Barroso (STF) suspende transferência de demarcação de áreas indígenas para Agricultura
SÃO PAULO (Reuters) - O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar nesta segunda-feira para suspender trecho da Medida Provisória 886 que transferia da Fundação Nacional do Índio (Funai), que está abrigada no Ministério da Justiça, para a pasta da Agricultura a competência para demarcação de terras indígenas, informou a corte.
Barroso acatou pedido feito pelo partido Rede Sustentabilidade, que questionava a alteração incluída na MP pelo presidente Jair Bolsonaro, depois de o Congresso rejeitar a medida ao analisar a MP que tratou da reforma administrativa.
Bolsonaro, um crítico da demarcação de terras indígenas, já afirmou que nenhuma área será designada enquanto ele estiver na Presidência da República.
Por ser liminar, a decisão passará pelo plenário do Supremo. Barroso já pediu urgência para analisar a medida. A expectativa é de que a decisão seja pautada nesta 3ª feira (25.jun.2019). O ministro destacou a necessidade de analisá-la rapidamente.
“A indefinição da atribuição para demarcar as terras indígenas já se arrasta há 6 meses, o que pode, por si só, frustrar o mandamento constitucional que assegura aos povos indígenas o direito à demarcação das áreas que ocupam”, afirmou.
ENTENDA
O presidente Jair Bolsonaro editou a MP 866 para que o Ministério da Agricultura fosse o responsável pela demarcação de terras indígenas no país. O texto foi publicado no Diário Oficial da União de 19 de junho. Eis a íntegra.
Apresentada no início do mandato de Bolsonaro, a MP 870, que reorganizava ministérios e órgãos, designava a demarcação de terras indígenas para a pasta de Tereza Cristina (Agricultura). A proposta, no entanto, foi alterada no Congresso, em maio, e a responsabilidade sobre as terras voltou para a Funai (Fundação Nacional do Índio).
O texto ainda descreve que as competências contemplam: “a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”.
"RAINHA DA INGLATERRA" (Folha de S. Paulo)
Na quinta (20), Bolsonaro disse que assumia o bônus e ônus sobre o processo de demarcação de terras indígenas no país. “Quem demarca terra indígena sou eu! Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras. Eu sou um presidente que assume ônus e bônus”, afirmou.
No sábado (22), o presidente se queixou do que chamou de"superpoderes" do Legislativo. "Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?", declarou, após contestar projeto que transferiria a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras.
Na sua decisão desta segunda sobre a atribuição para demarcar terras indígenas, Barroso disse que o artigo 62, parágrafo 10, da Constituição de 1988 "veda expressamente a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo”.
“O debate, quanto ao ponto, não pode ser reaberto por nova medida provisória. A se admitir tal situação, não se chegaria jamais a uma decisão definitiva e haveria clara situação de violação ao princípio da separação dos Poderes”, afirmou.
A ação foi distribuída para a relatoria de Barroso por prevenção, porque, na ocasião da primeira MP, o Supremo já havia sido acionado e o ministro foi sorteado para ser o relator das ações sobre o assunto.
Naquela ocasião, Barroso negou pedido de liminar para suspender o texto por considerar que a reestruturação de órgãos da Presidência da República inseria-se na competência discricionária do chefe do Executivo.
No entanto, com a posterior decisão do Parlamento sobre a questão, o ministro entendeu que agora passou a caber uma decisão liminar para suspender a MP contestada.
Publicada no Diário Oficial da União de quarta (19), a MP 886 estabeleceu que constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura a reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal, as terras indígenas e as terras quilombolas.
O texto prevê que tais competências incluem “a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) comemorou nas redes sociais a decisão do STF. “Vitória! Nossa liminar para suspender a MP do presidente Bolsonaro, que transferiu para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas, foi deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF!”, escreveu.
O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), disse considerar a medida acertada. “Tecnicamente falando. Não pode reeditar [uma MP] no mesmo ano sobre o mesmo tema”, afirmou à Folha.
A oposição articulava desde a semana passada para barrar o novo texto. Diversos partidos contrários ao governo pediram ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolvesse a medida sem que ela fosse analisada.
Além disso, membros da cúpula do Legislativo avaliavam nos bastidores que Bolsonaro sofreria derrota no plenário caso a proposta fosse votada.
Segundo relatos feitos à Folha, a decisão do ministro do STF irritou o presidente, a quem havia sido garantido pela área jurídica do Palácio do Planalto de que a mudança tinha base legal.
Líderes do governo chegaram a defender a Bolsonaro que mantivesse a decisão do Congresso, mas o presidente insistiu na alteração, sob o argumento de que a medida era uma promessa de campanha.
Até o final do ano passado, 112 terras indígenas aguardavam estudos na Funai com o objetivo de demarcação e outras 42 já haviam sido identificadas e delimitadas, aguardando apenas a decisão do governo para sua demarcação, ou do Ministério da Justiça ou do Planalto.
Indígenas reivindicam outras cerca de 500 terras como de ocupação tradicional.
O VAIVÉM DA MP DE BOLSONARO
Reforma administrativa
Em janeiro, Bolsonaro editou a MP 870, que reduzia o número de ministérios, propunha mudanças na organização do governo e deixava a cargo da pasta da Agricultura a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas
Congresso
No fim de maio, ao votar a MP, o Congresso devolveu a competênciasobre reforma agrária e terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Justiça, onde estavam anteriormente
Nova MP
Na semana passada, o governo editou nova MP para reverter a decisão do Congresso
‘Quem manda sou eu’
Logo depois de lançar a medida, Bolsonaro disse que ele tinha o poder de decidir sobre terras indígenas e que não iria autorizar novas demarcações
STF
Nesta terça (24), o ministro Barroso concedeu liminar suspendendo a nova MP por entender que o governo tentou reeditar medida provisória já derrubada no Congresso, o que não é permitido
Bolsonaro diz que vai vetar lista tríplice para agências reguladoras
O presidente Jair Bolsonaro disse ontem (24) que vai vetar o trecho da Lei Geral das Agências Reguladoras que trata da indicação de dirigentes das autarquias. A nova lei, aprovada em maio pelo Congresso Nacional, prevê a elaboração de lista tríplice para a escolha de novos conselheiros, diretores e presidentes.
“A decisão, até o momento, para indicar os presidentes das agências é minha. A partir desse projeto, [passa a ser] uma lista tríplice feita por eles. Essa parte será vetada de hoje para amanhã”, afirmou. O presidente justificou a decisão por não querer perder a influência que tem nas agências reguladoras.
“As agências têm um poder muito grande e essa prerrogativa de o presidente [da República] indicar o presidente [da agência] é importante porque nós teremos algum poder de influência nessas agências”. Bolsonaro tem até amanhã (25) para sancionar ou vetar o projeto enviado pelo Congresso.
O projeto, de autoria do então senador Eunício Oliveira, tramitava há oito anos. A matéria passou pelo Senado, foi para a Câmara e, ao voltar ao Senado, sofreu alterações. Coube aos senadores garantir a proibição de indicações políticas nas agências. Conforme o texto enviado para sanção, os indicados para ocupar cargos precisarão ter ficha limpa, não poderão ter cargos eletivos – ser deputado ou senador, por exemplo – nem ser parente de políticos.