Código Florestal, utopia ou loucura?, por RODRIGO LARA MESQUITA

Publicado em 18/03/2012 16:42 e atualizado em 19/03/2012 16:16
por RODRIGO LARA MESQUITA, jornalista; Twitter: @rmesquita - O Estado de S.Paulo

Só um indivíduo socialmente irresponsável seria contra a possibilidade de o Brasil reverter, num período de tempo plausível, os erros graves cometidos no seu processo de ocupação territorial. 

Querer resolver esses problemas numa patada, com um golpe de força, é ignorar o processo histórico, suas circunstâncias e criar um ambiente propício para toda ordem de conflitos. 

A versão do Senado para o Código Florestal prevê a recuperação de áreas de preservação permanente (APPs) em todas as propriedades rurais. Quem defende esse dispositivo está praticamente condenando à morte 4,5 milhões de pequenos agricultores, responsáveis por mais da metade da produção de alimentos no País, e colocando uma bomba no colo da presidente Dilma Rousseff. 

E está fazendo isso premido por argumentos e campanhas que muitas vezes se sustentam mais por argumentos emocionais do que racionais; não é possível reverter 500 anos de um processo econômico com um decreto. 

No final do século passado, foram consideradas APPs as faixas marginais dos rios, as encostas de morros e outras situações. Mas a ocupação desses locais já ocorrera, ao longo dos nossos 500 anos de História. Os principais exemplos são as pastagens nas montanhas de Minas Gerais, como ocorre nos Alpes e nos Andes; os vinhedos e macieiras em encostas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, como em grande parte da Europa; o café em altitude em São Paulo e Minas Gerais, como na Colômbia; os bananais no Vale do Ribeira, como no Equador; e a ocupação de várzeas e terras férteis à margem de rios com plantios de arroz, irrigação, criação de búfalos e outras atividades, como no Nilo, no Mekong, etc.

Na versão aprovada na Câmara dos Deputados, as atividades agropecuárias tradicionais, desenvolvidas até 2008 em APPs, seriam consolidadas, com a proibição de abertura de novas áreas. Mas o Senado impôs mais uma condição: os agricultores devem arrancar cultivos e pomares, retirar o gado e recuperar a vegetação nativa em faixas de 15 até 500 metros de cada lado dos rios e riachos. Ao longo do Rio São Francisco ou de rios de Mato Grosso, por exemplo, isso pode representar a perda de mais da metade das áreas produtivas. Para quem tem diversos riachos na propriedade pode inviabilizar toda a produção. É também o caso dos projetos de irrigação, instalados ao lado dos rios.

A proposta, portanto, é de que o Estado imponha essa perda agrícola e ainda transfira o ônus para os agricultores: uma utopia ou loucura, dependendo da sua perspectiva. Segundo fontes do Ministério do Meio Ambiente, a agricultura perderia 33 milhões de hectares. Para outras fontes, isso representaria arrancar cultivos, pomares e pastagens de 60 milhões de hectares.

Quanto menor a propriedade rural, pior a sua situação. Os pequenos utilizam a totalidade das terras para produzir e sobreviver. De acordo com a Lei n.º 8.629/93, pequenas propriedades são imóveis entre um e quatro módulos fiscais (MFs), cuja dimensão é definida pelo Incra para cada município.

Em parte do Brasil, o Senado propõe que essa perda de terras produtivas se limite ao máximo de 20% da propriedade com menos de quatro MFs. Ora, ao longo dos rios estão os terrenos mais férteis. Na maioria dos casos, esses 20% de terras férteis garantem 50% a 80% da renda do produtor.

Um estudo da Embrapa Gestão Territorial verificou, com base no Incra e no Censo Agropecuário do IBGE de 2006, que os imóveis com até quatro MFs correspondem a 89% dos estabelecimentos agropecuários do País, ocupam 11% do território e contribuem com 50% da produção agropecuária. Eles serão duramente atingidos por essa medida, cujo alcance social e econômico o Ministério do Meio Ambiente e o governo não dimensionaram, muito menos o Senado.

Como impor indiscriminadamente a recomposição com vegetação nativa de áreas produtivas, se elas foram ocupadas em conformidade com a lei de seu tempo? O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, já prevê uma enxurrada de ações judiciais. Se não é uma enorme irresponsabilidade defender tal medida, é uma tentativa de passar a borracha na nossa História e em alguns casos levar a fatura para quem não tem nenhuma responsabilidade sobre esse passado.

Áreas de preservação permanente devem ser recuperadas quando e onde for pertinente, e todos os esforços nesse sentido são bem-vindos. Mas exigir a mesma faixa de vegetação para um riacho que corre dois meses na caatinga, ou desce encachoeirado as serras do Espírito Santo, ou escoa quase imperceptível pela pampa gaúcha, ou forma um pequeno igarapé na Amazônia é ignorar a diversidade do meio ambiente. Cada bioma pede critérios específicos. Os Estados devem participar da avaliação e do esforço para recompor as APPs de forma adequada, considerando a ocupação das terras, as tecnologias empregadas, a situação de conservação dos solos e das águas e, mais do que tudo, a história de como isso ocorreu, num processo secular.

A regularização das atividades econômicas produtivas até 2008 em APPs dará segurança jurídica ao homem do campo. O princípio da precaução sugere que o governo avalie a situação das APPs e só depois proponha sua recuperação, por meio de critérios técnicos, lá onde for necessário, de forma adequada e no tempo possível. Forçar a recomposição como regra absoluta pode quebrar a agricultura e os agricultores, além de abalar profundamente um dos setores mais desenvolvido e dinâmico da economia do Brasil.

Vale lembrar de novo que o objetivo das leis é apoiar a sociedade, e não controlar a sociedade. São dinâmicas, evoluem com ela, contribuindo para a formação do arcabouço institucional. Quando as estruturas legais se chocam com as estruturas sociais, elas criam as condições para conflitos sem fim.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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