Soja: Quando o produtor brasileiro voltará a vender? Oportunidades são mais atrativas no 2º semestre

Publicado em 14/04/2023 16:39 e atualizado em 14/04/2023 17:26

A tempestade perfeita não só se formou, como continua desabando sobre o mercado brasileiro de soja. Os preços se apresentam em patamares bem mais baixos do que nos últimos meses, os prêmios seguem renovando suas mínimas e a recente despencada do dólar terminou de fechar completar o cenário em que os indicativos se encontram agora. E há ainda um volume consideravelmente grande de soja 2022/23 para ser comercializado. Em que ambiente estes negócios vão acontecer foi a pergunta que o Notícias Agrícolas foi fazer a analistas e consultores de mercado. 

"O equívoco do produtor brasileiro foi ter definido uma meta de preços e não de resultado", afirmou o sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo, ao explicar que, há apenas alguns meses os valores ofertados pela soja do Brasil eram bem melhores do que os atuais, mas insuficientes para estimular um avanço da comercialização. 

Somente no primeiro trimestre deste ano, os preços da soja nos portos cederam mais de 12%. De 3 de janeiro a 31 de março, o indicativo no porto de Paranaguá saiu de R$ 182,00 para 159,00 por saca. Estendo até meados desta semana, no dia 12 de abril, o valor já havia caído mais R$ 10,00, para R$ 149,00. Em Rio Grande, no primeiro tri do ano, baixa acumulada de 12,02% - de R$ 183,00 para R$ 161,00, e do início do ano até a última quarta-feira, perda de 18,58%, para R$ 149,00. 

O principal vilão na formação dos preços da oleaginosa do Brasil nesta temporada tem sido os prêmios. A robusta safra nacional - acima de 150 milhões de toneladas - se chocou com uma insuficiente capacidade logística, especialmente nos portos, e o impacto foi inevitável, imediato e forte. Nos primeiros três meses de 2023, o prêmio para o embarque abril saiu de 25 cents de dólar positivos sobre os valores praticados em Chicago para 87 centavos negativos. Já no maio, em um mês - de 13 de março a 12 de abril - o valor saiu de 11 cents negativos para 140 centavos de dólar negativos, ou seja, abaixo do que se pratica para o vencimento maio/22 na CBOT. 

O peso dos prêmios negativos - e em uma sequência constante de renovação de mínimas - pode ser observado ao se analisar também o comportamento dos futuros da soja na Bolsa de Chicago. De janeiro a março, o maio caiu 0,4% - passando de US$ 14,99 para US$ 15,05 por bushel - e o julho caiu 0,33%, caindo de US$ 15,02 para US$ 14,75. 

"Vimos os preços ainda trabalhando perto de R$ 180,00, R$ 185,00, R$ 190,00 e nada acontecia, os negócios não avançavam. Foi a R$ 170,00 e nada acontecia. A maior parte dos produtores perdeu o timing", explica Cogo. O analista aponta que, em uma média geral do Brasil, os produtores venderam apenas pouco mais de 30% e agora terá perto de 70% de sua oferta para manejar em um ambiente muito mais hostil de preços. A tendência, afinal, é de que estes prêmios sigam pressionados e podendo ceder ainda mais, pelo menos, até o início do segundo semestre. 

O Brasil entrou na colheita de uma safra recorde com um índice antecipadamente vendido muito baixo, aquém do que se observou nos últimos anos, de 40% a 45%, depois de ter tido custos muito elevados. E assim, o "fantasma do câmbio" pode deixar, como expicou Cogo, ainda mais graves. "O produtor custeou a safra com algo entre R$ 5,25 e R$ 5,30 no dólar", diz, e agora vê a moeda americana abaixo dos R$ 5,00 e vendas para serem feitas. "Esse dólar reduz a paridade ainda mais". 

No primeiro trimestre, a moeda americana acumulou uma queda de 5,04%, passando de R$ 5,37 para R$ 5,08. Já do início do ano até 12 de abril, a baixa é de 8,01%, com a divisa já operando abaixo dos R$ 5,00 e valendo R$ 4,94 na data em questão. 

HAVERÁ NOVAS OPORTUNIDADES?

As novas janelas de oportunidade que podem se abrir para o produtor brasileiro deverão ser mais estreitas e menos frequentes daqui em diante. É verdade. Mas elas se abrirão, como afirmam Carlos Cogo e também Marcos Araújo,analista de mercado da Agrinvest Commodities. Ambos acreditam que será possível passar por esse momento com certa "tranquilidade" e sem prejuízo, porém, com a necessidade urgente da revisão de suas estratégias e planejamento comercial. 

"O importante é não tentar pegar a faca caindo", diz Araújo, que usou o exemplo de Rio Verde, em Goiás, para ilustrar o atual momento e o que poderia vir a mudar, principalmente no segundo semestre. Os atuais prêmios no município goiano são de US$ 3,11 (311 cents de dólar) negativos, abaixo de Chicago, contra o normal para este período, na média histórica, de US$ 1,00. Este quadro resulta em indicativos, aproximadamente, R$ 22,00 por saca mais baixos agora. Impossível não afungentar os vendedores. 

A tendência é de que, passado este pico da pressão, em algo como 70 a 90 dias, os prêmios melhorem diante de uma oferta menor, de um escoamento mais forte, oferencendo momentos mais oportunos de negócios. Para isso, porém, será preciso estratégia. "Estamos orientando, por exemplo, para alguns casos em que o produtor esteja capitalizado, a venda da soja julho em Chicago, dólar futuro julho, mantém a soja armazenada e aguarda para a venda no físico entre junho e julho. Isso é gestão", diz. 

As estratégias, no entanto, não são receitas de bolo. Atualmente, as gestões de comércio da soja são - e precisam ser - cada vez mais personalizadas, respeitando as particularidades dos custos de produção das mais diversas regiões produtoras do Brasil, bem como suas despesas logísticas. Nos últimos meses, com o andamento da colheita, os fretes rodoviários subiram agressivamente e ajudaram nesse estreitamento das margens dos produtores, cada um sentindo nas devidas proporções. 

Produtores do Rio Grande do Sul, por exemplo, têm situação distinta. Perdendo para o clima adverso há três safras, com o arrendamento da terra subindo e os preços da soja caindo, o cenário é ainda mais desafiador e alguns já amargam prejuízos. Não há, afinal, volume de soja que possa ser vendido a mais para compensar preços menores. 

E aos poucos, o mercado vai se reconfigurando. Para Carlos Cogo, o segundo semestre também poderá ser melhor e as oportunidades já não deverão se mostrar tão escassas. A soja no interior de Mato Grosso tem, no spot, algo perto de R$ 121,00 a R$ 122,00 por saca, enquanto para agosto já se fala em R$ 138,00 com a melhora dos prêmios. "O prêmio para agosto é o primeiro positivo da tabela", diz. 

As melhoras esperadas para o segundo semestre deverão estar atreladas não só à volatilidade - e eventuais oportunidades - que o mercado climático costuma oferecer ao mercado, em especial à Bolsa de Chicago, mas também à demanda interna no Brasil, que tem perspectivas fortes a frente, em especial no mercado dos derivados.

FARELO, ÓLEO E A DEMANDA INTERNA DO BRASIL

O diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio explicou que os preços e os prêmios do farelo de soja não caem na mesma proporção ou ritmo do que os do grão. O quadro global de oferta e demanda do produto é ajustado, a Argentina - maior exportadora mundial de farelo e óleo - registrou sua pior quebra da história e deixa um rombo enorme no mercado que será, naturalmente, substituído pelo Brasil. 

"O Brasil terá recorde de exportações de farelo e será o maior exportador do mundo" diz. A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) estima as vendas externas do Brasil em 21 milhões de toneladas, enquanto o USDA projeta as vendas argentinas em pouco mais de 20 milhões. E este será um ponto importante de suporte, uma vez que exigirá que a demanda interna se intensifique um pouco mais para atender este quadro. 

Do mesmo modo, as exportações de óleo de soja também deverão ser boas neste ano, bem como o mercado já conta com o B12, a mistura elevada no biodiesel com 12%, o que também exige mais do esmagamento. Neste ponto, no entanto, há um porém. Embora esse aumento da mistura exigiria mais cinco milhões de toneladas de soja sendo processadas pela indústria brasileira, estima-se um incremento de 'apenas' três milhões. 

Isso porque as exportações de óleo de soja nos últimos anos foram bastante elevadas - como mostra o gráfico abaixo - diante de uma redução da mistura do biodiesel e este quadro agora pode se inverter. "Exportamos quase 2,4 milhões de toneladas de óleo de soja em 2022 em função da menor demanda do biodiesel, então temos excedentes exportáveis", explica o analista da Agrinvest. 

Gráfico: Agrinvest Commodities
MAS, E A CHINA?

Pois é, a China é um caso sério. A demanda chinesa acontece, está presente, porém, não tão intensa como se observou em anos anteriores. Outro gráfico da Agrinvest mostra que as importações de soja pela nação asiática, de janeiro a março de 2023 foram de 14,038 milhões de toneladas, contra 14,754 milhões do mesmo período do ano passado. 

Gráfico: Agrinvest Commodities

A diferença de 4,9% refletiu, segundo Marcos Araújo, as compras maiores feitas nos Estados Unidos em função dos atrasos dos embarques no Brasil, bem como pelas margens negativas no gigante asiático, hoje negativas em pouco mais de US$ 17,00 por tonelada e se aproximando de US$ 37,00 para setembro. 

Gráfico: Agrinvest Commodities

Se as margens no esmagamento de soja estão negativas, as do suinocultores não ficam atrás e também são pouco ou quase nada atrativas. A imagem abaixo ilustra as margens negativas agora, negativas em US$ 10,00 por animal abatido.

Gráfico: Agrinvest Commodities

Também por isso, as estimativas apontam para uma manutenção na produção de proteínas animais na China, sendo esperadas 55 milhões de toneladas de carne suína, 14,3 milhões de carne de frango - mesmos números do ano passado - e 7,350 milhões de toneladas de carne bovina, contra 7,125 milhões de 2022. 

Gráfico: Agrinvest Commodities

Além disso, as indústrias locais já estão cobertas em 85% até maio e, consequentemete, terão de vir às compras de forma mais agressiva a partir de junho, quando o Brasil ainda se mantém como o grande fornecedor de soja para a China, pelo menos até setembro, quando possivelmente os Estados Unidos assumem a competitividade e podem ofertar preços mais atrativos para os compradores. 

Dessa forma, ainda recorrendo às duas análises, as janelas de oportunidades que poderão se abrir no segundo semestre têm de ser cuidadosamente monitoradas e estrategicamente aproveitadas. 

2023/24 JÁ SINALIZA MARGENS MELHORES!

Depois das piores margens em três anos que a safra 2022/23 registrou, as sinalizações para a temporada 2023/24 são melhores, como afirma Carlos Cogo. Os custos de produção já estão em patamares mais baixos e margens consideravelmente maiores. Em Sorriso, no Mato Grosso, por exemplo, a margem bruta atual de 19% já sinaliza 36% para o ano que vem. 

"E este declínio que estamos vendo dos custos ainda é parcial. Os insumos estão em uma curva de queda, fertilizantes, defensivos, e podemos ter um cenário bem mais favorável ao produtor brasileiro", afirma o executivo. Ainda assim, as estratégias bem construídas e a gestão aprimorada são indispensáveis.

Assim, enquanto no Brasil o produtor monitora e aproveita as boas relações de troca, as boas possibilidades para o segundo semestre, terá de dividir suas atenções, como ele já sabe, com o comportamento do clima nos Estados Unidos e do plantio 2023/. "A quebra na Argentina, a safra recorde no Brasil, estes são fatores que o mercado já precificou. Mas a nova safra dos Estados Unidos, o clima por lá, isso está em aberto", orienta Cogo. 

Por: Carla Mendes | Instagram @jornalistacarlamendes
Fonte: Notícias Agrícolas

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