Safra de soja eleva PIB da agropecuária no 1º tri e deve garantir alta no ano

Publicado em 29/05/2015 17:52

Por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) - A safra recorde de soja do Brasil, colhida em sua maioria no primeiro trimestre e com crescimento de mais de 10 por cento ante a temporada anterior, foi o principal fator para o aumento do PIB da agropecuária de janeiro a março, devendo também contribuir de forma importante para esse setor da economia fechar o ano com avanço, ainda que modesto.

A Pib  em relação a igual período do ano anterior, destacando-se entre outros setores que tiveram recuo, como a indústria (-3 por cento) e serviços (-1,2 por cento), informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira.

O segmento do campo cresceu apesar de o milho, com safra significativa no primeiro trimestre, ter apresentado variação negativa na produção de 3,1 por cento, segundo o IBGE.

Em relação ao quarto trimestre, o PIB da agropecuária cresceu 4,7 por cento, enquanto indústria recuou 0,3 por cento e o setor de serviços caiu 0,7 por cento.

"Foi o que salvou a lavoura, a indústria já vinha minguando, vai continuar essa deterioração e já está atingindo o setor de serviços", disse o diretor de Pesquisa Econômica da GO Associados, Fábio Silveira, ao ser consultado pela Reuters.

Silveira projeta um crescimento de até 2 por cento para a agropecuária em 2015, após avanço de 0,4 por cento em 2014, muito em função do salto da cultura de soja, com colheita de mais de 95 milhões de toneladas, o principal produto do agronegócio nacional, que responde por quase metade da safra de grãos e oleaginosas do país.

Segundo o especialista da GO Associados, o desempenho da agropecuária está sendo limitado pela fraqueza da atividade em outras culturas, atingidas por preços mais baixos, como o milho.

"O que sustenta esse PIB magro de 2 por cento (previsto para o ano) é a lavoura de soja, mais a pecuária. Por quê? Porque é um setor exportador, e a exportação é sustentáculo importante para avicultura e carne bovina... e o câmbio está ajudando (na exportação)...", declarou.

Ele frisou que o agricultor terá queda na renda este ano e a relação de troca com insumos será desfavorável, num ano com crédito mais caro. "As condições de negociações estão mais áridas, não está fácil para ninguém, inclusive para o agronegócio", disse.

SEGUNDA SAFRA

Carlos Cogo, de consultoria agroeconômica que leva o seu nome, destacou também a importância da soja e das vendas externas do agronegócio para o PIB do segmento.

Mas ele citou ainda o impulso do milho, cuja segunda safra, com colheita recém-iniciada no país, deve apresentar altas produtividades.

A chamada "safrinha" pode ser recorde, garantindo uma produção histórica para o cereal do Brasil, apesar de as cotações estarem mais baixas.

"Tem o peso do grão, soja e milho, e o preço do café também subiu. Outros setores também seguiram com suas exportações", disse Cogo.

Já a economista do CM Capital Markets Jessica Strasburg ressaltou que, no PIB do primeiro trimestre, "o que salvou foi a agropecuária".

"E a indústria também contribuiu para a queda ser menos pior que o esperado, mas os serviços caíram bastante. Sinceramente fiquei surpresa com queda de só 0,3 por cento da indústria", disse ela, lembrando que o setor automobilístico "está indo de mal a pior e tem muito peso na indústria e no comércio".

O segmento agropecuário, ainda que tenha tido um desempenho positivo, tem um peso pequeno na composição do PIB total, uma vez que o IBGE considera basicamente a atividade primária em sua metodologia, ou dentro da porteira, sem levar em conta indústrias.

(Com reportagem adicional de Camila Moreira e Gustavo Bonato)

 

ANÁLISE da folha de s. paulo:

Agropecuária vai se manter como pilar da economia no 2º trimestre

MAURO ZAFALONCOLUNISTA DA FOLHA

A agropecuária continua sustentando o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Esse é um dos poucos setores que, apesar da crise, mantêm crescimento.

O valor bruto adicionado pela agropecuária foi de 4% na primeiro trimestre em relação a igual período de 2014.

O valor adicionado por essa atividade atingiu R$ 80 bilhões, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em relação ao quarto trimestre de 2014, o PIB da agropecuária teve crescimento de 4,7%.

Essa evolução se deve à supersafra que o país deverá colher, e boa parte dela se concentra neste início do ano.

A produção nacional de grãos ultrapassará, pela primeira vez, a marca dos 200 milhões de toneladas, atingindo 202 milhões, de acordo com estimativas da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Três produtos responsáveis pela maior parte dessa produção têm participação importante nesse período: soja, milho e arroz.

A soja, líder nacional em produção, deverá atingir 95 milhões de toneladas, 10% mais do que na safra anterior.

Já a produção de milho recua para 78,6 milhões de toneladas, 2% menos do que na safra anterior.

Quanto ao arroz, a produção deste ano sobe para 12,4 milhões de toneladas, 2% mais do que em 2013/14.

Esses três produtos deverão atingir, nos cálculos da Conab, 186 milhões de toneladas. Ou seja, 92% do que o país vai produzir.

Mas nem toda essa produção ocorreu no primeiro trimestre. Parte dela ainda vai ser colhida no segundo. Um atraso no plantio da soja fez com que a colheita atingisse apenas 66 milhões de toneladas até o final de março.

No caso do milho, a safra de verão --a que ocorre nesse período do ano-- está estimada em 31 milhões de toneladas pela Conab, das quais 13 milhões haviam sido colhidas no primeiro trimestre.

Portanto parte dessa supersafra continuará influenciando positivamente a taxa do PIB do segundo trimestre.

Outra vantagem deste ano foi que, apesar da redução de área em produtos como arroz e milho, houve crescimento da produtividade.

No caso da soja, a safra recorde ocorreu devido a um aumento de 5% na área e de 5,5% na produtividade.

Além de engordar o PIB, a safra de grãos derruba a inflação, como mostrou o índice de preços no atacado do IGP-M deste mês.

 

MARCOS JANK

Commodities vs. valor adicionado

O Brasil é forte em commodities, fraco em valor adicionado; mas pode atuar bem nos dois segmentos

Ao tratar das relações Brasil-China na coluna de 16 de maio, fiz a seguinte afirmação: "O sucesso do modelo pautado pelo comércio de commodities é evidente, mas tem limites claros à frente. São poucos produtos de baixo valor adicionado, alta volatilidade, margens apertadas e transporte ineficiente".

Recebi comentários antagônicos e achei que deveria hoje retomar o assunto, sempre polêmico e atual.

O primeiro comentário foi: "Nossa pauta de exportações para a China é paupérrima em produtos de valor agregado, o que faz do nosso comercio bilateral uma reedição canhestra do chamado pacto colonial".

O segundo foi: "Discordo da sua afirmação de que commodities não têm alto valor agregado. Por trás de cada grão --soja, café e até das carnes-- há muita tecnologia e valor agregado, que reúne uma cadeia gigantesca de tecnologias de Primeiro Mundo".

Aproveito os comentários para analisar as conquistas e os desa- fios do modelo agroexportador brasileiro. De um lado, não tenho a menor dúvida de que agregamos valor em nossas commodities, e muito. Somos um dos países que mais ganharam competitividade e efici- ência nesses produtos, graças ao uso de tecnologias tropicais mo- dernas, a ganhos de escala e à presença de produtores capacitados e motivados.

As commodities agropecuárias de hoje --intensivas em capital e alta tecnologia-- pouco ou nada têm a ver com as commodities intensivas em trabalho do período colonial.

Além disso, nossos grandes concorrentes nesse segmento não são países pobres, mas sim Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Argentina.

Contudo, por outro lado, é fato que mais da metade das exportações brasileiras está concentrada em dez commodities básicas com pouca ou nenhuma diferenciação, cujo grande vetor de competitividade é o custo baixo.

Exportamos nossas carnes por US$ 2 a US$ 6 por quilo. Recentemente vi carne locais, altamente diferenciadas, sendo vendidas a até US$ 100 o quilo em supermercados de Seul, na Coreia do Sul.

Creio que a melhor explicação para essa realidade está na sutil diferença entre "valor agregado nas commodities" e "valor adicionado nos alimentos".

Somos bons em agregar valor em commodities básicas, cujo diferencial competitivo são altos volumes e baixos custos. Mas ainda estamos engatinhando no proces- so de adição de valor dos produ- tos para clientes e consumidores internacionais.

Marcas reconhecidas internacionalmente, variedade de produtos, atendimento a diferentes segmentos de mercado, entrega rápida e segura, domínio de canais de comercialização, certificação e denominação de origem são alguns elementos usados para a diferenciação de produtos, todos ainda pouco explorados pela maioria das empresas brasileiras.

Estamos falando de conceitos básicos que geram diferentes vantagens competitivas no mercado. França e Itália são fortes e competitivas na oferta de alimentos e bebidas de alto valor adicionado, mas fracas em commodities básicas, setor no qual dificilmente serão competitivas no mundo (apenas com pesados subsídios).

O Brasil é o contrário, forte em commodities, fraco em valor adicionado. Mas tem todas as condições para atuar nos dois segmentos com eficiência. Só que o país e as empresas têm de sair da zona de conforto e se globalizarem, de verdade.

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Fonte: Reuters + Folha

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