Soja: Produtores de MT temem não cumprir contratos mesmo após volta das chuvas

Publicado em 08/01/2016 07:12

As tão esperadas chuvas voltaram, nos últimos dias, ao maior estado produtor de soja do Brasil. A safra 2015/16 de Mato Grosso, no entanto, já perdeu boa parte de seu potencial, deixou a projeção de 29 milhões de toneladas para trás e o foco dos produtores começa agora a se voltar para os primeiros trabalhos de colheita e para, principalmente, o cumprimento dos contratos do elevado volume de vendas antecipadas feitas nesta temporada. O embate entre o clima adverso e as fortes vendas antecipadas começa a trazer suas consequências. 

De acordo com o último levantamento da França Junior Consultoria, até meados de dezembro, Mato Grosso já havia comprometido 54% da soja desta temporada, contra 30% do mesmo período do ano comercial anterior. A surpresa do clima, porém, não estava na conta. As boas oportunidades trazidas pelo dólar em alta frente ao real foram o principal estímulo para a comercialização. No Brasil todo, o índice de vendas é de 45%, o segundo maior volume de comercialização antecipada da história. 

Para o presidente da Aprosoja MT, Endrigo Dalcin, essa situação pode ser ainda mais grave nas regiões Leste e Norte do estado, onde as perdas foram mais severas em decorrência do tempo seco. Algumas áreas tiveram 100% de quebra, onde campos ficaram sem uma única gota de chuva por mais de 40 dias. "Em uma região como Sorriso, que tem em média 60 sacas por hectare e que vende de 60 a 70% antecipado, o produtor tem de 45 a 50 sacas por hectare de compromisso de entrega. E na colheita ele conseguirá de 10 a 20 sacas por hectare, ou seja, ele não vai conseguir cumprir seu contrato", relata. 

Em Sapezal (MT), outra importante região produtora, o rendimento inicial em algumas áreas que sofreram com o stress hídrico está próximo de 35 sacas da oleaginosa por hectare, contra uma média de 52 sacas, segundo relata o presidente do Sindicato Rural do município, José Guarino Fernandes. "O retorno das chuvas acabou beneficiando as lavouras, porém, os produtores seguem preocupados com a entrega dos contratos fixados antecipadamente. Cerca de 70% da safra foi comercializada", completa.

Nesse quadro, Dalcin é direto, diz que a preocupação é legítima e que a postura mais segura do produtor nesse momento é a de construir provas de suas perdas. Além disso, orienta os sojicultores a procurarem as tradings para que visitem suas lavouras e acompanhem, in loco, a colheita e a quebra. 

"O produtor precisa fazer provas com fotos, relatórios de seu agrônomo e um cronograma do que aconteceu durante a sua safra, mostrando que precisa de um apoio ou de uma extensão do contrato", completa. "Se ele tiver ainda que pagar multa em cima desse contrato, são dois prejuízos: o climático e as multas em cima do contrato que ele não vai conseguir entregar", lamenta o presidente. 

Apesar de as ações terem de ser individuais para que os produtores estejam com suas perdas documentadas, a Aprosoja MT já iniciou nesta semana a conversa com algumas das principais tradings do país, buscando uma melhor interlocução com esses compradores. "Faremos a parte institucional, mas é importante que o produtor no campo faça o seu papel", diz Dalcin. 

Endividamento

“Estamos conversando com as traders para tentar amenizar a situação do produtor, talvez para cumprir esses contratos no próximo ano, com uma revisão nos preços. E também há questão dos bancos, não podemos negativar os agricultores, pois poderemos acabar tirando-os da atividade”, relata o presidente do Sindicato Rural de Sorriso, Laércio Pedro Lenz.  “Essa é uma situação bastante particular, cada produtor terá que avaliar e analisar os contratos feitos anteriormente”, destaca o presidente.

As preocupações dos produtores mato-grossenses foram iniciadas em 2015, com a dificuldade na aquisição do crédito "oficial", que demorou a sair, e muitos optaram pelo financiamento em dólares de sua safra. E o ano safra 2015/16 registrou para a oleaginosa o maior custo de produção da história, de acordo com os últimos números levantados pelo Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária).

"Alguns produtores tomaram a iniciativa de fazer seus pacotes ou seus financiamentos com as tradings, em dólares, e agora o problema aumenta muito. Os produtores conseguiram o financiamento, no primeiro semestre (de 2015) com o dólar entre R$ 3,20 / R$ 3,30 e agora está na faixa de R$ 4,00. Um pulo grande na taxa cambial", relata o presidente da Aprosoja MT. "E quando o produtor ainda não tem uma produtividade boa, isso é o pior dos mundos”. 

Ainda de acordo com Endrigo Dalcin, o tamanho real desse problema só poderá ser mensurado ao final da colheita,  e só então, será possível definir quais medidas necessárias para amenizar a situação. O pedido de prorrogação de alguns pagamentos, porém, não está descartado. 

Mais grave ainda é a situação dos produtores que plantam em terras arrendadas, como Daniel Bertold, de Sorriso. Em entrevista ao jornalista João Batista Olivi, no meio de dezembro, o sojicultor já relatava o custo de 12 sacas por hectare para custear o arrendamento e nesse quadro, a dívida de Bertold é de, aproximadamente, 30 sacas por hectare, sem perspectiva certa de qual será sua produtividade. O rendimento esperado, antes do corte das chuvas, era de algo entre 58 e 60 sacas por hectare, média que não será alcançada. 

Início da Colheita

Com o atraso no plantio - e com áreas ainda sendo replantadas - o processo está atrasado e já traz produtividades mais baixas do que o esperado. Até mesmo em áreas de irrigação, com pivô central, o rendimento da oleaginosa não atende as expectativas. 

Assim, consultorias privadas já começam a reajustar seus números para a produção do estado. O último número do Imea foi de pouco mais de 28 milhões de toneladas, e será atualizado na próxima semana. Já a FCStone baixou sua projeção de 28,063 milhões de toneladas estimada em dezembro para 27,266 milhões em um boletim reportado nesta quinta-feira, 7 de janeiro. Assim, a consultoria ajustou também em 1 milhão de toneladas a safra brasileira de 98,812 milhões para 97,809 milhões de toneladas. 

A esperança, não só em Mato Grosso, mas nas principais regiões produtoras onde a irregularidade das chuvas provocada pelo El Niño devastou a safra de soja, são as lavouras plantadas mais tardiamente e que ainda têm fôlego para alguma recuperação. Entre os produtores, assim sendo, a certeza é de que a última estimativa da Conab de 102 milhões de toneladas - e que será atualizada em 12 de janeiro - não será alcançada. 

Preços

Ainda é cedo também para saber qual será ou qual intensidade terá o impacto da quebra da safra brasileira sobre os preços da soja tanto no mercado nacional quanto internacional. Por ora, a reação ainda é limitada. 

Apesar disso, como explica o consultor de mercado Flávio França, a oferta menor diante de uma demanda, que se mantém aquecida e dá indicativos de crescimento, pode provocar uma disputa pelo produto e, consequentemente, preços melhores até mesmo na época da colheita. E os prêmios, já positivos, também poderiam se elevar. E isso pode ser ainda mais claro regionalmente, onde as perdas foram maiores. 

“Os exportadores terão de ir a mercado fechar lotes e navios já vendidos. Esse movimento pode bagunçar o mercado, e no momento da colheita”, diz o consultor. A última estimativa de França é de que o Brasil colha 97,9 milhões de toneladas. Os números atualizados da França Junior Consultoria serão reportados no próximo dia 22. 

Para Vlamir Brandalizze, consultor da Brandalizze Consulting, as perdas nos estados centrais do Brasil têm variado de 10 a 30%, porém, ainda não foram “oficializadas” por órgãos como o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) ou a Conab. E por isso, a reação na Bolsa de Chicago, por exemplo, acaba sendo limitada e o peso da quebra se torna menor nas negociações. A evolução da safra, portanto, com os rendimentos menores do que o esperado, poderiam trazer essa maior clareza sobre a safra do Brasil. 

No link abaixo, confira a íntegra da entrevista de Endrigo Dalcin, presidente da Aprosoja MT, ao Notícias Agrícolas:

>> Aprosoja MT discute perdas na safra e cumprimento de contratos com as Tradings e alerta para que produtores documentem prejuízos

Tags:

Por: Carla Mendes
Fonte: Notícias Agrícolas

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Altas recentes em Chicago e elevação do dólar no Brasil trazem soja de volta para níveis acima dos R$140 nos portos
Preços da soja no mercado brasileiro estão, em média, R$ 2/saca melhores na semana; destaque aos prêmios
Exportação de farelo de soja do Brasil caminha para recorde em julho
Soja volta a intensificar altas em Chicago nesta 3ª feira, com sinais de alerta para o clima no Corn Belt
Anec reduz previsão de exportação de soja do Brasil em julho
Soja segue operando em alta, mas movimento nesta 3ª feira na Bolsa de Chicago é mais contido