Estilingue, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 13/08/2013 08:39 e atualizado em 18/12/2013 09:53
Por Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.

A arte de caçar e de se fazer um bom estilingue nos foi passada de geração em geração. Eu tinha verdadeira paixão pelos meus; além de ótima pontaria. Dormia com eles pendurados na cabeceira da cama, com medo que fossem roubados.

Estilingue também conhecido por funda, baladeira ou atiradeira, graças a Deus, hoje em desuso, é uma arma muito antiga e utilizada pela molecada da roça, até alguns anos atrás. Melhor dizendo, ainda é usado em alguns lugares do Brasil.

Para se conseguir um bom estilingue, uma borracha de qualidade era indispensável. Estas deveriam ter como principais características, resistência e boa elasticidade.

Nós usávamos três tipos diferentes: câmara de ar de caminhão, mas não podia ser borracha morta, do tipo que estica pouco e nem muito dura; câmara de ar de bicicleta - com ótima elasticidade e a tripa de mico. Esta última, por sinal, comprada em farmácias, também conhecida como borracha para medir pressão – um verdadeiro luxo!

Além de boa borracha, necessitávamos de uma forquilha de árvore e de uma malha de couro, geralmente tirada de uma botina velha. As melhores forquilhas eram as do arbusto conhecido como leiteiro e das frutíferas: jabuticabeira e goiabeira. 

Tínhamos o costume de marcar nas árvores, as forquilhas, ainda jovens, que futuramente seriam cortadas para se tornarem um possante e cobiçado estilingue - verdadeiro orgulho de todo menino da roça!

Lendas sobre estilingues sempre existiram entre a molecada, assim como: para se ter uma boa pontaria, necessitava-se matar um beija-flor e comer seu coração ainda cru. Outra lenda, mas que todo menino respeitava: matar o pássaro anu branco dava azar e o estilingue se tornava ruim de pontaria. 
Os pássaros mais caçados por nós eram as rolinhas – saborosas iguarias, mas não enjeitávamos um tico - tico, joão - bobo ou corruíra, para treinarmos a pontaria. Estes últimos não valiam como troféu.  Quanta ignorância, quanta estupidez! 

Mas a nossa cultura era esta e ninguém nos orientava a proteger os indefesos pássaros e sim a caçá-los, até mesmo nos ninhos. Esta consciência preservacionista é coisa recente, mas veio pra ficar, graças a Deus!

A munição que usávamos era escolhida com esmêro. Bolotas de barro endurecidas pelo calor do fogão à lenha - após as fornadas de pão caseiro – tinham a preferência. Considerados nobres os pedregulhos arredondados, catados nos leitos dos rios, nos enchiam de certeza de uma tacada certeira.

As sacolas de pano, cosidas pelas nossas avós e mães – completavam o arsenal de uma boa passarinhada; nela carregávamos o estilingue, a munição, e claro -, os pássaros abatidos. Sacola esta mais conhecida por picuá ou embornal. 

Nas caçadas demoradas tínhamos um truque para a ave abatida não endurecer – colocávamos uma pena da própria ave atravessando suas narinas. E dava certo!

O troféu número um, para o caçador de estilingue era um pobre e arisco inhambu – ficava quase sempre no sonho. Eu, em toda minha vida de menino caçador, apenas uma vez, realizei esta proeza.

Para cada passarinho abatido, fazíamos um pequeno corte transversal no cabo da baladeira. O bom atirador, quando não mentiroso, a gente conhecia pela quantidade dessas marquinhas.

Carregávamos o estilingue pendurado no pescoço, para exibir a quantidade de passarinhos que matávamos. “Acertei bem no peito, acertei na asa, acertei bem na cabeçinha” - eram as expressões mais familiares e usadas para cada ave morta.

Confesso que até hoje cobiço um bom estilingue, por pura nostalgia. Só que agora, não mais para matar passarinhos e sim para exibir, ainda, minha boa pontaria aos filhos e amigos. Os alvos? Cortar o cabinho de uma manga madura a dez metros de altura, derrubar latinhas vazias de cerveja ou ainda cortar o cabinho de uma flor silvestre. Flores estas, que sem demagogia, ofereço aos pobres e indefesos pássaros que matei nesta vida!

E VIVA A INFÂNCIA NA ROÇA!

osvaldo@agroamazonia.com.br

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Fonte: Osvaldo Piccinin

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