já é conhecida por ter cafés especiais e, por ser produzido por mulheres, ele acaba valendo ainda mais — afirma Letícia.

Os cafés de qualidade, por si só, já são uma forma de agregar valor à produção e possibilitar voos mais altos aos produtores brasileiros. 

— Em alguns anos trabalhando com café percebi que muitas produtoras da região da Mantiqueira não melhoravam a qualidade de vida, apesar de trabalharem muito. Pesquisando mais a fundo, verifiquei que elas sabiam muito pouco sobre a formação dos preços no setor. Foi aí que resolvemos criar o subcapítulo e começamos a oferecer cursos e palestras — diz Letícia. Em pouco tempo, os resultados do trabalho apareceram. — Ofertaram R$ 500 pelo meu café na safra passada e eu sabia que ele valia bem mais do que isso. Não o vendi. Aprendi a colocar todos os meus custos na ponta do lápis. Parei de trabalhar para ficar no zero a zero, agora tenho lucro — ressalta Angélica.


Angélica e seus dois filhos na lavoura em São Gonçalo do Sapucaí (MG) (Foto: Angélica Cunha)

Para Vanusia Nogueira, diretora-executiva da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais) e uma das principais lideranças femininas na cafeicultura do país, sempre foi uma tradição no Brasil os homens à frente das lavouras de café, mas para ela esse cenário tem mudado um pouco nos últimos anos. — Sou do Sul de Minas Gerais e tinha muito definido em mente que os pais e filhos homens eram os que trabalhavam na questão da produção e não se tinha espaço para as mulheres. Mesmo quando elas ficavam viúvas sempre tinha algum membro do sexo masculino que acabava assumindo os trabalhos. Isso foi mudando com o tempo, o mundo foi nos aceitando — explica a executiva.

— As mulheres sempre estiveram presentes nas lavouras de café, a questão é que agora, unidas, estamos sendo mais reconhecidas. Podemos ficar lado a lado com o homem e não mais atrás. Era uma tradição os homens ficarem encarregados dos trabalhos com máquinas nas fazendas e as mulheres com atividades mais leves, como a colheita, por exemplo — ressalta a cafeicultora Angélica. Atualmente, ela participa de todas as etapas de produção do café em sua lavoura.

A produção de cafés especiais ainda não é grande no Brasil, comparada com o volume total colhido, por isso mesmo também é tida como especial. Um café precisa ter classificação mínima de 80 pontos, de acordo com a metodologia SCAA (Specialty Coffee Association of America), para ser considerado especial. Comparando com a produção brasileira de café em 2016, estimada pela Conab em 51,37 milhões de sacas de 60 kg, o volume de cafés especiais no país representou cerca de 8 milhões de sacas ou 16% do volume total do período, segundo a BSCA. Ficamos apenas atrás da Colômbia, que detém o título de maior país produtor desse tipo de grão, com cerca de 14 milhões de sacas. No mundo, os gourmets representam cerca de 5% a 10% de toda a produção.

A associação brasileira do setor estima ainda que no ano passado foram consumidas 1,2 milhão de sacas de cafés especiais somente no Brasil, o que representa um crescimento de cerca de 20% ante o ano de 2015. As exportações totalizaram pouco menos de 7 milhões de sacas.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), apenas 13% dos agricultores brasileiros são mulheres. Paralelamente, segundo a Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMR&A), as mulheres em cargos de gestão dentro de propriedades rurais representam apenas 10%. Ainda assim, bem mais do que os 3% registrados em 2003 e que os 7% de 2008.

— Vejo que as mulheres brasileiras estão cada vez mais envolvidas e, às vezes, são a principal executiva do negócio, ou estão em pé de igualdade com os homens. Acredito que isso acontece por uma questão de perfil mesmo, a mulher acaba se expondo mais. É mais comunicativa, curiosa, detalhista. Também é mais voltada para a questão da inovação e isso acontece por todo esse desafio que a gente tem de precisar se provar continuamente. Elas estarem despontando nos mercados de nicho, como é a questão dos cafés especiais, tem a ver com tudo isso – afirma Vanusia. A executiva ressalta que em países como a Colômbia, por exemplo, essa barreira de gênero já não existe faz tempo.


Vanusia Nogueira é diretora-executiva da BSCA (Foto: Divulgação/BSCA)

Cooperativismo

Ainda em Minas Gerais, maior estado produtor de café do Brasil, agora na cidade de Poço Fundo, também há uma iniciativa de sucesso de empoderamento feminino na cafeicultura. A MOBI (Mulheres Organizadas Buscando Independência) foi criada em 2006, através de uma parceria da COOPFAM (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo) com o Instituto Federal, para promover a inserção de mulheres no ciclo produtivo do café. Os grãos produzidos pelas mulheres da região chegam a ser vendidos por mais do que o dobro do café commodity, cotado abaixo de R$ 500 a saca na maioria das origens brasileiras.

— A criação da MOBI nos possibilitou o direito de voto na cooperativa. Antes, conseguíamos participar de atividades, mas não tínhamos nenhum poder de decisão. Hoje, já contamos com duas mulheres em cargos na diretoria da COOPFAM — explica Maria Regina Mendes, coordenadora do grupo mineiro de produtoras. Ao todo, 30 mulheres participam do projeto e cerca de 10 são produtoras. Elas já conquistaram números impressionantes com as vendas de café na última temporada. — Tivemos sacas de 60 kg de produtoras vendidas por até R$ 1.100 — pontua Maria Regina. Cerca de 48% da produção brasileira de café está associada às cooperativas, segundo o último Censo Agropecuário Brasileiro do IBGE, em 2006.

Com muito trabalho e dedicação, a MOBI colhe não só café, mas também excelentes resultados. O "Orgânico Feminino" é um pacote blend de cafés arábica orgânicos – que não tem uso de defensivos químicos na lavoura – produzidos totalmente por mulheres da região do Poço Fundo (MG) e tem sido um sucesso. Inclusive com exportações para os Estados Unidos, um dos maiores consumidores do café brasileiro. — Nosso café é produzido da forma mais sustentável possível, temos certificados nacionais e internacionais que atestam isso e, acima de tudo, consciência da importância de uma produção desse tipo — explica Maria Regina. O pacote de 500 gramas do café feminino é vendido em supermercados e lojas de conveniência de todo o Brasil por cerca de R$ 20. Parte do que é arrecadado com a venda é revertido para manutenção dos trabalhos no projeto.


"Orgânico Feminino" é produzido somente por mulheres da região do Poço Fundo (MG) (Foto: Divulgação/COOPFAM)

O "Orgânico Feminino" já representou toda a cafeicultura brasileira em feiras nacionais e internacionais e foi servido nos recentes eventos esportivos realizados no Brasil, as Olimpíadas Rio 2016 e a Copa do Mundo de 2014. O Brasil é o maior produtor de café do mundo, bem à frente de outros países, como o Vietnã, Indonésia e Colômbia. — As pessoas não compram nosso café só porque ele é bom, mas também porque sabem que existe todo um projeto social por trás — afirma Maria Regina.

A COOPFAM teve papel importante na criação desse produto, segundo a coordenadora do grupo MOBI. — Sem a cooperativa, não sei onde estaríamos hoje. Temos suporte completo deles, principalmente no incentiva à produção de café de qualidade. Costumam dizer que nosso café é a menina dos olhos da cooperativa — ressalta Maria Regina.

Assim como aconteceu na MOBI, a Minasul (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Varginha) teve papel fundamental na conquista de novos mercados pela IWCA Mantiqueira. Letícia Seda conta que as produtoras do subcapítulo não acreditavam que o café produzido por elas estava entrando em uma grande cooperativa. Foi a realização de um sonho. O primeiro contêiner da AMECAFÉ (Associação das Mulheres Empreendedoras do Café da Serra da Mantiqueira), criada para comercialização das produtoras da IWCA regional, será enviado para a Inglaterra no mês que vem.

— Elas sempre me diziam que só quem colocava café em cooperativa eram os grandes produtores. Mas fechamos em 2016 uma parceria com a Minasul. Sabendo da qualidade de nosso café e da dedicação das produtoras, além de comprarem nossa produção, a cooperativa concedeu gratuitamente sacaria, frete e o preço de estocagem para cada uma das cafeicultoras do grupo, em um número de até 60 sacas por ano. Além de isenções nas taxas de cooperados — conta Letícia.


Mulheres da IWCA estão presentes em todas as regiões produtoras do Brasil (Foto: Divulgação/IWCA)

Todos esses esforços são os passos iniciais para que mais mulheres sigam na cafeicultura. Histórias de sucesso, não faltam. Ainda assim, Vanusia Nogueira pondera que, apesar desse cenário mais favorável nos últimos anos, em algumas áreas do setor elas ainda estão longe de ter espaço relevante, como na degustação, por exemplo. — Acho que esse ainda é um mercado muito fechado, apesar de sabermos que tecnicamente existem possibilidades – explica.

Por: Jhonatas Simião
Fonte: Notícias Agrícolas

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