Indígenas discordam sobre regulamentação de atividades econômicas em suas terras
Indígenas discordaram sobre a regulamentação de atividades econômicas em suas terras, em debate na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira (26). A medida está prevista no Projeto de Lei 191/20, do governo, em análise na Casa.
Ivo Cípio Aureliano, do Conselho Indígena de Roraima, foi um dos que criticou a proposta e pediu o combate à exploração ilegal das terras indígenas. Segundo ele, a mera existência de uma proposta sobre o tema já vem incentivando a invasão ilegal dos territórios indígenas, que vem aumentando durante a pandemia de Covid-19.
“Houve inclusive aumento de ameaças contra lideranças indígenas e agentes indígenas de proteção de vigilância territorial que trabalham nas barreiras sanitárias, que estão ali garantindo a proteção das comunidades”, disse. “Eles estão sendo ameaçados pelas pessoas que insistem em invadir o território, que se sentem empoderadas pelos discursos favoráveis de parlamentares e de autoridades que estão no poder, e é de conhecimento público que a atividade de garimpo em terras indígenas é ilegal”, completou.
Elcio Severino Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, também criticou a flexibilização das leis, para que terceiros possam utilizar as terras indígenas para a mineração e o agronegócio. “Pouco desses empreendimentos fica para as populações indígenas”, observou, destacando que, além disso, doenças são transmitidas pelos invasores. “Não queremos que os territórios indígenas sejam no futuro favelas sem terra, sem riqueza e sem ter o que comer”, frisou. Ele defende projetos de agricultura familiar para povos indígenas, o uso de conhecimentos ancestrais, com a incorporação de novas tecnologias, a fim de preservar a riqueza das terras.
Em carta lida na comissão, o vice-presidente da Hutukata Associação Yanomami, Dário Yanomami, que não conseguiu conexão para participar da videoconferência, reforçou essa posição: “Nós não queremos o garimpo na nossa terra. Queremos que o governo cumpra o dever de proteger nossa terra. Queremos que o governo tire os garimpeiros que estão na nossa terra e impeça a entrada de mais garimpeiros, que estão envenenando as pessoas, contaminando nossos rios, nossos peixes, nossos alimentos e espantando nossa caça”.
Opiniões divergentes
Já Ubiratan de Souza Maia, da etinia Wapichana, de Roraima, disse que várias comunidades indígenas desejam a regulamentação de atividades econômicas nas suas terras por meio do PL 191/20. Na visão dele, se a comunidade indígena não deseja atividades econômicas em seu território também deve ser respeitada. Ele afirma ainda que atividades como exploração de minérios e agricultura em larga escala já ocorrem hoje de forma ilegal, inclusive envolvendo indígenas.
“Se existem atividades ilegais, para que elas cessem, é necessário regulamentação pelo óbvio do tema. Sem regulamentação do tema, a gente não consegue ter fiscalização e outros tipos de atividades que possam cessar a depredação ambiental que ocorre em terras indígenas”, avaliou. “Portanto, desde já faço apelo para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), coloque em pauta com certa urgência a regulamentação com o PL 191”, completou.
Felisberto de Souza Cupudunepá, da aldeia Massepô do Mato Grosso, afirmou que o desmatamento e o garimpo ilegal são praticados pelos próprios indígenas, porque não têm alternativa de renda. Segundo o debatedor, boa parte deles vivem em condições desumanas, e nos territórios indígenas existem drogas e prostituição infantil. Ele disse ainda que recursos para a preservação ambiental chegam a ONGs, mas não chegam às comunidades.
Integrante do grupo de agricultores indígenas, que, de acordo com ele, representa 70 dos 305 povos indígenas, Felisberto acrescentou que as comunidades buscam caminho para se desenvolver sem depender de governo ou de instituições e também defendeu uma legislação que atenda à realidade e ao interesses desses povos.
José Lemos Duarte, da Tribo Tukano, por sua vez, falou que os indígenas querem preservar suas terras, mas também usufruir delas. Ele reivincidou a regulamentação de atividades econômicas nos territórios indígenas. “Precisamos de um espaço para poder trabalhar.”
Discurso minoritário
A deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), uma das que pediu a reunião, acredita que é preciso investir nas atividades econômicas e produtivas dos indígenas, mas ponderou: “A questão é que tipo de desenvolvimento queremos para nossas terras indígenas”. Conforme ela, alguns discursos individuais não representam a vontade coletiva dos povos indígenas. O deputado Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), que também solicitou o debate, não participou da reunião.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP), por sua vez, disse que são poucos os indígenas que trabalham contra a demarcação de suas terras e pela derrubada das floresta e que defendem projetos de lei que beneficiam “meia dúzia de pessoas” e levarão ao extermínio dos povos indígenas. Para o deputado Airton Faleiro (PT-PA), o garimpo contamina água, leva doenças para as tribos e não gera renda para os povos indígenas.
Já deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), afirmou que o governo atual, “que tem apoio dos desmatadores ilegais”, tenta cooptar indígenas e divide os povos para implementar a sua agenda. Segundo ele, é unanimidade entre os povos indígenas do Amapá e do norte do Pará, por meio de conferência, a rejeição ao PL 191/20.
Aumento do desmatamento
No debate, o coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA), Antonio Oviedo, destacou que não existe estudo mostrando que o desmatamento gera desenvolvimento econômico. “O aumento do desmatamento agora ocorre no mesmo momento que o PIB despenca”, observou.
Ele salientou o aumento de mais de 100% do desmatamento nas terras indígenas da Amazônia Legal nos últimos dois anos. De acordo com Oviedo, “os madeireiros ilegais não praticam home office na pandemia”, e o desmatamento explica 22% dos casos de Covid-19 entre os indígenas. Ele acrescentou que a degradação por garimpo das terras indígenas aumentou 107% neste governo.