Brasil garantirá até 50% da importação argentina de soja após seca, dizem analistas
Por Nayara Figueiredo e Ana Mano
SÃO PAULO (Reuters) - O Brasil deverá fornecer metade da soja que a Argentina até irá importar para manter as operações de seu parque industrial em atividade, diante de uma seca histórica que devastou a safra 2022/23 no país, que normalmente é o maior exportador de petróleo e farelo da oleaginosa, conforme analistas ouvidos pela Reuters.
Diante de uma colheita argentina estimada pelo mercado em torno de 25 milhões de toneladas, contra 42 milhões na temporada passada, o país vizinho poderá importar até 10 milhões de toneladas de soja, ou mais que o dobro do volume adquirido nos anos anteriores, quando a origem foi principalmente o Paraguai.
Contando com uma safra recorde, o Brasil poderia elevar em pelo menos dez vezes os embarques para a Argentina, disse a head de Grãos Latam da hEDGEpoint Global Markets, Sol Arcidiacono, que atua em Rosário, principal polo de produção argentino de farelo e óleo de soja.
Ela lembrou que a média anual de embarques de soja do Brasil para a Argentina normalmente seria de 300 mil toneladas, mas em 2023 os brasileiros poderão responder pelo fornecimento de ao menos 3 milhões de toneladas, já que o Paraguai não teria capacidade de suprir os volumes adicionais necessitados pelos argentinos.
"(Há) chance de chegar a 5 milhões de toneladas se os preços internacionais do farelo de soja pagarem --e eu acredito que irão--, já que a oferta de farelo de soja argentino é difícil de substituir", disse Arcidiacono.
A especialista destacou que, além do país enfrenta uma das piores secas em 100 anos, que incluiu a safra da oleaginosa em 45% em relação às expectativas iniciais, a popularidade por parte dos argentinos é a mais baixa em 20 anos.
"Estão segurando a soja até a colheita, sem precificar", disse ela, destacando que este seria mais um dos fatores que também impulsionaram a orientação para níveis recordes nesta temporada.
Segundo Arcidiacono, o preço do grão tem sido um problema na hora da venda, tanto pela falta de referenciais quanto pelas margens de esmagamento negativas, já que a oferta ainda é baixa no país vizinho, considerando também que a colheita está apenas começando e como do Brasil ainda são relativamente pequenas.
"O Brasil, caso confirme uma colheita superior a 152 milhões de toneladas, teria capacidade de exportar até 97 milhões de toneladas (para todos os destinos) e conseguiria atender a praticamente toda a demanda importadora da Argentina", disse o diretor de consultoria Cogo, Carlos Cogo.
Ele concorda que o Brasil poderá exportar 5 milhões de toneladas de soja para a Argentina, ou mais, principalmente se a China --maior compradora do grão brasileiro-- vier com menor apetite.
Cogo salientou que o Paraguai também é um fornecedor importante, mas possui limitação de oferta, visto que sua safra de soja está estimada em cerca de 8,8 milhões de toneladas. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estima uma colheita paraguaia 2022/23 em 10 milhões de toneladas.
A Bolívia e o Uruguai também serão opções de fornecedores, mesmo que em volumes menores, adicionaram o analista da Safras & Mercado Luiz Fernando Roque.
Roque indicou que o Brasil embarcou quase 230 mil toneladas da oleaginosa aos argentinos no primeiro bimestre de 2023, contra somente 167 quilos no mesmo período do ano passado, o que indica que os volumes serão crescentes ao longo do ano.
"Nesse ano, deve mesmo saltar para 10 milhões de toneladas a importação da Argentina, porque as perdas são muito grandes, e mesmo assim vão ter que reduzir o esmagamento."
PRÊMIOS
Arcidiacono, da hEDGEpoint, destacou que o aumento do interesse pela importação deve se manter nos últimos trimestres do ano, em meio a eleição do país aumentando as saídas política e macroeconômica, e estoques de passagem muito pequenos devido à menor safra de duas décadas.
"O basic (prêmio) e os preços terão suporte nessa época do ano", disse.
Uma fonte do mercado afirmou, na condição de anonimato, que há relatos de embarques de soja brasileira saindo para a Argentina de Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul, e até de Santarém, no Pará.
"Entendo que o preço no Brasil caiu tanto com a safra recorde, que se tornou viável importação (argentina) mesmo de terminais do Arco Norte", disse a fonte.
O interlocutor lembrou que, além da produção histórica, as vendas de agricultores brasileiros estão boas nas últimas semanas, com produção sem espaço para armazenar os grãos.
"A base da soja no Brasil segue com desconto em relação à cotação da Bolsa de Chicago", enfatizou.
O analista de soja da Agrinvest Eduardo Vanin, informou em relatório que se os prêmios no Brasil continuarem caindo, a conta vai continuar viável para os compradores externos, o que poderia aumentar o potencial de recompensa da soja brasileira pelos argentinos, e acirrar a competição com fornecedores paraguaios.
Segundo ele, os cerealistas no Mato Grosso do Sul estão estimando um recorde de exportação de 1,6 milhão de toneladas de soja para a Argentina por Porto Murtinho e pela fronteira seca até Concepción, no Paraguai.
É possível que haja embarques por outros portos, mas as opções são limitadas, pois os navios que vão para a Argentina seriam menores e as negociações evitam portos com tempo de espera elevado para não pagar "demurrage", que é uma penalização por atrasos no embarque , disse Vanin.
(Reportagem de Nayara Figueiredo e Ana Mano)