Trigo tem mercado incerto e muito volátil ainda pela frente, mas manutenção de preços altos
As altas acumuladas dos futuros do trigo negociados na Bolsa de Chicago passam de 50%. Embora o mercado já viesse com um cenário forte de fundamentos antes do início da guerra entre Ucrânia e Rússia, o início efetivo do conflito foi a faísca que faltava para que este mercado explodisse e alcançasse preços historicamente altos. E o movimento se deu não só sobre a bolsa de Chicago, mas nas demais bolsas internacionais o movimento dos preços foi semelhante. De 3 de janeiro a 27 de maio, o contrato julho subiu 53,25% na CBOT, passando de US$ 7,55 para US$ 11,57 por bushel, enquanto o setembro saiu de US$ 7,57 para chegar aos US$ 11,66, com ganho de 54,03%. E a única certeza que o caminhar dos preços tem pela frente é a continuidade da intensa volatilidade, como explicou o analista Élcio Bento, da Safras & Mercado.
Depois de uma disparada no início do mês, com a notícia da restrição das exportações do grão pela Índia, na semana passada, as cotações testaram baixas intensas em Chicago em um movimento de correção e realização de lucros diante da possibilidade da abertura de um corredor para as exportações ucranianas. No entanto, a falta de confirmação das próximas ações e as acusações entre as duas nações, criando uma verdadeira guerra de desinformação deixa o mercado ainda mais nervoso.
O recuo se intensifica, ainda como explica Bento, diante do aumento dos estoques ucranianos que estão se acumulando e ficando represados diante da falta de rotas de escoamento. De acordo com informações reportadas pelo Ministério da Agricultura da Ucrânia, as exportações de grãos do país em maio foram de apenas 1,063 milhão de toneladas, sendo apenas 42 mil toneladas de trigo.
No final deste domingo (29), o Kremlin emitiu um comunicado informando que a Rússia estava disposta a retomar os diálogos com a Rússia e os embarques de grãos pelos portos do Mar Negro, algumas das primeiras estruturas a serem fechadas e comprometidas pelos efeitos da guerra, que já dura mais de três meses. Em contrapartida, o governo russo afirma que também deverá voltar a escoar volumes importantes de fertilizantes, além dos grãos.
E nessa "guerra de notícias" ainda adiciona-se à conta o fato de que a Rússia, como explicam os diretores da De Baco Corretora, "está se financiando de trigo ucraniano desviado", já tendo se apossado de pelo menos algo próximo de 10 milhões de toneladas do cereal. "A previsão de um aumento de safra russa em meio a uma depressão mundial de produção e produtividade demostra que já tomaram posse deste volume".
E embora agora apoiem o possível corredor de exportação, os russos jpa promoveram inúmeros ataques a agricultores ucranianos durantes os trabalhos de campo. "O uso de minas terrestres nas regiões agrícolas servirá como suporte para o impedimento das exportações ucranianas sob a desculpa de que a fome, no durante e pós guerra, impedirão a saída de grãos, ficando todo o controle do trigo para o norte da África e parte da Ásia, na mão da Rússia", explicam os executivos. "Assim como vemos a comunidade europeia refém da energia russa, veremos uma boa parte do planeta, refém de sua agricultura", complementam.
Assim, enquanto Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky se acusam, ao passo em que suas delegações tentam se acertar para a liberação deste corredor, as safras do hemisfério norte ainda encaram alguns problemas de clima e as projeções de uma oferta mais apertada nesta próxima temporada permanecem no radar dos traders. E é esse aperto que pode ainda dar um suporte importante às cotações do cereal, mantendo-as nestes patamares elevados, historicamente altos.
"Qualquer nova notícia agora tem um impacto muito grande. A safra americana está complicada e pode certa sustentação aos preços", afirma o analista da Safras & Mercado. Os Estados Unidos tem menos de 30% das lavouras do trigo de inverno em boas ou excelentes condições e o plantio da safra de primavera ainda atrasado. Enquanto isso, a demanda é crescente e há mais problemas de clima sendo registrados em mais países produtores do grão.
Na China, onde a perda de potencial produtivo foi bastante severa, os trabalhos de colheita começaram e, segundo o primeiro ministro Li Keqiang deu um pronunciamento nos últimos dias afirmando que espera que a colheita caminhe bem, sem interrupções e sem restrições impostas pelo governo, já que durante o plantio e os tratos culturais, por conta do surto de Covid-19, muitos trabalhos de campo ficaram bastante comprometidos.
"A segurança alimentar é sempre uma questão importante para Pequim, mas é especialmente crítica este ano em meio ao aumento dos preços globais de muitas commodities agrícolas devido ao clima extremo e à invasão da Ucrânia pela Rússia. Também houve uma série de nações que restringem as exportações de alimentos para proteger os suprimentos locais", informou uma notícia da agência internacional Bloomberg. E para o trigo não é diferente.
A agência ouviu especialistas que confirmaram a importância do momento, em especial para o trigo, depois de todos os últimos acontecimentos e do horizonte que se desenha para o cereal. Henan, a maior província produtora de trigo da China recebeu a visita do vice-primeiro-ministro do Conselho de Estado, Hu Chunhua, que afirmou buscar garantir uma conclusão de safra bem sucedida, com equipes médicas enviadas aos campos chineses para a realização de testes de Covid-19 e garantindo ainda medidas que o transporte de máquinas agrícolas também não seja impedido.
“À medida que o protecionismo cresce globalmente nas exportações de alimentos, a produção doméstica na China se tornou mais importante do que nunca para manter a oferta estável e conter a inflação. Pequim precisará tentar encontrar um equilíbrio entre segurança alimentar e bloqueios”, disse Gary Ng, economista sênior da Natixis SA à Bloomberg.
MERCADO BRASILEIRO
No mercado brasileiro, o quadro para o trigo não é muito distinto do que se apresenta no cenário internacional. Para ilustrar o momento, Élcio Bento ainda citou o aumento dos preços do grão nacional e do aumento da paridade de importação, que passou de R$ 1970,00 por tonelada em 1º de abril para R$ 2450,00 em 1º de maio.
Nos últimos dias, os preços até cederam alguma coisa, se alinharam novamente à paridade e retornaram a casa dos R$ 2300,00/t base Paraná, ainda assim, registrando referências bastante altas. Os negócios, de outro lado, seguem mais escassos neste momento. "O produtor está bem na defensiva. A pedida do produtor é de perto de R$ 2500,00 por tonelada, mas nestes níveis não saem vendas", explica.
Do mesmo modo, a situação para os compradores também não é das mais confortáveis e os mesmos estão mais retraídos agora. "Os moinhos terão de ir a mercado e deverão pagar mais caro pelo trigo. Afinal, nós temos um encolhimento dos estoques no mundo todo e saiu muito trigo para exportação. O mercado todo está muito inchado", detalha o analista.
Os indicativos para a próxima safra também são mais uma sinal de preços para cima, na análise de Bento. São referências na casa de R$ 2000,00 por tonelada base Paraná, ou algo entre R$ 2200,00 e R$ 2300,00, base porto de Rio Grande.
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MERCADO RUSSO
À Reuters Internacional, operadores de mercado afirmaram que os preços do trigo russo permaneceram estáveis na última semana dada a demanda menor pelo grão do país. São valores que variam de US$ 400,00 a US$ 410,00 por tonelada para o trigo com 12,5% de proteína, base portos do Mar Negro.
"Mesmo que alguns navios com grãos carregados no final de fevereiro ou início de março possam sair, isso está muito longe da reabertura dos terminais e da retomada das exportações. Continuamos a duvidar que Moscou esteja interessada em reabrir os terminais marítimos ucranianos até que haja uma trégua", explicou a consultoria Sovecon.
O QUE ESPERAR PARA ESTA SEMANA
Neste início de semana, sem as referências das bolsas americanas em função do feriado do Memorial Day nos Estados Unidos, o mercado se atenta, no Brasil, ao comportamento do câmbio e fica no aguardo da retomada das negociações internacionais. Assim, ainda de acordo com apuração da De Baco Corretora, os preços testaram indicativos de R$ 1950,00 a R$ 1980,00/tonelada FOB, com poucos compradores ativos.
"Com o feriado americano, temos o câmbio fazendo a vez das baixas, isso traz uma precificação futura um pouco menos favorável. Os preços, no entanto, estão muito bons, considerando as últimas três safras", explica Marcelo De Baco. "No mercado mundial, especula-se muito sobre a liberação dos estoques ucranianos e sobre a comercialização de até alguma coisa a mais da Rússia e isso traz até um pouco de tranquilidade para o mercado, ou até de olhos mais abertos, porque começa a colheita americana, a europeia, e isso traz um pouco de conforto de abastecimento no curto prazo e esse pode ser o ponto que o mercado busque para corrigir a recuperação forte de preços que tivemos nos últimos 45 dias".
São estes os fatores, ainda de acordo com o especialista, que farão o mercado se desenrolar ao longo da semana, principalmente com a proximidade do primeiro semestre de 2022 e diante da manutenção da guerra.