A briga pelo preço do combustível revela que o Estado é o gigolô da sociedade
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Guerra de Bolsonaro com governadores é populismo tributário, escreve ADRIANA FERNANDES, colunista da Editoria de Economia do jornal O Estado de S. Paulo
"O presidente Jair Bolsonaro avançou em caminho perigoso ao prometer zerar os tributos federais cobrados sobre os combustíveis, caso os Estados façam o mesmo com o ICMS.
O movimento do presidente responde à pressão dos seus seguidores nas redes sociais que se queixam do preço dos combustíveis. É difícil imaginar de onde o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai cortar as despesas ou aumentar a alíquota de outros tributos para compensar a perda de arrecadação se tiver que abrir mão dos impostos sobre diesel e gasolina.
O desafio de Bolsonaro também é uma estratégia política de desgastar os governadores que não são aliados em ano de eleições municipais. A mira é extensa, mas foca os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio, Wilson Witzel (PSC).
Dois dias antes, 23 governadores assinarem uma carta em protesto à proposta do presidente de encaminhar um projeto ao Congresso para alterar a forma de cobrança do ICMS que incide sobre a gasolina e o diesel.
Esse tributo é de responsabilidade exclusiva dos Estados. O que irritou os governadores, que cobraram do governo a redução os seus tributos. Os tributos federais (PIS/Cofins e Cide) têm impacto de cerca de 15% no preço final do combustível ao consumidor e garantiram uma arrecadação de R$ 27,4 bilhões em 2019.
O presidente estica a corda com os governadores, mas o custo desse embate – seja ele financeiro ou político - cairá diretamente no colo do ministro da Economia. Em ano de reforma tributária, a guerra do presidente com os Estados é péssimo caminho.
Se já é difícil fazer uma reforma tributária com diálogo, imagina em meio à guerra política lançada pelo presidente. Os primeiros sintomas do embate entre Bolsonaro e os Estados já ecoaram no Senado, que na terça-feira, 4, se rebelou contra a comissão mista que será formada para convergir as propostas de reforma da Câmara (PEC 45) e do Senado (110). Guedes foi o mais o criticado por não ter enviado ainda a sua proposta. O ministro vira vidraça.
Afinal, a reforma tributária é ou não é prioridade da equipe econômica?
Em março, já se sabe que o Ministério da Economia terá que fazer o primeiro bloqueio de despesas. Como explicar corte de tributo? Que áreas vão perder recursos?
Governadores ainda em aperto financeiro também terão dificuldade para dispensar receita. Se quisessem mesmo resolver o problema do sistema de cobrança de tributos sobre combustíveis, já deveriam estar todos sentados para negociar a reforma tributária. Enquanto isso, as brigas atrasam o processo.
Em tempos de ajuste fiscal (que ainda está longe do fim), não dá para fazer populismo tributário"., finalizou Adriana Fernandes, na edição desta quarta-feira.
Os 23 Governadores já reagiram contra a proposta de Bolsonaro
Em comunicado conjunto divulgado na segunda-feira, 3, 23 governadores reagiram à proposta de Bolsonaro de encaminhar um projeto ao Congresso que propõe a incidência de um valor fixo de ICMS por litro, e não mais sobre a média de preço cobrado nos postos.
A iniciativa causou grande desconforto nos governadores, já que o ICMS é um tributo dos Estados. Há uma avaliação entre os governadores de que o presidente adota uma postura populista ao tentar colocar no colo dos Estados uma responsabilidade dos preços altos para enfraquecê-los nas próximas eleições. Eles avaliam que Bolsonaro deveria trabalhar para reduzir a tributação federal sobre combustíveis.
Ao tratar do assunto nesta quarta-feira, durante entrevista na porta do Palácio da Alvorada, o presidente voltou a reclamar que a redução no preço do combustível nas refinarias não é refletida no valor cobrado nos postos para o consumidor final.
"Pelo menos a população já começou a ver de quem é a responsabilidade. Não estou brigando com governador, eu quero que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba", disse Bolsonaro. "Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias e na bomba não baixou nada."
Questionado sobre a contrariedade de governadores à proposta, Bolsonaro reagiu: "É lógico que governadores são contra (mudar regra de ICMS), arrecadação, né?".
O presidente vem defendendo uma alteração na cobrança do ICMS sobre combustíveis. Segundo ele, o imposto é o responsável pelos altos preços cobrados na bomba ao consumidor e devia ser cobrado nas refinarias, e não no ato da venda no posto de combustível, como ocorre atualmente. De acordo com Bolsonaro, pelo sistema atual, os postos aumentam o preço final para compensar o gasto com o imposto. Os tributos federais que incidem sobre combustíveis são a Cide e o PIS/Cofins.
Impacto para a União seria de R$ 27 bi
Zerar os tributos incidentes sobre os combustíveis custaria aos cofres do governo federal R$ 27,4 bilhões em 2019. De acordo com a Receita Federal, o maior tributo federal sobre os combustíveis é a Cofins, cuja arrecadação no ano passado chegou a R$ 20,2 bilhões, seguido pelo PIS, com R$ 4,3 bilhões, e a Cide, com R$ 2,9 bilhões.
Ao deixar na manhã desta quarta o Ministério da Economia para reunião com Bolsonaro, Paulo Guedes não respondeu a perguntas da imprensa sobre a possibilidade de zerar os tributos sobre os combustíveis. Mais cedo, ao chegar ao edifício-sede da pasta, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, também não comentou o desafio proposto pelo presidente Bolsonaro.
Desde a crise dos caminhoneiros, em maio de 2018, ainda na gestão de Michel Temer, o governo reduziu as alíquotas de PIS/Cofins e da Cide sobre o diesel. No ano passado, essas duas desonerações já custaram ao governo federal R$ 7,8 bilhões e R$ 2,8 bilhões, respectivamente.
Confira como é composto o preço do combustível para o consumidor
Gasolina
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Distribuição e revenda: 12%
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Custo do etanol anidro*: 14%
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ICMS (imposto estadual): 29%
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Cide e PIS/Pasep e Cofins (impostos federais): 15%
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Parcela da Petrobrás: 30%
*Composição: 73% gasolina A e 27% etanol anidro na gasolina comum e aditivada - na gasolina premium é de 25%
Diesel
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Distribuição e revenda: 15%
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Custo do biodiesel*: 9%
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ICMS (imposto estadual): 15%
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Cide e PIS/Pasep e Cofins (impostos federais): 9%
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Parcela da Petrobrás: 52%
*Composição: 89% de diesel e 11% de biodiesel
Os cáculos foram feitos com base nos preços médios da Petrobrás e nos preços médios ao consumidor final em 13 capitais e regiões metropolitanas entre os dias 19 de janeiro deste ano e 25 de janeiro. A fonte para as informações é a Petrobrás, com dados da ANP e CEPEA/USP.