Sabiá laranjeira - Nostalgia, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 04/03/2015 15:48
Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo, formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.

Sabe aqueles dias que a gente acorda nostálgico, com saudade e vontade não sei de que? Vontade de fazer tudo ao mesmo tempo e afinal acabar não fazendo nada? Hoje acordei assim e assim permaneci por todo dia. Nostálgico, mas não triste!

Nesta tarde de domingo, o tempo demorava a passar. Após o almoço, fiz uma das coisas de mais gosto – ler revistas semanais e alguns jornais, sentado numa cadeira de balanço no gramado de casa.
Existe um ditado que diz: “o casal começa a vida só e termina da mesma forma”. Pois é, ao casarmos  sonhamos em construir uma família, ter nossos rebentos sempre próximos a nós e sem dúvida, prosperar. Feliz de quem consegue isso tudo, mas evidência não muito comum de se encontrar. 

Estes bichinhos empenam, sonham e querem voar, principalmente quando as oportunidades de bons empregos surgem em locais distantes. 

Ouço com muita frequência minha esposa resmungando baixinho e eu fingindo que não escuto: - poxa nenhum dos meus filhos mora perto da gente, isso é muito ruim! 

Ela tem razão porque coração de mãe funciona em outra sintonia. Prevalece a necessidade de proteção e o contato carnal frequente com as crias. As telefônicas agradecem!

Quando a questiono lembrando-a de que, nós dois também voamos e fincamos nossas raízes, longe de nossos pais, ela se cala e fica pensativa. 

“A vida tem horas difíceis de se passar, pedaços quase impossíveis de se entender”. Mas estranhamente, o ser humano só alcança o progresso perante uma situação desafiadora. Pelo menos para mim foi assim!

Nós crescemos na adversidade, ela nos estimula criarmos circunstâncias favoráveis muito melhores do que àquelas quando ficamos em estado de acomodação. Lembro-me do ditado do professor de Biologia quando dizia: - vamos à luta rapazes, porque o homem realizado cheira a defunto!

Chega de lero-lero e vamos ao nosso artista principal -, meu sabiá laranjeira. Digo meu, porque tenho a impressão de que ele escolheu esta tarde para cantar só para mim. Neste momento canta sem parar, apesar de parecer um jovem debutando nesta arte, pois  imita com certa dificuldade o canto de um adulto, tamanha sua desafinação.

A mim pouco importa sua afinação, porque “na voz dos desafinados também pulsa um coração”. A música sertaneja que ouço neste momento parece desafiá-lo a cantar mais alto ou, talvez o jovem pássaro queira me dizer: - desligue este rádio amigo, apenas me ouça!

Começa o entardecer e vejo, quase que sem brilho, a primeira estrela no céu e ele subitamente para de cantar. Irá descansar na copa de uma árvore ali por perto, imagino. Neste momento ouço o canto triste de uma corruíra, prenunciando que o esplendor da noite se aproxima.

Deveria comemorar por mais este dia abençoado, afinal estou vivo, com ótima saúde, ouvindo e enxergando maravilhosamente bem, mas o saudosismo toma conta do meu ser. E, por uma única razão: esta dupla de sabiá e corruíra, juntamente com a música que ouço agora, me transportou à infância na roça. 

A boca da noite, no sitio, onde passei a infância, sempre foi melancólica. A rotina da labuta diária não me deixava espaço para sonhar tão grande, apesar do apoio da família. “Nestes versos tão singelos, minha bela, meu amor, pra você quero contar o meu sofrer e a minha dor. Eu sou como um sabiá que quando canta é só tristeza lá no galho onde está”.

Dessas cantorias, sabiá, corruíra e a moda sertaneja, sinto falta do canto triste do inhambu xororó que fechava a cortina do entardecer. Esse pássaro deve estar em extinção, pois há muito tempo não o ouço, pelos campos por onde passo. 

Depois dele só as escandalosas e agourentas corujas, segundo minha mãe, apareciam para cantar na cumeeira de nossa casa. - Xô coruja! Pobre ave, uma ótima feitora, rotulada como má pela crendice popular!

“Não deixa que a tristeza do passado e o medo do futuro estraguem a alegria do presente”. O importante da vida é a largura e não o cumprimento.

“Não devemos nos iludir com a juventude, pois ela é passageira. A velhice, sim, é definitiva. Sorte daqueles que ficam velhos”. Estes sim poderão passar suas experiências e contar suas histórias para os mais novos.

E VIVA O CANTO NOSTÁLGICO DO SABIÁ!

osvaldo.piccinin@agroamazonia.com.br

Tags:

Fonte: Osvaldo Piccinin

NOTÍCIAS RELACIONADAS

No caixa eletrônico, por Osvaldo Piccinin
Olhos do Tempo, por Osvaldo Piccinin
Despedida desastrosa, por Osvaldo Piccinin
Nosso farmacêutico Adauto, por Osvaldo Piccinin
O clarão da lua cheia, por Osvaldo Piccinin
Colonoscopia e endoscopia com humor, por Osvaldo Piccinin
undefined