Safra 2020/21 de soja do Brasil deve ter comercialização mais escalonada e lenta daqui em diante
Depois de comercializar um volume recorde de soja da safra 2019/20 e chegar ao início do segundo semestre com mais quase 90% da oleaginosa comprometida, a safra 2020/21 não deverá ficar muito longe disso. O mês ainda é maio de 2020 e o Brasil já tem, segundo analistas e consultores de mercado, mais de 30% de sua nova temporada comercializada. Resta saber, porém, se os negócios registrarão um ritmo tão intenso nos próximos meses.
O maior combustível para o avanço tão rápido e antecipado da soja foi o dólar. A moeda brasileira teve o pior desempenho frente à americana em comparação às outras divisas e, com o câmbio se aproximando dos R$ 6,00, os valores da oleaginosa em reais por saca registraram seus mais elevados preços da história e estimularam muitos negócios.
E apesar das altas do final da semana passada e começo desta, o dólar já se mostra distante de suas máximas e volta ao intervalo de R$ 5,10 a R$ 5,20. O gráfico abaixo mostra o comportamento da moeda de 15 de maio a 15 de junho e, no início do intervalo, eram R$ 5,85. A diferença, portanto, já deixa os preços mais baixos e, o comportamento foi afastando os sojicultores brasileiros de novos negócios.
Do mesmo modo, da Bolsa de Chicago ainda chega pouco estímulo também. O mercado necessita de um movimento comprador da China no mercado americano que seja mais frequente e certo, além de o país estar no início de uma nova safra sem grandes ameaças climáticas até o momento.
As referências para os negócios com a safra nova são os vencimentos de março/21, para o Centro-Oeste e Paraná, e maio/21, no caso de Rio Grande do Sul e região do Matopiba. E estes contratos, na medida em que algum risco climático surgir no Corn Belt, podem subir também, porém, com menos intensidade se comparado aos vencimentos mais curtos.
Na imagem a seguir, é possível observar como o comportameto dos preços da soja em 2020 na Bolsa de Chicago está distante da média dos últimos cinco anos.
E diante destes cenários e de perspectivas que em algum ponto ainda apresentam alguma nebulosidade, o produtor brasileiro parece estar mais retraído, avaliando suas opções e possibilidades. No entanto, também gera algumas preocupações.
"A venda da safra nova com tanta antecipação cria um efeito amortecedor, que impede a tração dos preços e, por outro lado, retira do produtor uma série de benefícios que ele poderia estar auferindo com relação a esse escalonamento da comercialização. Em condições normais, se houvesse um planejamento, ele não sofreria", explica o diretor da LucrodoAgro, Eduardo Lima Porto.
Em contrapartida, o executivo explica que essa "renúncia a essas possibilidade relacionadas com as operações de barter, não existe hoje condições disponíveis de capital de giro que o produtor possa utilizar e ir liquidando as operações dele na medida em que o mercado se posiciona de maneira mais adequada".
Do mesmo modo, o grave - e de difícil solução - déficit brasileiro de armazenagem, ainda segundo Lima Porto, acaba promovendo uma comercialização mais concentrada. "E tudo isso reforça ainda mais a situação de que a escala de produção está sendo cada vez mais o determinante da viabilidade econômica dos produtores", completa.
O Notícias Agrícolas conversou com alguns analistas de mercado para entender em que momento estão as vendas da safra 2020/21 e quais as perspectivas a frente, principalmente combinando as variáveis de Chicago, câmbio e prêmios.
Marcos Araújo, Agrinvest Commodities
Dados levantados pela Agrinvest Commodities apontam a comercialização da safra 2020/21 do Brasil em, aproximadamente, 35%. "Já se pode ver preços futuros da safra nova em R$ 104,00 por saca, sobre rodas porto", explica Marcos Araújo, analista de mercado da Agrinvest. Assim, o exemplo utilizado pelo executivo mostra que um produtor do interior do Rio Grande do Sul poderia ter uma margem operacional acima dos R$ 2800,00 por hectare. Veja:
"Pensando aqui em um sojicultor de Passo Fundo - RS e região:
CBOT US$879.75
BASIS LOCAL -17
Preço PF US$19,02 ou R$ 99,55 por saca
R$ 99,55 x 60 sacas = R$5.973,00 por hectare
Custo Desembolsável R$3.150,00 por hectare
Margem Operacional R$2.823,00 por hectare".
Vlamir Brandalizze, Brandalizze Consulting
O consultor de mercado Vlamir Brandalizze, da Brandalizze Consulting, estima uma safra de 130 milhões de toneladas e a comercialização da temporada 2020/21 em cerca de 30%. Porém, acredita que daqui em diante o ritmo dos negócios siga mais lento frente aos preços que hoje estão distantes dos observados nos melhores momentos, chegando a até R$ 112,00 por saca.
"O pessoal já se preparou, vendeu o que precisa e acho que a comercialização será lenta a partir de agora. Com um pico (dos preços) pode voltar, mas não com a mesma força. E acredito que a safra que vem será diferente desta, com as vendas não tão rápidas, porque os produtores, em geral, estão bem capitalizados, e agora vão usar da soja como ativo financeiro", diz.
Além disso, com a volta da economia, mesmo que aos poucos, voltando ao normal, o câmbio tende a ficar mais baixo, fazendo com que as novas vendas sejam mais escalonadas do que aconteceu na safra 2019/20.
Matheus Pereira, ARC Mercosul
A ARC Mercosul estima que o Brasil já tenha comercializado de 35% a 40% de toda a soja 2020/21, volume bem maior do que o registrado no ano passado e a média dos últimos anos para este período.
"O produtor rural no Brasil foi agraciado por bons preços nestes últimos meses, com a intensificação das crises econômicas, sanitária e política, e o dólar trouxe boas oportunidades, portanto. E nós acreditamos que haverá uma segunda onda de oportunidades agora no segundo semestre", explica Matheus Pereira, diretor da ARC Mercosul.
E isso se deve à escassa oferta que estará disponível nos próximos meses, e da China que deverá se manter focada sobre o mercado brasileiro na sequência de seu abastecimento necessário no mercado norte-americano. Afinal, seguem extrema e profundamente comprometidas as relações entre Pequim e Washington.
Luiz Fernando Gutierrez, Safras & Mercado
Na análise da Safras & Mercado, são 35,6% da safra de soja 2020/21 já comercializada, em uma safra hipotética igual a 2019/20, contra 11,9% no ano passado e 8,3% de média dos últimos anos. "E mesmo que a safra chegue a 130 milhões de toneladas, esse percentual (35,6%) não tende a cair muito", afirma Luiz Fernando Gutierrez, analista de mercado da consultoria.
Gutierrez explica que os preços subindo continuamente, apesar das baixas recentes do dólar, fizeram com que o produtor fizesse negócios com volumes muito grandes desta nova temporada. A tendência agora, porém, é de lentidão no fechamento de novos negócios. "Se tivermos grandes movimentos de câmbio, o que é muito difícil prever agora, e também Chicago podendo ajudar a depender da safra americana e da demanda da China, com a conjunção desses fatores é possível que a gente avance um pouco mais com a comercialização", diz. "A questão agora é preço. E deveremos ver um escalonamento natural até o final do ano", complementa.