Resíduos da produção de cana-de-açúcar

Publicado em 01/06/2015 12:24
Prof Luciane Kawa

O cultivo da cana-de-açúcar e a produção de seus derivados está intimamente ligado à própria história e ao desenvolvimento do Brasil. Primeiramente transformada em açúcar, a cana-de-açúcar ocupa um importante papel na economia, surgindo o Brasil como líder mundial na produção de açúcar e álcool. Porém, mesmo após séculos de convívio com a agroindústria canavieira, somente no século XX, o Brasil descobriu no álcool uma opção energética viável. Esse Programa foi desenvolvido para evitar o aumento da dependência externa de divisas quando dos choques de preço de petróleo no começo da década de 1970. De 1975 a 2000, foram produzidos cerca de 5,6 milhões de veículos movidos a álcool hidratado.Mais de 30 anos depois do início do Pro-Álcool, o Brasil vive agora uma nova expansão dos canaviais com o objetivo de oferecer, em grande escala, o combustível alternativo.

A cana-de-açúcar vem sendo considerada como uma das matérias-primas mais importantes da atualidade, pela sua diversidade de materiais produzidos, sendo etanol, açúcar,energia, cachaça, caldo-de-cana, rapadura, além de seus subprodutos, que são totalmente reutilizados, sendo a vinhaça que é destinada a adubação e fertirrigação, devido a grande concentração de nutrientes, que são capazes de potencializar o crescimento e brotação, além de sua utilização para produção de biogás, por também conter em sua composição grandes quantidades de matéria orgânica.

A cana de açúcar e seus resíduos:
A produção de cana-de-açúcar, que vinha de altos e baixos na década de 1990, não parou de crescer desde o ano 2000. A Tabela 1 mostra a produção de cana-de-açúcar das últimas cinco safras.Dentro do contexto da cogeração, e em face da crise do setor energético brasileiro, que teve início em 2001, o setor sucroalcooleiro tem apresentado um grande potencial de geração de energia, apresentando atrativos econômicos e ambientais, principalmente devido à queima de bagaço de cana-de-açúcar na produção como combustível.Dos principais insumos obtidos com a cana, o açúcar foi o primeiro produto a ser produzido no Brasil pela indústria sucroalcooleira. Segundo boletim da Agência de Informações da EMBRAPA, projeções de médio e longo prazo indicam que o consumo mundial de açúcar continuará aumentando. Este crescimento poderá ser de cerca de 21% até 2015, atingindo 176 milhões de toneladas.De todos os resíduos da unidade industrial sucroalcooleira, o bagaço é um dos mais atrativos, apesar de não ser o de maior volume, por causa de seu poder calorífico, o que faz dele o principal combustível de todo o processo produtivo da fabricação do açúcar e do álcool.Atualmente, a destinação das cinzas do bagaço da cana-de-açúcar (CBC) é um dos problemas enfrentados pelos administradores das usinas. A fuligem gerada no processo é recolhida a partir de técnicas de lavagem e  decantação e, juntamente com a cinza de caldeira, constituem-se em resíduos finais do processo industrial, no qual não há possibilidade de redução do mesmo.A cinza do bagaço apresenta, em termos de óxidos, uma grande quantidade de dióxido de silício, normalmente acima de 60% (em massa).Outra possível fonte de sílica para a cinza é a areia (quartzo), oriunda da lavoura, que não é totalmente removida durante a etapa de lavagem no processamento da cana-de-açúcar. Esta areia permanece no bagaço e pode ser observada nas operações de limpeza dos salões das caldeiras, onde ocorre a combustão.

Forragem:
O bagaço de cana-de-açúcar é um dos subprodutos mais utilizados como fonte de alimento para os ruminantes, pois, além da grande quantidade produzida, sua disponibilidade ocorre exatamente no período de escassez de forragem. Entretanto, o bagaço de cana-de-açúcar apresenta restrição de uso na alimentação de bovinos, pois pode reduzir o consumo total de matéria seca (VIRMOND, 2001).
Um dos efeitos da ação da amônia sobre a forragem é a desestruturação no complexo formado pelos componentes da fibra (celulose, hemicelulose e lignina), oferecendo aos microrganismos maior área de exposição e, consequentemente, aumentando o grau de utilização das diferentes frações de fibra (GARCIA e NEIVA, 1994).

Fibrocimento e concreto:
No começo de 1970, esforços globais foram iniciados com legislações para remoção do amianto como reforço em uma grande gama de produtos. O mercado de fibrocimento é o maior usuário de amianto e, por este motivo, nesta classe de materiais de construção, novas alternativas de fibras para reforço estão sendo procuradas para a substituição do amianto (COUTTS, 2005).O reaproveitamento das cinzas geradas com a queima de bagaço de cana na produção de concreto no setor da construção civil poderá transformar o resíduo em mais um subproduto da cana, agregando resultados adicionais ao fluxo de caixa das usinas (UNICA, 2011).As fibras do bagaço da cana também são utilizadas como reforço na produção de fibrocimento e a cinza, proveniente da queima do bagaço, substitui o cimento em massa em 30%.A cinza apresenta grande concentração de sílica, que tem comportamento de cimento pozolânico. A cinza, em contato com a água e em conjunto com cimento, forma um composto aglomerante. No trabalho foi comprovado através de diversos testes que o fibrocimento produzido com esses resíduos é viável. Ele também constatou que o produto feito com esta matéria-prima possui resistência mecânica similar ao produzido nas indústrias (REVISTA ABRIL, 2010).
 

 


Iniciativa de pesquisadores e estudantes da UEMS e UFGD ficou em terceiro lugar no Prêmio Odebrecht de Desenvolvimento Sustentável.


A substituição da areia por resíduos:
De todos os segmentos da Construção Civil, o que mais se desenvolveu e que teve mais abrangência quanto à aplicação dos conceitos de sustentabilidade, foi o de materiais e componentes da construção, principalmente os que usam o cimento Portland como matriz. Vários estudos têm sido desenvolvidos sobre a incorporação de resíduos nos materiais de construção, até mesmo substituindo produtos já consagrados, como a areia e o cimento Portland, seja de forma parcial ou total.

A produção de areia e pedra britada caracteriza-se pelo baixo valor unitário e pela produção em grandes volumes. O transporte corresponde a cerca de 65% do custo final do produto, o que impõe a necessidade de ser produzido o mais próximo possível do mercado consumidor. Em regiões metropolitanas, como as de São Paulo e Rio de Janeiro, quase toda a areia consumida pela construção civil está sujeita a transporte por distâncias de até 100 km.

Por conta dos riscos ambientais inerentes a extração de areia natural, várias pesquisas têm sido desenvolvidas sobre a viabilidade da substituição de agregado miúdo natural, com o uso de resíduos de origem diversa. Marzouk et al.  utilizou o PET (polietileno tereftalato) granulado em substituição ao agregado miúdo em argamassas, com 3 tipos de moagem, em tamanhos máximos de 5 mm, 2 mm e 1 mm. Os resultados mostraram que as propriedades de resistência à compressão e à flexão dos concretos não foram prejudicadas com a substituição de até 50% de resíduo de PET por areia. Os autores também comprovaram que a zona de transição matriz-resíduo não foi alterada com a substituição do agregado miúdo por PET. Ismail e Al-Hashmi  estudaram a substituição de agregado miúdo por resíduos de plásticos (RP) não-biodegradáveis (80% polietileno e 20% poliestireno) por agregado miúdo, em teores de 10%, 15% e 20%, para a produção de concretos. Os valores do ensaio de resistência à compressão das misturas com resíduos ficaram abaixo dos valores de referência para todas as idades analisadas.

Outro resíduo atualmente investigado como substituto da areia é o resíduo sólido municipal incinerado. Al-Rawas et al.  utilizaram cinzas provenientes da queima de resíduo sólido municipal (RSMI) substituindo areia e cimento na produção de concretos. Foram utilizados teores de substituição de 0%, 10%, 20% e 30%, com fator a/c constante no valor de 0,70. Outros valores de fator a/c foram testados anteriormente, mas produziram concretos com baixa trabalhabilidade, o que levou os autores a aumentarem a quantidade de água.

Macedo também substituiu o agregado miúdo pela CBC em argamassas, no traço 1:3 em massa com relação água/cimento 0,48. Os teores de substituição foram de 0%, 3%, 5%, 8% e 10%, com cinco corpos-de-prova para cada traço. Pelos resultados do ensaio de resistência à compressão aos 56 dias, todos os traços com CBC obtiveram resistência superior ao traço controle, o que pode ser atribuído ao efeito físico de preenchimento dos vazios pelos grãos finos da cinza e à ação do aditivo super plastificante, presente nos traços com 5%, 8% e 10% de CBC. Houve um acréscimo de 23% da resistência à compressão, aos 56 dias, do traço controle para o traço com 10% de CBC. Por conta desses resultados promissores a cerca da substituição de cinzas pelo agregado miúdo, este artigo propõe-se a discutir a troca parcial de areia por CBC na confecção de concretos.

Cogeração de energia:
Uma tonelada de cana gera cerca de 320 kg de bagaço, do quais 90% são usados na produção de energia. A importância da cogeração de energia utilizando o bagaço reside no fato de que ela coincide com o período de seca dos reservatórios das usinas hidrelétricas e, dessa forma, possui importante caráter complementar (UNICA, 2011).

A capacidade de cogeração de energia com o bagaço, para produção de açúcar e álcool e exportação do excedente, é atualmente de 1650 MW ou 2% da demanda nacional. No entanto, o aproveitamento de todo potencial energético do bagaço está longe do ideal, muito por conta do uso apenas de parte da produção de bagaço e do desperdício de energia com as tecnologias intermediárias e obsoletas apresentadas pelas termoelétricas das usinas. O potencial de cogeração de energia para 2012, com aproveitamento de 50% do bagaço, é de 9 mil MW ou 8% da demanda nacional projetada (UNICA, 2011).

Hoje no Brasil existem mais de 450 usinas sucroalcooleiras operando. Em termos energéticos, a safra de 2009 foi equivalente a (65,4×106 toneladas equivalentes de Petróleo), mais da metade de todo o óleo e gás consumidos no país. Uma usina que processa 2 milhões de toneladas de cana por ano e que hoje gera 24GWh/ano para atender suas necessidades próprias poderá vender ao sistema até 300GWh/ano com tecnologia dominada no país. Estudos mostram que, embora os parâmetros econômicos variem muito de usina para usina, a energia elétrica por elas produzida é competitiva com a gerada em centrais a gás. As usinas têm como um fator importante à localização próxima às cargas, propiciando redução de custos de transmissão de distribuição (SOUZA, 2003).


Papel:
O papel feito com o bagaço começou a ganhar espaço nas prateleiras das lojas especializadas e muitas indústrias brasileiras do setor de papéis já estão se especializando na fabricação de um produto de alta qualidade. Estudos preliminares apontaram que o bagaço de cana possui grande quantidade de fibras de alta qualidade, pureza elevada e biodegradabilidade, o que está tornando o papel 100% reciclável. A primeira empresa a fabricar este produto foi a Usina Alta Paulista, de Junqueirópolis (SP). Atualmente, o papel de cana tem as mais diversas utilidades, principalmente sendo aplicados como matéria-prima para a impressão de revistas, livros, e também como papéis de desenho. A empresa GCE Comércio Internacional de Papéis Ltda. é uma empresa que fabrica papéis ecológicos, sendo Ecoquality, uma de suas produções, o vencedor do Prêmio GreenBest 2012, está produzindo o papel de cana mais branco e, segundo nota da empresa, com preço semelhante ao papel feito com celulose, porque os custos de produção também são menores. Segundo a GCE, o ciclo de produção de papel de celulose gira em torno de 6 a 7 anos, pois este é o ciclo da madeira de reflorestamento, geralmente, o eucalipto. O papel de cana, leva em média, 18 meses, e exige menos produtos químicos nos processos de transformação e branqueamento das fibras (Revista Globo Rural, 2011).


Madeira:

O bagaço de cana, que é um conjunto de fibras emaranhadas de celulose, tem sido produzido cada vez em maior quantidade devido ao aumento da área plantada e da industrialização da cana-de-açúcar, decorrentes principalmente de investimentos públicos e privados na produção alcooleira (MENDES et al., 2008 e 2010).Atualmente, tal segmento utiliza basicamente a madeira de pinus e eucalipto. No entanto, várias alternativas estão sendo estudadas para a produção desses painéis, dentre as quais, o bagaço de cana é o que tem obtido maior destaque, devido principalmente à quantidade produzida e também em função das boas propriedades físico-mecânicas dos painéis produzidos (MENDES et al., 2008 e 2010).

Em questão da produção de painéis aglomerados, tal resíduo além de sofrer uma agregação de valor, poderá atender à crescente demanda da indústria de painéis de madeira, além de possibilitar sua expansão, diminuir a utilização de madeira e consequentemente a pressão sobre as florestas, e ainda reduzir os custos de produção dos painéis, tornando- os ainda mais competitivos no cenário econômico (MENDES et al., 2008 e 2010).


Etanol de 2ª geração:
A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar ocorre, atualmente, pela fermentação alcoólica da sacarose. Diante das perspectivas de se obter o etanol celulósico, o etanol obtido da sacarose, assim como o obtido a partir do amido de milho, nos EUA, tem sido chamado de etanol de primeira geração (BUCKERIDG, 2007). O etanol de segunda geração é produzido a partir da biomassa vegetal, que é composta principalmente pela celulose, um polímero formado por cadeias de glicose. A quebra da celulose em moléculas simples de glicose permite a fermentação desse açúcar simples por micro-organismos e subsequentemente produção de etanol (FAEG, 2012).

No entanto, para a produção do etanol celulósico, prevemos diversas etapas que podem ser claramente distinguidas: hidrólise química, enzimática e auto-hidrólise (BUCKERIDG, 2007).Um dos principais problemas da produção do etanol de segunda geração é o chamado pré-tratamento, que tem a função de desestruturar a parede celular, deixando os compostos mais acessíveis aos tratamentos seguintes. O pré-tratamento irá variar conforme o tipo de biomassa utilizado, o que torna o processo bastante complexo. Hoje, o custo do pré-tratamento é um dos principais gargalos da produção de etanol de segunda geração (FAEG, 2012).

Cosméticos:
Os derivados da celulose são utilizados na indústria farmacêutica e de cosméticos para produção de géis hidrofílicos, tendo um aumento na sua aplicação devido à sua fácil espalhabilidade e por não serem gordurosos, facilitando a adesão de pacientes ao veicularem ativos dessas indústrias. Esses géis têm vantagens quanto à toxicidade, biocompatibilidade, biodegradabilidade, alta estabilidade e baixo custo, além de serem encontrados em abundância na natureza (LIMA NETO e PETROVIK, 1997). Quando comparados aos géis obtidos por processo de polimerização, podemos dizer que as fibras vegetais e a cana-de-açúcar têm alto potencial (PUGLIA et al., 2003; ALVAREZ et al., 2004).

Desde meados do ano passado (2013), é possível nutrir e hidratar a pele com sabonete esfoliante em barra, com base glicerinada, fabricado com bagaço e extrato vegetal de cana-de-açúcar. É que a empresa Aroma Tropical Cosméticos, de Sertãozinho, SP, lançou uma linha específica de produtos nesse segmento, a partir de pesquisas realizadas (REVISTA CANAVIALIS, 2009). Os outros cosméticos feitos com o extrato vegetal são o sabonete líquido e a loção hidratante. O bagaço, que é usado exclusivamente no sabonete em barra, tem ação esfoliante.

Para os três produtos, a Aroma Tropical desenvolveu uma fragrância suave, com cheiro característico da cana. Dessa forma, a empresa – que possui outros produtos – contextualizou a sua atuação no polo sucro-energético onde está inserida. A aceitação dessa linha de cosméticos, que tem o sabonete como carro-chefe, está sendo bastante positiva. É planejado inclusive o aumento da produção e a ampliação da quantidade de produtos que utilizam a cana-de-açúcar como matéria-prima (REVISTA CANAVIALIS, 2009).

A loção, os sabonetes em barra e líquido são disponibilizados também em embalagens produzidas a partir do bagaço de cana (REVISTA CANAVIALIS, 2009).

Substrato para hidroponia:
A produção de forragem em hidroponia constitui alternativa para o uso em pequenas e médias propriedades com dificuldades para manter a produção de volumosos de forma regular ao longo do ano (AMORIM et al., 2000). Seu objetivo é suprir as necessidades nutricionais dos animais, principalmente durante épocas secas ou frias do ano, em que a baixo produção e a redução na qualidade da forragem das espécies nativas ficam aquém das exigências nutricionais (FAO, 2001).

A forragem hidropônica é composta por um conjunto de plantas jovens, com crescimento acelerado, ciclo curto de produção, e elevado rendimento de fitomassa fresca, cada m2 rende 10-20 kg, possuindo alto teor proteico e boa digestibilidade (FLORES, 2009). De acordo com Nussio e Balsalobre (1993), o bagaço “in natura” é o principal subproduto, e, apesar de ser utilizado como fonte de energia nas usinas de álcool e açúcar, ainda apresenta excedente de milhões de toneladas anuais. Surgem então alternativas de uso desse resíduo, tanto na adubação orgânica, como na alimentação de ruminantes.

Bioplásticos:
Os plásticos convencionais são produzidos, principalmente, a partir de matérias-primas provenientes do petróleo, um recurso natural não renovável. Inserido no contexto atual de preocupação crescente com o ambiente, tem-se o bioplástico, um material produzido a partir de matéria-prima renovável e que, quando descartado em condições que favorecem o processo de decomposição do mesmo, integra-se mais rápido à natureza do que os plásticos convencionais.

No que se refere a estudos científicos, uma das descobertas mais recentes nessa área é o polímero polihidroxibutirato, que pode ser fabricado a partir do bagaço da cana-de-açúcar, espécie vegetal largamente cultivada e explorada não só na região de Jaboticabal como em todo o Brasil. Este polímero é obtido por meio da ação de bactérias que se alimentam do bagaço e formam dentro de si o polímero. O polihidroxibutirato pode ser usado na fabricação de vasos, colheres e sacolas plásticas, entre outros objetos (TELLES et al., 2011).

Concreto ecológico: conscientização e economia
 
Fonte: Blog Química, MA e Edificações

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