Setor de cana do Brasil vê queda nas vendas e ano perdido, se nada for feito
RIO DE JANEIRO (Reuters) - O ano-safra 2020/21, iniciado oficialmente em abril, pode ser "perdido" para o setor canavieiro do Brasil, caso não ocorra um socorro diante das quedas na demanda e nos preços em tempos de coronavírus, avaliou nesta terça-feira a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), que representa as usinas do centro-sul.
"As usinas se prepararam para garantir o abastecimento pleno de etanol na entressafra, com níveis elevados de consumo. A mudança abrupta de cenário e a queda da demanda de combustíveis pegou todos de surpresa criando uma situação muito difícil...", disse em nota o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues.
Ele lembrou que o produtor precisa comercializar etanol para fazer frente aos desembolsos típicos de início de safra, mas que as usinas de São Paulo enfrentaram uma queda de 35% nos preços do etanol hidratado em pouco mais de um mês, como resultado das medidas contra a propagação do coronavírus, que restingem a locomoção.
Nos últimos 15 dias de março, as vendas de etanol hidratado pelas unidades produtoras do centro-sul totalizaram 671,81 milhões de litros, redução de 20,81% ante igual quinzena de 2019, enquanto os negócios de anidro (misturado à gasolina) diminuíram 13% no mesmo período.
A Unica destacou que a redução nas vendas das usinas apenas sinaliza o comportamento do consumo. A BR Distribuidora, a maior do Brasil, disse à Reuters na véspera que chegou a registrar redução de 60% nas vendas de gasolina e etanol, e nos últimos dias o recuo estava entre 30% e 35%.
Neste contexto, o governo trabalha em algumas medidas, afirmou a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na segunda-feira. Entre elas, estão o financiamento de estoques de etanol e isenção de PIS/Cofins para combustível renovável, assim como um aumento do tributo Cide para a gasolina.
"Se nada for feito, podemos considerar 2020/21 como um ano-safra perdido", disse Padua, da Unica, afirmando que medidas emergenciais para ampliar a competitividade do etanol e instrumentos financeiros que facilitem o armazenamento do produto são essenciais para oferecer o mínimo de fôlego à indústria canavieira.
De acordo com a Unica, se a situação atual permanecer, empresas podem paralisar as suas atividades, impactando severamente a comunidade local, seus colaboradores, fornecedores e toda a cadeia.
INÍCIO DE SAFRA
As usinas do centro-sul do Brasil produziram 439,13 milhões de litros de etanol na segunda quinzena de março, a última da safra 2019/20, com um aumento de cerca de 15% em relação ao mesmo período da temporada passada, na medida em que a moagem de cana aumentou e o setor registrou também bom volume do biocombustíveL feito a partir de milho.
A fabricação do combustível renovável a partir do milho totalizou "surpreendentes" 115,51 milhões de litros, sendo 72% de etanol hidratado, pontuou a Unica.
A produção de açúcar ainda foi relativamente pequena na quinzena, atingindo 198 mil toneladas, mas um aumento de 42% na comparação anual.
O aumento dos volumes também mostra que o setor iniciou mais forte o processamento da safra 2020/21, que começou oficialmente em 1º de abril.
Segundo a Unica, 87 unidades estavam em operação até 31 de março, contra 80 até a mesma data de 2019. Do total em atividades, 76 moeram cana-de-açúcar e oito são flex, que podem processar milho e cana, enquanto outras três são exclusiva para o cereal.
Apesar das preocupações com a demanda em tempos de coronavírus, a Unica prevê que ao final da primeira quinzena de abril 198 usinas estejam em atividade, frente a 157 apuradas em igual período de 2019.
Na safra passada, a Unica contabilizou 267 unidades em operação no centro-sul.
SAFRA PASSADA
A produção total de etanol do centro-sul do Brasil somou recorde histórico de 33,24 bilhões de litros em 2019/20, alta de 7,39% ante a temporada anterior, disse a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) nesta terça-feira, com usinas direcionando o menor volume de cana em 22 anos à produção de açúcar.
A safra de cana na principal região produtora foi concluída com o processamento de 589,90 milhões de toneladas da commodity, crescimento de quase 3% sobre a temporada anterior.
A fabricação de açúcar, por outro lado, alcançou 26,73 milhões de toneladas, com leve avanço de 0,8% frente às 26,51 milhões de toneladas na safra 2018/2019.
As usinas do centro-Sul direcionaram 65,68% da cana para a produção de etanol na safra recém-concluída, contra 64,79% na temporada anterior, apontou a Unica.
"Somente 34,32%... destinou-se à produção de açúcar, o menor percentual dos últimos 22 anos", disse a Unica.
(Por Marta Nogueira)