Por que o El Niño é um risco de alta para o mercado de açúcar e etanol? Confira análise da hEDGEpoint
Com relação às commodities agrícolas, o clima desempenha um papel significativo sobre o lado da oferta. Para um bom desenvolvimento vegetativo, cada cultura depende de um determinado tipo de solo, temperatura e regime de precipitação. Esse é um, e possivelmente o principal motivo, que induz certa vantagem competitiva na produção de certas commodities por diferentes países.
Padrões climáticos, como La Niña e El Niño, são responsáveis por mudanças nas condições climáticas normais e, portanto, podem afetar a oferta de commodities agrícolas. Claro que cada cultura tem suas particularidades e são afetadas de formas diferentes. Não só isso, mas, dependendo do estágio de desenvolvimento vegetativo da planta, mudanças nos padrões normais podem ser tanto positivas, quanto negativas para seus rendimentos e produção final.
Em nosso último relatório, discutimos os fundamentos atuais e os principais riscos. Juntamente com o possível estresse logístico de exportação do Brasil, a probabilidade crescente de um evento El Niño adiciona tempero ao mercado já em alta. Neste relatório, procuramos explicar melhor os eventos climáticos, seus efeitos e o atual risco.
Mas antes de passarmos pelos principais padrões climáticos e seus efeitos na oferta de açúcar, primeiro precisamos entender quais são as condições normalmente exigidas para a produção da matéria-prima do adoçante.
Como discutimos anteriormente, o açúcar pode ser produzido a partir de dois produtos principais: cana-de-açúcar e beterraba. Cada cultura requer um conjunto diferente de condições em seu desenvolvimento. Enquanto a cana é a mais adequada para climas subtropicais, a beterraba é um pouco mais resistente a temperaturas frias e é capaz de suportar climas temperados. Como resultado, os principais fornecedores de açúcar, Brasil, Índia e Tailândia, assim como a maioria da América Central, produzem açúcar a partir da cana, enquanto regiões como Europa, Eurásia e norte da América do Norte lidam melhor com a beterraba.
Cada país e região tem seu calendário de safra, mas uma coisa é igual: tanto a cana quanto a beterraba precisam de chuva, umidade do solo e sol para um bom desenvolvimento durante a fase de crescimento. Assim, mudanças nas condições climáticas regulares podem afetá-las diretamente e, portanto, a produção total do adoçante. Por exemplo, um verão mais quente e seco do que o normal e um inverno mais frio foram extremamente prejudiciais para a produção de beterraba na UE nesta temporada (22/23), induzindo uma expectativa de quebra de safra de quase 2Mt.
Para entender as mudanças nos padrões climáticos, torna-se essencial mergulhar no que é considerado normal. Em condições regulares (neutras) no Oceano Pacífico, os ventos alísios sopram para o oeste, criando uma corrente de água quente da América do Sul em direção à Ásia. Este fluxo permite que a águas frias emerjam das profundezas. O El Niño e o La Niña, também chamados de ciclo El Niño/Oscilação Sul (ENSO), são padrões climáticos opostos que quebram a formação desse ciclo, afetando o clima global e a produção de commodities.
Durante um evento La Niña, os ventos alísios se intensificam, empurrando ainda mais água quente para a Ásia, reduzindo significativamente a temperatura da costa oeste das Américas. Ao contrário disso, durante um evento El Niño, os ventos alísios ficam mais fracos e a água quente é empurrada para o leste, tornando a costa oeste dos Estados Unidos mais quente. Mas como isso afeta o açúcar?
Brasil
A fase de crescimento da cana começa em meados de setembro e vai até março. Durante esta fase, o ideal é ter precipitação abundante, luz solar adequada e umidade do solo. Na época da moagem, pouca precipitação induz maior teor de sacarose, o que costuma acontecer no inverno brasileiro.
No geral, um evento La Niña tende a ser positivo para o CS brasileiro. A janela junho-agosto torna-se ainda mais seca, enquanto entre dezembro-fevereiro a precipitação se intensifica, induzindo um maior teor de açúcar da safra atual e impulsionando o desenvolvimento da próxima, respectivamente. No entanto, também pode tornar o inverno mais rigoroso e aumentar a probabilidade de geadas, resultando em rendimentos mais baixos e aceleração do ritmo de moagem. Se o período seco se estende para além agosto, podem ocorrer incêndios, afetando também negativamente a produtividade e o ritmo da lavoura. Não só isso, mas se o evento climático for muito intenso, a seca pode comprometer safras futuras. A combinação de tudo isso aconteceu entre 20/21 -- quando o Brasil colheu os benefícios do primeiro ano do La Niña e produziu 605Mt de cana -- e 21/22, quando geadas, incêndios e estiagem levaram à moagem de apenas 523Mt.
O El Niño pode levar a um inverno mais úmido -- ruim para o ritmo da safra e concentração de sacarose -- sua ocorrência costuma impactar negativamente a produção total do adoçante na região. Além disso, durante a janela mais importante de desenvolvimento da cana (dezembro a fevereiro), a precipitação no Centro-Sul diminui, principalmente no Norte de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, comprometendo a próxima safra. No entanto, as correlações ENSO são menores para a precipitação durante o El Niño, reduzindo seus efeitos esperados.
América Central
O La Niña é responsável por intensificar as chuvas durante a fase de desenvolvimento da cana (junho a setembro) -- que, se não forem excessivas, tendem a ser benéficas para a produtividade. No entanto, caso prolongadas, podendo atrasar o início da safra ou até atrapalhar seu ritmo. Além disso, se forem muito intensas, as chuvas podem reduzir a concentração de sacarose, diminuindo a produção final de açúcar.
O El Niño faz o contrário e leva a região a um clima mais quente e seco do que o normal. Entre junho e agosto, se os países não contarem com métodos de irrigação, a cana pode sofrer e não se desenvolver adequadamente.
Índia
Ambos os padrões climáticos afetam as regiões da Índia de forma diferente. Como os principais estados produtores de açúcar estão localizados ao norte, focaremos nossa análise nessa região.
Durante junho-agosto, o La Niña tende a levar a precipitação a níveis ligeiramente mais baixos; no entanto, o padrão tem pouco efeito na região durante setembro-novembro e março-maio. Nesse sentido, muito do seu impacto depende da sua intensidade, podendo trazer benefícios ao tornar o período da moagem (dezembro-fevereiro) mais seco.
O El Niño tende a ir na mesma direção, só que mais forte. Durante a janela de junho a novembro, basicamente toda a janela de desenvolvimento da cana, o padrão torna o clima mais seco -- levando a monções abaixo da média e possivelmente comprometendo a produção de açúcar.
Tailândia
Durante junho-agosto, a principal janela de desenvolvimento da cana, um evento La Niña tende a reduzir a precipitação. No entanto, seu efeito pode ser limitado, pois de setembro a maio pode levar a chuvas acima do normal. Assim, dependendo da intensidade, o La Niña pode reduzir o teor de açúcar e atrapalhar a moagem.
Em oposição a isso, o El Niño traz um clima mais seco que a média na maior parte do ano, exceto no período de dezembro a fevereiro, sendo extremamente preocupante, pois afeta negativamente o desenvolvimento da cana e o ritmo de moagem.
Europa
Embora ambos os padrões climáticos tenham pouco efeito e correlação, para ambas temperatura e precipitação na região, eles são bastante semelhantes. De março a agosto, um La Niña ou um El Niño podem ser responsáveis por um leve aumento na precipitação -- principalmente na França e na Alemanha. Portanto, pode ser benéfico, pois é exatamente durante o estágio de desenvolvimento da beterraba.
A diferença é que quando a Europa atinge o pico da colheita, de setembro a novembro, enquanto o La Niña pode garantir um clima mais seco do que a média, um El Niño pode levar ao prolongamento das chuvas -- dificultando a atividade do agricultor.