Celso de Mello tem o dever de impedir o avanço da trama liberticida que denunciou

Publicado em 16/09/2013 21:15 e atualizado em 17/09/2013 15:46
por Augusto Nunes, em veja.com.br

Celso de Mello tem o dever de impedir o avanço da trama liberticida que denunciou

Já na sessão inaugural, em 2 de agosto de 2012, o ministro Celso de Mello pulverizou a conversa fiada dos advogados (e ministros) a serviço dos acusados com um perfeito resumo da ópera cujo desfecho o Supremo Tribunal Federal começaria a decidir:

“Nada mais ofensivo e transgressor à paz pública do que a formação de quadrilha no núcleo mais íntimo e elevado de um dos Poderes da República com o objetivo de obter, mediante perpetração de outros crimes, o domínio do aparelho de Estado e a submissão inconstitucional do Parlamento aos desígnios criminosos de um grupo que desejava controlar o poder, quaisquer que fossem os meios utilizados, ainda que vulneradores da própria legislação criminal”.

Clara e contundente, a sinopse da história avisou que o estaria em julgamento algo muito maior que o cortejo de estupros do Código Penal e de bandalheiras multimilionárias envolvendo poderosos patifes. O esquema do mensalão, constatou o decano do STF, desencadeara a ofensiva arquitetada pelo estado-maior do lulopetismo para lograr a captura do Estado, o desmonte do regime democrático e a submissão da sociedade brasileira a antiguidades ideológicas que caducaram no século 20. Como sabe o mais ingênuo dos capinhas, a execução de um projeto desse porte requer contingentes bem mais numerosos que o bando fora-da-lei denunciado pela Procuradoria Geral da República e processado pelo Supremo.

A exemplo de dezenas de oficiais graduados, o comandante supremo do exército golpista foi poupado do acerto de contas com a Justiça. “Nunca fiz nada sem a prévia autorização do presidente Lula”, disse em agosto de 2005 José Dirceu, condenado a uma temporada na cadeia por ter chefiado simultaneamente a Casa Civil e uma quadrilha. O tempo demonstrou a solidez dos laços que unem os réus e os que escaparam do tribunal. Os sacerdotes da seita lulopetista fingem que foi tudo invencionice da imprensa  e que as ovelhas ameaçadas pelo camburão foram vítimas de um “julgamento político”.

Depois da descoberta do escândalo, os conspiradores só ficaram mais cuidadosos. Mas o mensalão nunca deixou de existir, constatou em 8 de agosto de 2011 o post reproduzido na seção Vale Reprise. O que mudou foi a metodologia. Até meados de 2005, o Planalto e o PT centralizavam a arrecadação e o repasse dos milhões de reais que estimulavam o ânimo guerreiro dos companheiros e a lealdade dos comparsas. Agora, já não é preciso forjar empréstimos bancários ou extorquir estatais, nem carregar malas de dólares. Em vez de doações em dinheiro, os partidos da aliança governista ganham ministérios ─ cofres incluídos ─ e a autorização para roubar impunemente. O loteamento do primeiro escalão é o mensalão sem intermediários.

Até o começo do julgamento, os donos do Brasil Maravilha imaginaram que o Judiciário não criaria problemas: os ministros nomeados por Lula e Dilma decerto retribuiriam a indicação para o STF com a absolvição dos meliantes de estimação. Os recalcitrantes, caso houvesse algum, acabariam por render-se às pressões do Mestre. Surpreendidos pela altivez dos juízes que se recusaram a barganhar sentenças, os padrinhos arrogantes entenderam que só estariam seguros se contassem com uma bancada majoritária formada  exclusivamente por lewandowskis e toffolis. Lula acha que errou ao escolher Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia e Ayres Britto. Dilma acha que se equivocou ao indicar Luiz Fux. Ambos acham que acertaram na mosca com a nomeação de Rosa Weber, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso. Os ministros de confiança já são cinco.

Se o PT vencer a próxima eleição presidencial, a maioria será alcançada em novembro de 2015, quando Celso de Mello terá de aposentar-se e será substituído por alguma figura pronta para afrontar o Brasil decente com o elogio do cinismo. O processo aberto em agosto de 2007 ainda não foi concluído. Caso sejam aceitos os embargos infringentes, vai recomeçar do zero. E com outro relator. E com cinco togas dispostas a endossar qualquer chicana protelatória que adie o desfecho do julgamento e encurte o tempo que falta para a prescrição dos crimes. Quando Celso de Mello completar 70 anos, é certo que o processo não terá chegado ao fim. E a história estará condenada a um final infeliz.

Aparentemente, o decano do STF se considera prisioneiro de uma declaração favorável aos embargos infringentes feita na mesma sessão de 2 de agosto de 2012. O que parece coerência pode ser o outro nome da teimosia. Sua biografia não se tornaria menos luminosa ─ ao contrário ─ se mudasse de ideia sobre a velharia jurídica já banida dos outros tribunais. Os cinco ministros que honraram o Supremo ofereceram argumentos suficientemente robustos para que Celso de Mello a eles se junte. O que pode deslustrar-lhe a biografia será a constatação de que considera o regimento do STF mais importante que a democracia ainda na infância.

Se não revogou o parecer que escancarou a essência do esquema do mensalão, o ministro tem o dever de rejeitar os embargos infringentes. Repita-se: falta apenas uma toga para a consumação do plano obsceno que ele próprio denunciou há pouco mais de um ano. Ou Celso de Mello detém agora o avanço dos liberticidas ou desmatará o caminho que levará os marginais do poder ao domínio do Estado brasileiro.

(por Augusto Nunes)

‘O juiz e a sociedade’, de Merval Pereira

Publicado no Globo deste domingo

MERVAL PEREIRA

Ao chamar a atenção de seus colegas na reunião de quinta-feira sobre a provável reação das ruas a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que indiquem retrocesso em nosso sistema jurídico, o ministro Marco Aurélio Mello levantou uma questão que está sempre sendo debatida entre os próprios juízes: até que ponto a sociedade deve ter repercussão nas decisões dos tribunais, especialmente do Supremo, a última instância da Justiça brasileira?

 

Marco Aurélio Mello lamentou na ocasião que o tribunal que sinalizara “uma correção de rumos visando um Brasil melhor para nossos bisnetos”, estivesse “a um passo de desmerecer a confiança que nos foi confiada”. Irônico como quase sempre, Mello disse que já não falava em esperança de dias melhores para os filhos e para os netos.

O comentário suscitou uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso que não se coaduna com o que o próprio ministro afirmara em seu discurso de posse no STF. Nele, Barroso disse considerar um “bom símbolo” a juventude e o povo nas ruas cobrando melhorias para o País. Definiu o movimento social “como algo positivo. (…) essa manifestação pacífica, energia criativa e construtiva que está vindo das ruas, da sociedade brasileira, certamente fará muito bem a esta população.”

E o que disse Barroso na quinta-feira? “Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas.” Sou um juiz constitucional, me pauto pelo que acho certo ou correto. (…). Se a decisão for contra a opinião pública é porque este é o papel de uma Corte constitucional”.

O tema, aliás, havia sido abordado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, em sua posse, quando afirmou que os magistrados devem levar em conta as expectativas da sociedade em relação à Justiça e disse que não há mais espaço para o juiz “isolado”.

O ministro Luis Roberto Barroso certamente não ignora o que fez o povo sair às ruas para pedir o fim da corrupção, que é o cerne do que se discute nesse momento. Portanto, quando diz que não está à cata de “manchetes favoráveis”, mas sim de fazer o que acha certo, está ao mesmo tempo desprezando, com uma visão personalista, a opinião pública e a imprensa que a expressa em regimes democráticos. Não é um bom sinal, e nem mesmo combina com a imagem de humanista com que Luis Roberto Barroso sempre foi reconhecido.

E, sobretudo, vai de encontro a textos dele mesmo, como o que se segue, de 2008, sobre “a opinião pública”. Escreveu Barroso:

“O poder de juízes e tribunais, como todo poder político em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Embora tal assertiva seja razoavelmente óbvia, do ponto de vista da teoria democrática, a verdade é que a percepção concreta desse fenômeno é relativamente recente. O distanciamento em relação ao cidadão comum, à opinião pública e aos meios de comunicação fazia parte da autocompreensão do Judiciário e era tido como virtude. O quadro, hoje, é totalmente diverso”.

“De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associada à sua capacidade de corresponder ao sentimento social. Cortes constitucionais, como os tribunais em geral, não podem prescindir do respeito, da adesão e da aceitação da sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Se os tribunais interpretarem a Constituição em termos que divirjam significativamente do sentimento social, a sociedade encontrará mecanismos de transmitir suas objeções e, no limite, resistirá ao cumprimento da decisão”.

“A relação entre órgãos judiciais e a opinião pública envolve complexidades e sutilezas. De um lado, a atuação dos tribunais, em geral – e no controle de constitucionalidade das leis, em particular –, é reconhecida, de longa data, como um mecanismo relevante de contenção das paixões passageiras da vontade popular. De outra parte, a ingerência do Judiciário, em linha oposta à das maiorias políticas, enfrenta, desde sempre, questionamentos quanto à sua legitimidade democrática”.

“Nesse ambiente, é possível estabelecer uma correlação entre Judiciário e opinião pública e afirmar que, quando haja desencontro de posições, a tendência é no sentido de o Judiciário se alinhar ao sentimento social”(…)

(Merval Pereira)

‘Infringentes são eles’, por Carlos Brickmann

Publicado na coluna de Carlos Brickmann

No Português que falamos, todos esses réus que tentam novos recursos no Supremo são infringentes: infringiram (do latim infringere - descumpriram, violaram, transgrediram, desrespeitaram, ensina o dicionário) a lei e por isso foram condenados. Mas a discussão nem deveria ser essa: o Brasil perde longo tempo e o Supremo dedica boa parte de seus esforços pela oportunidade de tirar uma foto de condenados atrás das grades. Vale a pena o desgaste, a despesa, o esforço?

 

Este colunista sabe que está contrariando boa parte da opinião pública, que quer ver os condenados morando numa sólida masmorra, com chuveiro de água fria e banho de sol cronometrado. Mas a pergunta é pertinente: que é que ganhamos encarcerando os mensaleiros? Os crimes pelos quais foram condenados poderiam merecer outras penas que não as de prisão. Não é necessário, nem útil, nem adequado confiná-los em celas. Não precisam ser contidos; não oferecem risco físico a ninguém. Os condenados devem sem dúvida ser punidos, mas com a proibição de exercer atividade política (e, se desobedecerem a essa proibição, aí sim caberia o confinamento), com multas (o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso), com restrições diversas e trabalho comunitário, de forma a não deixar tempo para que se dediquem ao que for proibido. Ganham todos; inclusive nós, contribuintes, livres da pesada conta da hospedagem.

E o exemplo? O exemplo é vê-los condenados, ponto. Pedaços do corpo de Tiradentes foram expostos na rua, como exemplo. Foi horrendo. E não deu certo.

Cumpra-se a lei
Este colunista sabe que a lei tem de ser cumprida, que a lei é a base das penas que os ministros do Supremo aplicam, que a alternativa que sugere só se tornaria possível com a mudança da lei. OK; então, que os especialistas pensem nisso, e não apenas para gente chique, como os mensaleiros. 

Por que construir cadeias caríssimas, sempre em número insuficiente, gastando dinheiro que faz falta em outras áreas, se é possível punir sem cadeia quem não oferece risco físico?

Curiosidade
O livro é de Zuenir Ventura, pode ler que é ótimo. Este, 1968 – o que fizemos de nós, tem um atrativo extra: conta que em 1968 José Dirceu e Celso de Mello moravam na mesma república estudantil em São Paulo. Um se dedicou à política, outro ao Direito.

Agora se reencontram, um como condenado querendo recorrer, outro como o juiz cujo voto decidirá se o recurso pode ser aceito.

Quem pode, pode
O caro leitor enfrenta problemas com seu celular? O Governo eleito pelo caro leitor enfrenta problemas ao investigar crimes e ao lidar com criminosos? Quem manda ser um cidadão respeitador das leis? Porque o PCC, Primeiro Comando da Capital, cabeça do crime organizado em São Paulo, determinou por celular, a partir de um presídio de segurança máxima, o assassínio dos responsáveis pela morte do menino boliviano Brayan Yanarico Capcha, de 5 anos. 

Cinco eram os matadores; quatro já foram mortos. Dois, nas ruas; dois, numa cadeia de Santo André, no ABC paulista. O quinto, um adolescente internado na Fundação Casa, antiga Febem, vive sob escolta permanente da PM, pois também está jurado de morte. E como é que criminosos condenados e presos dão ordens, sabendo que as ordens serão cumpridas?

Excelente pergunta, caro leitor. Excelente pergunta.

A onda que vai e vem
Sabe esse monte de irregularidades que acaba de ser revelado no Ministério do Trabalho e na Fundação Banco do Brasil? Pois é: a história de entregar dinheiro público a certas ONGs, organizações não governamentais que vivem de recursos do Governo, vem de longe. Em 2001, PSDB no poder, houve uma CPI das ONGs no Senado, para apurar safadezas iguaizinhas a essas de agora; mas a CPI não andou, porque não interessava a alguns parlamentares que têm parte no rolo, nem ao Governo, que usa as ONGs como instrumento político. Em 2006 e 2007, PT no poder, a CPI das ONGs ressuscitou, mas foi devidamente sepultada. 

A senadora Ideli Salvatti comandou a bancada governista para esvaziá-la (valeu a pena: Ideli, que na época era uma política regional, hoje chegou a ministra).

Nome estranho
Certas coisas, só no Brasil. Por exemplo, aqui houve uma Organização Não Governamental lançada oficialmente no Palácio do Governo de São Paulo, pelo governador Mário Covas, PSDB. Este colunista comentou o estranho fato de uma organização não governamental surgir no Palácio do Governo e mereceu críticas em boa parte do discurso de Covas.

A propósito, a ONG não funcionou.

Saúde quase perfeita
O então presidente Lula chegou a dizer que faltava pouco para o sistema brasileiro de saúde atingir a perfeição. Era quase perfeito ─ o único problema é o quase. A Rede Bandeirantes de Televisão, em excelentes reportagens, mostrou que há falta de seringas descartáveis para aplicar insulina nos postos de saúde do SUS. O Brasil tem 12 milhões de diabéticos, boa parte dos quais precisa de insulina. Como não há seringas suficientes para a população mais pobre, o Ministério da Saúde orienta a usar até oito vezes a mesma seringa. 

É arriscar o uso e rezar.

(por Carlos Brickmann)

‘O poder da burrice’, por Nelson Motta

Publicado no Globo desta sexta-feira

Nelson Motta

Todos os governantes, políticos, empresários, juízes, policiais e burocratas corruptos estão aliviados e serão eternamente gratos aos black blocs e vândalos em geral, que lhes prestaram o grande serviço de expulsar das ruas as manifestações populares que exigem mudanças urgentes e têm neles os seus principais alvos. Por ignorância e estupidez, fazem de graça o trabalho sujo em favor do que há de pior no Brasil. E ainda se acham revolucionários… rsrs

 

Em São Paulo, um idiota mascarado dizia na televisão que o seu objetivo era dar prejuízos a empresas multinacionais do bairro. Se fosse o repórter, eu lhe perguntaria se ele nunca imaginou que a única consequência de uma vitrine de banco quebrada é o seguro pagar uma nova. E, se o seguro ficar mais caro, os bancos repassam o aumento para todos os seus clientes. Mas a anta encapuzada acha que está combatendo o capitalismo… rsrs

Outro bobalhão, no Rio, encurralado por um policial, exibia o cartaz “não há revolução sem violência”, mas não quer que o Estado democrático se defenda da revolução dele com todos os meios, inclusive a violência. As cenas das turbas desembestadas escoiceando vitrines, pulando em cima de carros, derrubando e incendiando latas de lixo, não evocam a queda da Bastilha ou as revoltas de maio de 68, mas as imagens grotescas e os grunhidos do “Planeta dos macacos”.

A violência é humana e pode ser legítima, criminosa, doentia, perversa, criadora, gratuita, justa ou inevitável, pode até ser o motor da história, e a sociedade democrática tem que conviver com ela e encontrar um equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos. Mas nunca foi tão burra como agora no Brasil.

Atuando como tropa de choque dos políticos bandidos, esses anarquistas de araque não sabem que são apenas fascistas, e usam as liberdades e garantias da democracia para ameaçá-la, impedindo que a população ocupe as ruas duramente reconquistadas da ditadura e livrando os verdadeiros inimigos do povo da pressão popular. Nunca tão poucos, e tão burros, deram tanto prejuízo a tantos, não a bancos e seguradoras, mas à democracia no Brasil.

(por Nelson Motta).

 

Fonte: Blog de Augusto Nunes (veja.com)

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