Conflito entre as regras impostas pela União Europeia e o desmatamento ilegal e legal no Brasil
O agronegócio e os setores urbanos estão intrinsecamente conectados, já que as cadeias produtivas de alimentos influenciam diretamente no cotidiano das cidades. Porém, muitos ruídos de comunicação entre as duas pontas geram discussões e desentendimentos que merecem atenção. Nesse contexto, o site Notícias Agrícolas e a consultoria MPrado desenvolveram o projeto Conexão Campo e Cidade, que visa debater diversas questões relacionadas aos negócios que envolvem os ambientes urbanos e rurais.
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Na última semana, a União Europeia aprovou novas diretrizes para impedir a compra de commodities com origem de áreas desmatadas. Essa questão envolve diretamente o Brasil, que é alvo de críticas internacionais por conta do desmatamento de matas nativas, sobretudo no bioma Amazônica. Essa questão foi debatida no Conexão Campo Cidade desta segunda-feira (12), que contou com a participação de Rodrigo C A Lima, Sócio-diretor da Agroicone, diretamente da Cúpula da Biodiversidade, a COP15, no Canadá.
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Maior problema ambiental do Brasil é o desmatamento
A COP, de onde Rodrigo Lima participado do Conexão Campo Cidade, discute a aprovação do chamado Marco Global de Biodiversidade, com 22 metas planetárias envolvendo governos, instituições privadas e sociedade civil, cujo objetivo é evitar a perda de biodiversidade no mundo, extinção de espécies e degradação de solos, com produção sustentável.
No contexto brasileiro, Lima percebe uma força muito grande de ações positivas nesse sentido. Entretanto, o maior problema brasileiro nessa agenda, como também na das mudanças climáticas, é o desmatamento. “O fato da gente ter 66% de vegetação nativa não consegue esconder que o desmatamento cresceu muito e que, prioritariamente, ele é ilegal e a gente precisa controlar o desmatamento ilegal”, afirmou.
Acordo da União Europeia para restringir importação de bens ligados ao desmatamento
Ainda não há um texto pronto sobre a restrição das importações de bens ligados ao desmatamento pela União Europeia, que explica exatamente como vai funcionar essas medidas, conforme explicou Lima. Contudo, sabe-se, e já foi noticiado globalmente, que foi firmado um acordo entre o parlamento e o poder executivo da UE para a aplicação de regras nesse sentido.
Sobre isso, o convidado da edição declarou que há pelo menos 3 anos que a União Europeia discute publicamente a construção de uma política ambiental. Por esse motivo, a tomada de medidas pelos países que compõem o bloco para combater emissão de gases de efeito estufa não é novidade. O há de novo na lei recentemente aprovada é a relação com o desmatamento.
Por mais o texto final ainda tenha sido aprovado, a proposta em trâmite considera o desmatamento ilegal a partir de 2021. Assim, nenhuma área poderia ser desmatada a partir dessa data. É nessa questão que entre uma dúvida importante, principalmente para o produtor brasileiro: e a área legal desmatada legalmente no Brasil?
Código Florestal Brasileiro e o desmatamento legal e o desmatamento ilegal
Pelo texto em discussão, que ainda não está aprovado definitivamente, como explicou Lima, não deve ser permitido pela União Europeia nenhum tipo de desmatamento após 31 de dezembro de 2020. Caso tenha, não é permitida a compra pelos países do bloco. Isso vale até mesmo para o que no Brasil é considerado desmatamento legal, dentro das regras do Código Florestal.
Porém, para o convidado, isso ainda precisa ser discutido com a Europa: “Tem uma dúvida que acho importante amadurecer com a Europa em relação ao desmatamento legal. Se a nossa lei permite o desmatamento legal, o que vale no final das contas?”, questiona.
Agora, para ele, caso a União Europeia coloque barreiras apenas para o desmatamento ilegal, isso precisa ser acatado pelo Brasil, com uma colaboração nacional para provar a legalidade e combater a ilegalidade. “O que eles querem, se a gente assumir que é desmatamento ilegal, é que a gente prove que a gente cumpre a nossa lei”, afirmou Lima. “A gente não pode aceitar o desmatamento ilegal, certo? É difícil do ponto logístico de rastrear, de trazer essa informação? Sim. Mas o que ele estão querendo é que a gente prove que cumprimos nossa lei. E isso não tem como questionar na OMC, não tem como questionar em lugar nenhum no mundo”, completou.
Agroecologia e a produção de alimentos para todo o planeta
O maior problema, para Antônio da Luz, das exigências ambientais feitas sobre a produção de alimentos é que ainda não é possível alimentar todo o mundo seguindo essas regras. O economista-chefe do Sistema Farsul declarou que vê muito valor na pauta da agroecologia, porém essa discussão é feita entre os países ricos europeus, como Alemanha, França e Itália, e não está presente em nações como Bangladesh, Marrocos, Congo, Cazaquistão.
"É fácil defender agroecologia como modelo do mundo, quando se tem uma renda per capta das mais elevadas do planeta. A agroecologia tem uma série de méritos, mas ela não é possível ainda, com a tecnologia existente, alimentar o planeta com agroecologia", segundo da Luz.
Segundo ele, a agroecologia é elitista, pois os lugares mais pobres ainda estão preocupados em ter comida, seja ela agroecológica ou convencional. "É uma despreocupação com a possibilidade das pessoas mais pobres passarem fome que me dá nojo", criticou o economista. “O impacto na redução da produção e aumento de preços para um cidadão europeu é um, para alguém da Ásia ou da África, é outro”, acrescentou da Luz.
O Brasil precisa se adequar a regras impostas pela União Europeia?
“Até quando a Europa via ditar e nós vamos escrever?”, questionou Antônio da Luz. Ele criticou que empresas europeias venham ao Brasil fazer a certificação da legalidade dos produtos. “Sempre temos que ouvir o mercado, mas a Europa não é mercado. Nós vendemos 14% das nossas exportações para eles e 86% para outros lugares e estamos preocupados com o que pensam os 14% e não temos nem aí para o que pensam os 86%”, frisou o economista.
Para da Luz, existem dois planetas, um com cerca de 6 bilhões de pessoas preocupadas com segurança alimentar e outro, com em torno de 1 bilhão de pessoas, mais preocupadas com a agenda ambiental. Esse último, além de tudo, critica o Brasil, sendo que a produção agrícola do país é positiva para o meio ambiente, diferente do que acontece na maior parte do mundo.
Por outro lado, Rodrigo Lima declarou que não jogaria fora um mercado com a dimensão do europeu. Para ele, se o problema é desmatamento ilegal, a gente não pode se esconder atrás de que não estamos desmatando ilegalmente. “Se os nossos estados não conseguem trazer uma informação que a lei manda que eles tragam e a gente fica fragilizado diante do comprador, o problema é nosso. A gente precisa fazer as regras funcionarem”, afirmou.