RenovaBio: venda direta de etanol aos postos exigiria adaptações, mas não o inviabilizaria
Na audiência pública do RenovaBio de terça-feira (5), foi dada uma brecha para que as usinas possam a vir a fazer a venda direta de etanol, se assim a Agência Nacional de Petróleo (ANP) legislar, com a possibilidade de que as indústrias passem a informar a distância percorrida entre a unidade e o usuário final do biocombustível. Se o tema prosperar, sob pressão que está de vários agentes privados, do Conselho de Administrativo de Direito Econômico (Cade) e de deputados da base do governo, aí é que serão elas, porque deverá implicar até em mudanças da modelagem do RenovaBio.
A principal delas é se os postos de gasolinas, ponta altamente pulverizada, passariam eles a adquirirem os Créditos de Descarbonização (CBios) sem as distribuidoras no meio do processo. Ou se chegaria a um meio termo.
“É difícil, mas não impossível”, disse uma fonte do setor, sob condição de anonimato, com trânsito direto em todas as discussões, para quem “as distribuidoras estão confortáveis diante da reivindicação de se acabar com a intermediação justamente porque, de um lado, o RenovaBio avançou com um status que muitos temem mexer, inclusive a ANP, sob risco de não dar certo, e, do outro, porque o desenho foi montado sobre o sistema atual na qual somente elas detêm o direito da distribuição”.
Marília Folegatti Matsuura, da Embrapa Meio Ambiente, e umas das líderes na montagem da RenovaCalc (instrumento que contabilizará a intensidade do carbono no processo da cadeia produtiva para efeito de precificação), lembrou que no caso das termoelétricas no Amazonas e o de biometano, foi-se levantada a questão da ausência de distribuidoras, mesmo assim a ANP bateu o martelo exigindo a participação desse intermediário se os setores quisessem se beneficiar do RenovaBio.
A situação, portanto, está assim ratificada: a distribuidora vai adquirir os CBios das unidades produtoras (de etanol, biodiesel) na quantidade correspondente à sua participação no mercado de combustíveis fósseis, e depois negociá-los na B3, o que equivale dizer que a ‘moeda’ que fará o novo Programa Nacional dos Biocombustíveis andar está nas mãos do segmento.
O resumo de Tarcilo Rodrigues, diretor da Bioagência, é o mesmo que dizer da necessidade total de mudança do RenovaBio diante do movimento que pede o fim do engessamento do sistema. “Sem chance. O CBio está obrigado às distribuidoras que têm cotas de fósseis. O posto não distribui fósseis, ele é consumidor final”.
A pesquisadora da Embrapa recorda, também, que as distribuidoras que operam só com etanol estão livres da exigência de compra dos CBios, por razões óbvias de não operarem com combustíveis de petróleo.
Alexandre Lima, presidente da Feplana (federação nacional dos plantadores de cana) e da Usina da Coaf (Pernambuco), falando ao Notícias Agrícolas há dias, afirmou que os postos, sim, poderiam ficar com os CBios e negociá-los, desde que fosse feito um arranjo no estatuto do RenovaBio. Renato Cunha, presidente do Sindaçucar PE, também não vê como postergar o processo em nome de uma dificuldade que pode ser rearranjada, mas lembra de uma alternativa discutida.
Espécie de meio termo: "Num primeiro momento quem optar por venda direta não estaria aderindo ao processo de certificação de CBios", argumenta.
A porta aberta na audiência pública de há dois dias, se as usinas vierem a informar a distância – até então estava prescrito que as empresas informariam a porcentagem utilizada em cada modal -, já irá dar “alguma mexida” na RenovaCalc, mas Marília Folegatti Matsuura explica que é possível viabilizar, e também o peso do transporte é pequeno.
A partir do final deste mês, com a publicação das resoluções da audiência pública de há dois dias, as empresas interessas já devem começar a se preparar, inclusive olhando a safra futura, porque a partir de dezembro do ano que vem, ao RenovaBio será dado a largada.