Demanda por alimentos é forte e crescente apesar da turbulência financeira, diz analista

Publicado em 15/07/2016 12:30

A atual turbulência observada quase que diariamente no mercado financeiro global segue gerando centenas de incertezas entre os investidores mundo a fora, que resultam em uma intensa volatilidade sobre os futuros das commodities, especialmente as agrícolas. Há, no entanto, um consenso entre analistas de mercado - também em todo o mundo - de que a demanda por alimentos está assegurada e deverá ser a última a ser atingida - caso seja - por um momento mais complicado da economia.

"A demanda é forte e vai continuar forte, pelo menos o consumo tradicional animal e humano". A declaração é de Steve Cachia, diretor da Cerealpar e também consultor do Kordin Grain Terminal, de Malta, na Europa. Entretanto, o executivo chama a atenção para essa volatilidade, a qual pode ser implacável a quem não a estiver acompanhando.

O arquipélago de Malta fica no sul do continente europeu, situado no Mar Mediterrâneo e hoje é sede de cerca de 600 fundos de investimento, contra apenas quatro em 2008. E é nesse ambiente em que Cachia vê as commodities agrícolas tornarem-se um mercado cada vez mais sofisticado e influenciado pelas questões financeiras. "O que mais me chama a atenção são as ferramentas técnicas sofisticadas que eles (os fundos)  têm, e é com isso que eles tomam decisões de compra ou venda", explica.

E o presente momento é de investidores dividindo suas atenções entre dezenas de fatores que deverão alinhar suas estratégias não só no curto e médio prazos, mas também no longo. Entre eles, o Brexit - a saída do Reino Unido da União Europeia -, os preços do petróleo, a economia da China, os juros nos Estados Unidos, conflitos geopolíticos e tantos outros. Apesar disso, Cachia reforça que, "no final das contas, é sempre o quadro de oferta e demanda que, em um período, dá um preço médio para o mercado".

Brexit

No último mês, um plebiscito realizado no Reino Unido decidiu que o país deveria deixar a União Europeia e a reação imediata do mercado financeiro foi de pânico generalizado. Os investidores buscaram ativos mais seguros, derrubaram moedas importantes - a libra foi à mínima em mais de 30 anos - commodities e bolsas de valores.

"Isso foram os fundos ajustando suas posições já que eles tinham que se proteger, reduzindo seu risco e/ou sair de posições lucrativas para cobrir perdas em outros mercados”, explica Cachia. "E as commodities agrícolas também sentiram esse efeito porque hoje os fundos são players importantes nesse mercado, eles trazem liquidez, para cima ou para baixo", completa.

O que se viu foi, portanto, nada mais do que uma atuação maciça por parte desses fundos, os quais conseguem dar mais volatilidade ou direção para as cotações de forma mais rápida. Assim, é possível registrar movimentos das commodities agrícolas mais como somente ativos financeiros do que respondendo a seus fundamentos próprios, e isso pode acontecer no curto e no curtíssimo prazo, como explica o analista. "Entretanto, em um período de tempo, o fundamental prevalece, a relação de oferta e demanda".

Assim, daqui em diante, para Cachia, o Brexit inspira atenção, principalmente, sobre dois aspectos: o comércio e a área financeira e as relações nas duas frentes entre o Reino Unido e a União Europeia e o Reino Unido e demais países de fora do bloco. "Será preciso acompanhar a desvalorização do setor imobiliário, redução de investimentos na Inglaterra, importações/exportações. Muitas empresas da área financeira de Londres, por exemplo, já estão buscando alternativas para continuar tendo acesso normal ao mercado da UE", afirma o diretor da Cerealpar.

Além disso, o movimento dos ingleses traz ainda as preocupações com a possibilidade da saída de mais países da União Europeia, o que poderia criar um momento de caos do ponto de vista financeiro e comercial. Para o produtor inglês, as mudanças poderiam trazer momentos um pouco mais difíceis, com subsídios menores e custos mais elevados. "Para o Brasil, nada muda. Ainda teremos acesso normal ao mercado, com novos acordos se for preciso", diz o executivo.

China e consumidores em potencial

Se o Brexit não preocupa tanto, a China preocupa um pouco mais, acredita Steve Cachia. Todavia, "em nada preocupa a demanda crescente por soja e milho", salienta o analista. "Eles continuarão a quebrar recordes de importação de soja e, a cada ano que se passa, aumenta a necessidade dos chineses de passar a importar milho. Não podemos esquecer que o país não está decrescendo, está apenas crescendo menos do que estávamos acostumados", completa.

A nação asiática registra, todos os anos, milhões de pessoas migrando para uma classe social mais alta e entrando, portanto, em uma linha de consumo melhor dado seu poder aquisitivo mais elevado. "E o dinheiro muda os hábitos alimentares das populações, a história mostra isso", lembra Cachia. A demanda é forte e crescente no país por óleo de soja, carnes, grãos, leites, ovos, cereais, entre outros produtos, e isso não deve mudar de padrão tão cedo.

Ao se focar o agronegócio, é possível perceber que em tempos de crise as mudanças mais tardias vêm na alimentação, e quando vêm. Assim, o atual cenário que pode ser observado na China atualmente, se estende para demais países, como a Índia e a África.

"Os produtores rurais ao redor do mundo deveriam ajustar suas perspectivas e visões para o forte potencial de novos clientes consumidores como a África e a Índia, não somente a China", disse, em um artigo, Erik Norland, economista chefe e diretor executivo do CME Group, grupo em que está inclusa, entre outras, a Bolsa de Chicago.  

Embora a África conte com um território expressivo e de grande potencial, há três importantes desafios elencados por Norland para o continente, que conta com mais de 50 países: a dificuldade de geração de recursos agrícolas, a dificuldade na geração de capital e a fragmentação política.

A projeção indica que, em 25 anos, a população africana passe de 1,15 bilhão para 1,91 milhão de pessoas. "E para alimentá-las, será necessária a combinação de um aumento da produção local e de uma enorme compra de alimentos de fora", explica o economista da CME.

Na Índia, o quadro é semelhante, apesar de uma dieta um tanto diferente. A população local atual também passa de 1 bilhão de pessoas e os recursos para um aumento da produção agrícola também são bastante limitados e um desafio para o país. Até 2040, essa população, ainda de acordo com números da CME e da FAO - o braço da ONU (Organização das Nações Unidas) para alimentação e agricultura, deve apresentar um incremento de mais de 30%.

No link a seguir, confira a entrevista de G. Chandrashekhar da Hindu Business Line a João Batista Olivi, no Fórum do Feijão, em Foz do Iguaçu:

>> Índia e Paquistão, com 1 bilhão e 800 milhões de pessoas, pedem a atenção dos agricultores brasileiros

"Não seria uma surpresa se a Índia importar quantidades cada vez maiores de alimento do mercado mundial, principalmente da Europa e das Américas. Além disso, há o potencial de um aumento da quantidade per capita de comida a ser consumida pelos indianos. Ou seja, como a África, a Índia pode ser mais um componente para a tempestade perfeita do aumento da demanda global por alimentos", acredita Erik Norland.

Consumo de alimentos per capita na Índia - Fonte: FAO

Desde 1991, é possível observar um crescimento de consumo no país de cerca de 50% entre ovos e laticínios e 32% de óleos vegetais. Para os próximos 25 anos, a perspectiva aponta ainda para um consumo de grãos 30% maior, ou seja, em linha com o crescimento previsto para sua população. Atenção redobrada para suas necessidades de milho e arroz.

Consumo de grãos na Índia - Fonte: FAO

"A estagnação na alimentação só acontece em países desenvolvidos, e não naqueles em desenvolvimento. Nesses últimos, pela natureza de populações mais pobres agora tendo acesso a um maior e melhor volume de alimentos e pela industrialização tirando o homem do campo pra morar na cidade, a situação de aumento na demanda parece irreversível", acredita Steve Cachia. "Por isso, acredito que o mundo de commodities agrícolas ainda está em um ciclo de demanda, apesar da oferta aparentemente abundante", conclui.

Um levantamento feito em parceira com a FAO, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que, até 2050, o crescimento da oferta de alimentos necessário para atender à demanda mundial deverá vir 40% do Brasil. O assunto foi amplamente debatido por líderes de mais de cem países no Global Agribusiness Forum, em São Paulo, na última semana.

Crescimento da população mundial - Fonte: FAO

Petróleo

No quadro da demanda, Steve Cachia chama a atenção para o mercado do petróleo. Embora há algumas semanas os preços tenham testado uma recuperação e uma volta ao patamar dos US$ 50,00 por barril na Bolsa de Nova York, os movimentos de alta ainda são frágeis, dado o cenário de fundamentos que ainda pressionam as cotações. A oferta é grande e a demanda não acompanha. Apesar disso, em 2016, o WTI, em NY, acumula uma alta de 24,38% e o Brent, em Londres, de 28,30%.

"Se (o mercado) volta a derreter como alguns economistas estão prevendo, isso pode afetar o biodiesel e o etanol, produtos que também têm sua importância subestimada, mas que são hoje uma fatia importante da demanda global de soja e milho. Basta dizermos que, nos EUA, um terço da safra de milho é destinada á indústria de combustível ecologicamente correto", explica o analista.

Fluxo Monetário

A volatilidade entre ativos mais sensíveis, como as commodities agrícolas, se intensifica ainda mais dado um maior fluxo de dinheiro no mundo, o qual vem crescendo após a crise financeira registrada em 2008. E essa movimentação mais intensa de maiores volumes de dinheiro se dão frente a uma corrida dos fundos investidores por alternativas, quase que diariamente. Hoje, a palavra-chave no financeiro evoluiu de bilhões para trilhões.

"Por isso que a indústria de serviços financeiros de Londres, por exemplo, é um dos setores que mais pode ser atingido por ações como essa do Brexit. Há uma correria para alternativas, como por exemplo ter uma base em Malta, que é um novo centro financeiro, parte da União Europeia, e ainda parte da Commonwealth, o grupo dos países ingleses e ex-colônias da Inlgaterra", afirma Cachia.

Taxas de Juros

As atuais taxas de juros do mundo são negativas. E, do ponto de vista macroeconômico, a tendência é de que muitas economias mantenham suas referências mais baixas como medida de estímulo diante de tudo o que está acontecendo e também pelo temor de um não crescimento.

"E isso é totalmente ao contrário do que o Brasil faz em momentos de crise econômica. O pavor do Brasil com a inflação faz com que na verdade não se tome medidas de estímulo à economia", diz. "Se o Brasil baixar os juros haverá uma retomada na economia, que hoje é mais aberta e com uma população mais consciente, o que não necessariamente vai se traduzir em inflação", completa.

Sobre os juros nos Estados Unidos, as expectativas são de que novas altas que vinham sendo sinalizadas pelo Federal Reserve - o Banco Central norte-americano - e nunca concretizadas, continuem a ser adiadas, de modo a contribuir para o crescimento da economia. Atualmente, a taxa norte-americana de juros é de 0,5% ao ano.

Por: Carla Mendes
Fonte: Notícias Agrícolas

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