Câmbio e risco soberano, por Roberto Padovani
Com a aprovação da reforma da previdência em um contexto de ampla liquidez global esperava-se uma apreciação relativamente rápida do câmbio. Não foi o que se observou e, pelo contrário, a moeda brasileira perdeu terreno em relação ao dólar e a várias outras moedas emergentes.
Este movimento foi uma surpresa para boa parte do mercado. Seria natural esperar que o câmbio refletisse os avanços domésticos e acompanhasse a valorização observada em ações e títulos. Visto de hoje, a frustração pode ser explicada pelo fortalecimento do dólar, pela queda de preços de commodities e pela redução expressiva dos juros locais, que atrai menos fluxos de curto prazo e estimula a antecipação do pagamento da dívida externa privada.
O que chama atenção, no entanto, é o descolamento do câmbio em relação ao risco soberano. Historicamente, os prêmios praticados no mercado sempre mostraram elevada correlação com a moeda. Mas desde 2017 o real deixou de acompanhar as principais medidas de solvência da dívida pública. Considerando apenas o comportamento do CDS, por exemplo, a cotação cambial poderia estar significativamente mais baixa.
Algumas análises sugerem que este descolamento se deve ao fato de o risco soberano refletir apenas a possibilidade de default da dívida externa, que praticamente desapareceu nos últimos cinco anos. De fato, embora a dívida externa tenha se mantido no patamar de US$ 70 bilhões, o rápido acúmulo de US$ 300 bilhões de reservas internacionais até 2012 fez com que a dívida deixasse de ser uma preocupação. Mesmo assim, no entanto, risco soberano e câmbio continuaram correlacionados e mostrando forte oscilação nos anos seguintes.
Uma possível explicação para a divergência entre risco e câmbio está no mercado internacional de títulos. A elevada liquidez global tem feito com que a demanda por ativos seja maior que a oferta de títulos de governo e empresas, levando a um achatamento dos spreads em renda fixa. Este quadro não se alterou mesmo diante de todas as turbulências observadas nos últimos meses.
Isso significa que o rendimento dos papéis públicos e privados reflete mais uma condição específica de mercado que uma avaliação efetiva de crédito. Não por outro motivo, as classificações de risco feitas pelas agências de rating não acompanharam a queda nos spreads de crédito. Apesar de todos os avanços recentes, o Brasil ainda é considerado um mercado especulativo, o que o torna sensível a ruídos de curto prazo e explica a instabilidade dos fluxos de capitais ao longo dos últimos quatro anos. E, neste momento, os ruídos não são poucos.
Além de um passado recente de populismo, recessão e perdas financeiras, o País tem aparecido de forma negativa nas manchetes dos jornais internacionais em um momento marcado pelo temor de recessão nos Estados Unidos e pela piora no quadro político em vários países emergentes, em especial na América Latina. Neste ambiente, os papéis passaram a ficar caros para o risco oferecido, não permitindo que a liquidez global se transforme em ingressos relevantes de capitais.
A ausência do investidor externo, no entanto, não tem contaminado as leituras locais, como indica o comportamento dos mercados de ações e de títulos públicos e privados. Interessante notar que a moeda também mostrou descolamento em relação aos dados de confiança de empresários e consumidores, reforçando a ideia de que os movimentos globais pesam mais sobre o câmbio.
Mas é possível que a divergência de visão entre os investidores locais e internacionais seja temporária. Considerando a continuidade do avanço da agenda de reformas e a confirmação da aceleração do crescimento local, uma maior estabilidade global será decisiva para que a moeda volte a convergir para os níveis do risco soberano, reestabelecendo a correlação histórica entre as variáveis. Até lá, o risco soberano continuará não sendo um termômetro confiável para a taxa de câmbio.
Roberto Padovani é Economista-Chefe do Banco Votorantim